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Medidas para conter 'sommeliers' e negacionistas de vacinas têm respaldo do STF

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Por Alan Bousso
Atualização:
Alan Bousso. Foto: ARQUIVO PESSOAL

"Sommeliers" de vacina: um termo tão surreal quantos os dias que enfrentamos. Mas o fato é que há pessoas em todos os cantos do Brasil querendo se dar ao luxo de escolher a marca do imunizante. Há ainda quem diga que os cidadãos são livres para escolher se, quando e qual vacina tomar. Mas o fato é que aqueles que demoram para se vacinar postergam não só a própria imunização, mas o efeito coletivo que a ações em massa desse gênero precisam ter. Cientistas poderão explicar com mais minúcias as consequências dessa irresponsabilidade individualista, mas do ponto de vista administrativo e jurídico há medidas a serem tomadas.

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A Prefeitura de São Paulo sancionou, acertadamente, nesta terça-feira (27), a Lei 17.583, que pune os "sommeliers" de vacina. Municípios do Grande ABC Paulista, antes disso, já estavam colocando no fim da fila quem tenta escolher a marca da vacina. Em Recife, quem se recusar a tomar algum tipo de vacina ficará bloqueado no sistema de agendamento por 60 dias. Um projeto de lei municipal propõe, em Curitiba, que os "sommeliers" fiquem no fim da fila ou tenham de se cadastrar para a xepa (sobra diária). Um decreto municipal de Varginha, Minas Gerais, determinou que aqueles que procuram uma marca específica sejam vacinados depois de todas as pessoas de 18 anos. Também está proibida a procura por segunda dose e até terceira dose de marca diferente da primeira.

Tais medidas são fundamentais tendo em vista a situação de emergência de saúde pública que o país vivencia. O ideal é que tal norma tivesse abrangência nacional, assim como seria bom que a vacinação seguisse em ritmo mais equânime pelo Brasil afora. A campanha de caráter emergencial seria possivelmente mais bem planejada se fosse amplamente conduzida por meio do Plano Nacional de Imunização (PNI).

No início de julho, o deputado federal Célio Studart (PV-CE) apresentou uma proposta de lei federal para que os que comparecerem para se vacinar e recusarem a aplicação do imunizante disponível não sejam vacinados até que todo o calendário do PNI seja cumprido. Diante da pressão social, é provável que outros projetos nessa linha surjam. Não é viável mensurar se tais iniciativas terão tramitação célere o suficiente para que sejam aplicadas no atual processo de vacinação. Mas os levantamentos científicos apontam que nos próximos anos a imunização em massa seguirá como uma necessidade mundial. Portanto, o quanto antes chegar, será muito bem-vinda uma legislação que discipline o tema, evite que irresponsabilidades pessoais tenham efeitos coletivos e uniformize as regras em todo o país.

Do mesmo modo que os "sommeliers" devem sofrer sanções, aqueles que se recusarem a ser vacinados devem enfrentar os efeitos de sua escolha. Como já exposto acima, imunização não é uma escolha de consequências apenas individuais e, sendo a coletividade colocada em risco, cabe ao Estado prever e aplicar as medidas necessárias.

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No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, o Supremo Tribunal Federal (STF) já fixou o entendimento de que, ainda que não seja constitucional obrigar as pessoas a se vacinar, é legítima diante do ordenamento jurídico brasileiro a implementação de restrições àqueles que recusarem a imunização.

A tese da corte foi a seguinte: "A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente".

Em sintonia com o tema de res publica, o Supremo estabeleceu ainda que tais medidas podem ser determinadas pela União, pelos estados ou pelos municípios, como bem fez a cidade de São Paulo.

Neste momento delicado, em que saúde e vida estão em jogo, cabe aos legisladores e administradores públicos adotar todas as alternativas possíveis para promover a conscientização ou, pelo menos, restringir comportamentos inconsequentes, irresponsáveis e incompatíveis com a vida em sociedade. Enquanto não há uma medida de alcance nacional, que estados e municípios recorram às suas prerrogativas. Há respaldo legal para isso. O pacto social precisa ser ajustado em nome do bem comum!

*Alan Bousso, advogado, mestre em Direito Processual Civil, sócio do Cyrillo & Bousso

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