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Menos recursos públicos, mais recursos privados nas eleições

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Por Cristiano Vilela
Atualização:
Cristiano Vilela. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal uma sugestão legislativa para o estabelecimento de um limite mais rígido aos gastos com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Esta sugestão legislativa (SUG 49/2019), provém de uma proposta apresentada por uma cidadã do estado do Rio de Janeiro, através do portal do Senado Federal. A matéria, agora, passará a tramitar no Senado como um projeto de lei autônomo.

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Segundo a justificativa que consta da apresentação da proposta, são gastos valores exorbitantes com o financiamento eleitoral, o que constituiria um desincentivo aos políticos, à medida que provoca certo afastamento destes com relação à sociedade como um todo.

O argumento apresentado tem fundamento e, não é à toa. A dualidade entre financiamento público ou privado é um tema que desperta intensos debates.

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Os defensores do financiamento público argumentam que se trata de uma maneira de igualar os candidatos de forma a não permitir que o poderio econômico afete diretamente no resultado do pleito. Utilizam, para ilustrar esse argumento, os diversos escândalos envolvendo o financiamento eleitoral que marcaram o país nos últimos anos.

Esse pensamento, entretanto, mostrar-se-ia ingênuo e simplista, não fossem os interesses eleitoreiros escondidos por detrás dessa linha de argumentação.

Primeiro, porque a origem declarada do recurso de campanha (pública ou privada), não coíbe a utilização do caixa 2 e o dinheiro da corrupção poderá assim ser utilizado, comprometendo a transparência da disputa.

Segundo, a estrutura da Justiça Eleitoral, apesar de contar com técnicos dedicados, é pequena face ao volume de recursos públicos que será manejado e, com isso, a capacidade de fiscalização seguramente não será capaz de coibir todas as ilegalidades, tal como se dá hoje em dia.

Terceiro, os partidos que tiveram grande número de votos nos últimos anos --muitos deles financiados com dinheiro de corrupção-- largarão com grande vantagem frente aos pequenos partidos, derrubando em definitivo o argumento de maior equidade entre os concorrentes.

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Quarto, diante do cenário de grande dificuldade financeira que o país atravessa, a destinação de recursos para financiar campanhas políticas acerta em cheio a já combalida credibilidade do meio político perante a sociedade. Como justificar aos eleitores que diante dos constantes cortes de investimentos em áreas relevantes como educação e saúde e do aumento de impostos, será criado ainda um novo gasto bilionário para custear as campanhas políticas?

E por último, o financiamento exclusivamente público afeta inclusive a própria expressão democrática e afasta a participação e o engajamento político do cidadão. Em uma democracia plena, a participação política do cidadão deve ser estimulada e, por vezes, essa participação se dá através de investimentos financeiros diretos e indiretos.

A participação popular tem custos. Ora, eliminar essa participação é deixar debilitada a democracia. No afã de coibir os grandes gastos indevidos, aniquila-se a participação política e com isso a democracia.

O financiamento público é mais uma forma de atender a interesses políticos, de modo a irrigar campanhas eleitorais com recursos públicos, especialmente em um momento de dificuldade de arrecadação privada de recursos.

O sistema misto, a nosso ver, é o melhor caminho. Ou seja, parte de financiamento público e parte com utilização de recursos de pessoas físicas e empresas. Para tanto, muito mais valioso do que restringir a participação das pessoas jurídicas na atividade eleitoral, na forma de doadores, seria restringir o limite de recursos doados, seja por pessoa física ou por pessoa jurídica.

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Hoje, a lei 9.504/97 estabelece como limite para pessoas físicas até 10% do valor bruto auferido no ano anterior, e estabelecia, antes da decisão de inconstitucionalidade do STF, o limite de 2% no caso de pessoa jurídica. O estabelecimento de limites percentuais não atende à necessidade de restringir a influência do poderio econômico nas eleições. Em casos de pessoa física ou jurídica abastada, o limite total de doação passa a ser bastante alto também, capaz de influenciar na disputa eleitoral. Aliás, nestas últimas eleições, não foram poucos os casos de grandes afortunados eleitos, vistos que podiam autofinanciar com folga suas campanhas.

A alternativa mais adequada seria o estabelecimento de um teto fixo de doações, que as limitasse em números absolutos. Com isso, tanto as pessoas físicas, como jurídicas, poderiam participar da atividade eleitoral, promovendo doações de recursos, mas limitados a um mesmo valor, não permitindo que grandes milionários ou empresas poderosas fossem capaz de influenciar de maneira tão contundente no processo eleitoral.

*Cristiano Vilela, advogado, especialista em direito eleitoral, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, sócio de Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados

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