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Matheus Ribeiro e o racismo cotidiano vivenciado por homens negros

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Por Monique Rodrigues do Prado
Atualização:
Monique Rodrigues do Prado. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira no inciso XV consagra o direito de ir e vir da seguinte maneira: "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens".

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Esse é um importante dispositivo constitucional para afastar a discricionariedade do Estado ou quaisquer ameaças que interfiram no direito do indivíduo circular. Mas quando a pessoa é preta, será que a liberdade de locomoção continua garantida?

No dia 12 de junho, Matheus Ribeiro, jovem negro, instrutor de surf, sofreu um episódio de racismo enquanto aguardava a namorada em frente ao shopping Leblon com a sua bicicleta elétrica. O jovem narrou nas redes sociais que o casal de brancos teria acusado que a bike que Matheus portava teria sido furtada da garota.

De acordo com Matheus, o casal chegou de forma incisiva o acusando do crime: 'Você pegou essa bicicleta ali agora, não foi?', 'É sim, essa bicicleta é minha', replicou a jovem moça".

Segundo Matheus, o casal só o deixou em paz quando o garoto branco, sem autorização, tentou abrir o cadeado da bike e teve a tentativa frustrada, o que provou a imediata inocência de Matheus.

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No contexto narrado há uma dimensão de gênero, raça e classe, pois o que estaria fazendo um jovem negro portando uma bicicleta cara na Zona Sul do Rio?

Esse lugar que Matheus ocupa no imaginário social como suspeito, criminoso, bandido e/ou marginal é o mesmo que autorizou em 2019 os trágicos 80 tiros disparados por militares contra um veículo conduzido por Evaldo dos Santos Rosa, um homem negro, pai de família e músico, sobre o qual o Exército argumentou ter "confundido com criminoso".

Outro episódio de "confusão" foi o de Matheus Fernandes no ano passado também no Rio, o qual foi agredido por seguranças após ser abordado como suspeito na loja Renner no Shopping Ilha Plaza, Ilha do Governador, onde teria ido trocar um relógio de presente do Dia dos Pais, mas foi tratado como ladrão.

São episódios que guardam semelhança entre si, pois assolam o cotidiano de homens negros que mesmo portando documento de identidade, provando ser trabalhadores e/ou economicamente consumidores são tratados de forma violenta, muitas vezes com restrição de acessos a coisas, bens e lugares que tenha cunho financeiro, sempre na tentativa de exclui-los do convívio social.

Na dimensão psíquica, os estudiosos alertam para os efeitos emocionais desse constante estágio de medo que homens negros experimentam no seu dia a dia. É comum o estado de vigilância; a sensação de vida curta; a resposta exagerada para os problemas e dificuldades para dormir, em razão das humilhações vivenciadas.

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Eu assisto de perto a essas violências no cotidiano do meu próprio irmão que por ser um garoto periférico vive esse medo da morte, sendo frequente ter armas apontadas a sua cabeça quando abordado. Antes da pandemia meu irmão tinha uma barbearia e saia por volta das 10h de casa, quando então sofria humilhações nas abordagens que retirava tudo da sua mochila na tentativa de achar droga. Eles não pestanejavam em jogar tudo no chão, inclusive a marmita que nossa mãe preparava com todo carinho. A autonomia de ir e vir é restringida também sempre que se tenta pedir um veículo por aplicativo, já que o motorista cancela ao perceber que é um homem preto. O mais grave que pude presenciar foi quando entraram às 3h na minha casa com fuzil após perseguirem meu irmão que voltava da casa da namorada.

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São episódios cotidianos que afligem os pais que ficam com o coração apertado por não terem certeza de que os filhos voltam para casa e os filhos que não sabem se aquele dia será o seu último dia de vida. Hoje eu entendo o porquê o meu irmão ao sair de casa, ainda que seja para ir ao mercado, olha no olho da minha mãe dizendo "eu te amo". No Estado onde "ir e vir" é privilégio e não direito, é primordial ir encontrando estratégias para se manter vivo.

*Monique Rodrigues do Prado, voluntária Ecoz. Advogada. Secretária da Comissão de Igualdade Racial da Subseção Osasco. Comunicadora. Podcaster. Estudiosa das Relações Raciais. Eleita em 2021 umas das Jovens Líderes da América Latina pelo programa americano YLAI

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