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Medidas dos condomínios para combater a pandemia

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Por Sylvia Camarinha
Atualização:
Sylvia Camarinha. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A rotina nos condomínios foi consideravelmente afetada pela pandemia da covid-19, tendo em vista que medidas restritivas tiveram que ser adotadas para evitar a propagação do vírus.

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Diante deste cenário, o síndico passou a ser a peça fundamental para garantir o cumprimento de medidas restritivas. Para tanto, houve o aumento da vigilância sobre a circulação de pessoas no condomínio, de forma a garantir que:

(i)                  haja a limpeza e desinfecção das superfícies do prédio de forma mais rigorosas, principalmente das áreas em que há maior fluxo de pessoas;

(ii)                não haja aglomeração de moradores nas áreas comuns;

(iii)               as medidas estabelecidas pelo condomínio estão sendo observadas; e

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(iv)               os moradores e funcionários utilizem máscaras ao circularem no condomínio.

Ocorre que muitos condomínios não possuem previsão em seus estatutos sobre as medidas que devem ser adotadas em caso de pandemia, até mesmo porque, nenhum de nós pensou em passar por uma crise sanitária desta relevância e magnitude.

Mas a pergunta que surge em todo esse contexto é "até onde vai a autonomia ou autoridade da atuação do síndico nessas e outras medidas, se os estatutos ou convenções do condomínio não previam ações em pandemia?". E, ainda, como realizar uma assembleia geral extraordinária, durante o isolamento social?

Resta claro que há um impasse que envolve as restrições ao exercício do direito de propriedade pelos moradores e os limites dos poderes de atuação do síndico na administração do condomínio.

O primeiro ponto é esclarecer que, independente de haver ou não previsão no estatuto do condomínio, a obrigação principal do síndico é primar pela saúde coletiva, mesmo que isso traga restrições aos direitos individuais dos condôminos. Ou seja, devem ser adotadas todas as medidas para preservar a saúde coletiva, sempre observando a razoabilidade.

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O síndico, até mesmo por não atuar de forma isolada e buscando se preservar, deverá convocar uma assembleia geral extraordinária, em caráter de urgência, para deliberar conjunto com os moradores as medidas que serão adotadas para proteger a saúde de todos.

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Sabemos que normalmente os estatutos dos condomínios preveem que as assembleias precisam ser convocadas com uma antecedência mínima, mas por se tratar de uma situação excepcional, poderá este prazo ser dispensado, desde que o síndico faça uma ampla divulgação no condomínio e aos seus moradores sobre a assembleia.

Cumpre destacar, que essa assembleia deverá ser realizada de preferência de forma virtual, devendo tal informação constar da comunicação do síndico, pois assim evita a aglomeração de pessoal.

Estabelecidas as medidas, o síndico deverá dar publicidade às mesmas, garantindo que todos os moradores e funcionários tenham ciência das práticas que devem adotar. Uma sugestão é que haja a elaboração de uma cartilha informando as orientações de precaução de contaminação e, quando aplicável, as regras e/ou restrições estabelecidas para acesso as áreas comuns do edifício.

Um ponto que de dúvida é no que tange a qual medida adotar em caso de haver no condomínio algum morador ou funcionário contaminado pela covid-19.

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As Associações de Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de alguns Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, diante da ocorrência da situação acima orientam que:

(i)                  o morador e/ou funcionário comunique a ocorrência ao síndico;

(ii)                o síndico entre em contato com a vigilância epidemiológica do Estado para avisar que há um morador e/ou funcionário infectado e solicitar mais informações adequadas;

(iii)               o síndico não revele quem é o morador, mas que peça para este evitar transitar nas áreas comuns do condomínio, bem como aumente o monitoramento da circulação deste morador no edifício, de forma a garantir a constante higienização das áreas em que este circular;

(iv)               o funcionário infectado que não more no condomínio seja afastado até que se recupere, devendo o síndico tranquilizá-lo e manter seu salário, se possível;

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(v)                o funcionário infectado que resida no condomínio observe as mesmas instruções dadas aos demais moradores contaminados, conforme acima descrito; e

(vi)               o síndico informe aos demais moradores e funcionários, através de um comunicado solidário (ou seja, que não tenha cunho de constranger a pessoa contaminada e nem de identificá-la) informando que há um morador/funcionário infectado, que as medidas de higiene foram redobradas e pedindo a todos que tenham solidariedade ao enfermo neste momento tão difícil.

Sem prejuízo das medidas que já vêm sendo adotados pelos condomínios, e das instruções das Associações de Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios, está em trâmite o Projeto de Lei n° 1.179/2020 ("PL"), cujo objetivo é suspender temporariamente leis do Direito Privado para adequá-las à realidade enfrentada pela sociedade em suas relações jurídicas.

Dentre diversas matérias tratadas pelo PL, está a regulamentação da atuação dos síndicos em condomínios, em complemento ao que já está previsto no atual Código Civil.

O PL, além de outras sugestões, dispõe que o síndico poderá (i) restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pela covid-19; e (ii) restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos.

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Independentemente da aprovação do PL, os condomínios devem adotar as medidas necessárias para conter a propagação do vírus, desde que razoáveis, devendo o síndico convocar a assembleia geral extraordinária, de forma virtual, para discutir as medidas, de forma a evitar eventuais questionamentos.

Como não poderia deixar de ser, alguns moradores têm buscado a justiça para discutir certas medidas adotados nos condomínios, por entenderem que estas extrapolam a razoabilidade.

Um exemplo foi o caso julgado pelo tribunal de justiça de Mato Grosso em que o síndico proibiu a entrada da babá e da empregada doméstica de um casal de moradores em seu apartamento. A juíza responsável pelo caso entendeu que a proibição de entrada de empregados no condomínio não era proveniente de uma deliberação em assembleia, mas sim de um ato isolado e arbitrário do síndico, que deveria se limitar a regulamentar o acesso às áreas comuns do edifício, e não às unidades autônomas[1].

No caso mencionado acima, se pode afirmar que há uma falta de razoabilidade na medida, pois estes trabalhadores são parte da rotina do casal, com acesso restrito na residência, além da manutenção do emprego destas pessoas.

Um outro exemplo em que medidas tomadas pelo síndico foram consideradas arbitrárias ocorreu em Santa Catarina: neste caso, a inquilina foi proibida pelo síndico de entrar no imóvel para fazer a sua mudança, tendo em vista o fim do contrato de aluguel. O juiz do caso determinou seu livre acesso para realizar a mudança, visto que, além de ter os direitos iguais a qualquer condômino em razão do seu contrato de locação, o síndico não possui poder (e nem amparo legal) para impor tal restrição[2].

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Ambas decisões judiciais têm como fundamento a não razoabilidade das medidas adotadas pelos síndicos, tendo em vista que extrapolam o necessário para a proteção do condomínio e para evitar a propagação do vírus.

Resta claro que o espírito de colaboração entre os moradores e o seu condomínio é fundamental neste momento de crise, pois é uma situação nunca vivida, que desperta muitos medos e incertezas.

Por fim, os condomínios não podem se abster de adotar as medidas necessárias, conforme apontado no início deste artigo, sob a alegação de estarem aguardando a aprovação do PL, por exemplo, ou por não haver previsão de uma situação de pandemia em seus estatutos, pois a vida é um direito fundamental e garantido constitucionalmente - devendo fazê-lo nos limites da razoabilidade e com solidariedade ao momento igualmente enfrentado pelos condôminos.

[1] TJ/MT. Processo 1014173-08.2020.811.0041. 8ª Vara Cível. Juíza: Ana Paula de Veiga Carlota Miranda. Julgamento em 27.03.20

[2] TJ/SC. Processo n. 5003619-30.2020.8.24.0090. Juíza: Ana Luisa Schmidt Ramos. Juizado Especial Cível do Norte da Ilha dos Santos. Julgamento em 10.04.20

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*Sylvia Camarinha, mestre em direito dos negócios e consultora de projetos de inovação

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