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Maradona morreu... há muito tempo

Por Harley Wanzeller
Atualização:
Harley Wanzeller. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Diego Maradona foi um exemplo!

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Em regra, quando alguém falece, somos tomados por um sentimento de nostalgia que busca na personalidade de quem se foi algo que convencionamos definir como legado. Passamos a ter a nítida sensação de que aquele corpo inanimado estendido diante de nós tem uma enorme capacidade para ressaltar o bem praticado em vida, suavizando até mesmo figuras facínoras, bandidas e mendigas espirituais. Nestes momentos, o sentimento dos vivos passa a ser complacente, benévolo, numa tentativa frenética de extrair de todos o que há (ou o que houve) de melhor.

Não foi diferente comigo. Assim que soube do falecimento de Maradona, me veio a lembrança da vida e história de Ayrton Senna, em especial o dia de sua morte.

Muitos que agora leem não souberam o gosto de correr para uma TV na manhã de domingo, em uma época onde os heróis não estavam no YouTube ou pulando feito micos amestrados no Tik-Tok. Naquela época, a Fórmula 1 tinha muita graça quando a chuva vinha para pista, e um único piloto dava o "ar da sua graça".

Engana-se quem pensa que só os brasileiros pensam assim. Não mesmo! Qualquer ser humano que minimamente sabe o que é este esporte, e ao menos já consiga enxergar em seus cabelos o charme do tom da idade, sabe bem sobre o sentimento que estou falando.

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Quando Ayrton Senna faleceu, eu tinha 14 anos. Recebi a notícia sem qualquer exagero, mas com a mesma importância com que o mundo a recebeu - com um estrondoso "não é verdade". Naquele mesmo ano, tive a oportunidade de visitar o principado de Mônaco e ver, com meus próprios olhos, o tamanho de Senna quando um vendedor de souvenir chorou ao falar dele para puxar assunto com os turistas brasileiros. A cada curva de Mônaco era empregada sua marca. A pista mais tradicional do circuito tinha dono, e ainda tem.

Esse estrondo ecoa na minha cabeça até hoje, passados mais de 26 anos. Digo isto pois  há pouco tempo assisti a um documentário sobre a sua carreira e vida, que se encerrou com o Tema da Vitória. Meus filhos não entenderam bem a minha reação: chorei como se tivesse voltado a 1994, e perdido um ente querido naquele exato momento.

O que fez de Ayrton Senna ser o Ayrton do Brasil?

Passado o tempo, a lembrança de sua vida traz um homem temente a Deus, que encontrava o divino em cada dificuldade que se apresentava - o que é muito difícil, pois em geral nos lembramos de Deus quando nos convém. Não o conheci na vida privada, mas nas manifestações públicas, nunca ouvi Ayrton se colocar em posição de superioridade, ou mesmo transparecer soberba diante de quem perguntava algo. Ao contrário, o via com uma personalidade capaz de transpirar a gentileza de lorde nos momentos de descontração, e a altivez de um sábio guerreiro quando era necessário enfrentar os arroubos do politicamente correto, como na célebre entrevista concedida a Jackie Stewart (1), ou quando teve que enfrentar as injustiças impostas pelo sistema (2) em nome da verdade.

Ayrton não nasceu o melhor. Não era o melhor (3). Mas se tornou o melhor piloto de todos os tempos. O que o transformou foi a consciência de que deveria melhorar a cada dia, que deveria entender que nem tudo se entende, que o tempo de Deus deve ser respeitado, e que o trabalho dignifica o homem. Seus sonhos não eram nada pequenos, mas acabaram se convertendo em realidade diante de cada degrau que insistia subir na escada da vida. Quando caia, sabia que não importava o número de quedas, e sim quantas vezes teria forças para se levantar. Honrava sua família, acima de tudo, e substituía a vaidade (presente em todos nós) pela caridade - seja na ajuda material ou no exemplo dado, o qual salvou e ainda salva muitas pessoas. (3)

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Em suma, Ayrton não era um santo. Não passava de um pecador que aceitava as circunstâncias impostas, e as vencia. Entendia de suas misérias como ninguém mais, e por isso buscava incessantemente superar-se, evoluindo perante Deus e perante o espelho. Era aquele homem tão capaz de ganhar um grande prêmio com um carro quebrado (4), quanto de parar a corrida no meio para salvar Erik Comas, um  companheiro pouco famoso que precisava sair de seu carro acidentado antes que o pior acontecesse (5). Este era Ayrton. Ou melhor, Ayrton Senna do Brasil, como era conhecido pelo povo.

A esta altura, você, leitor, muito provavelmente já se questionou: o que a vida e o legado de Senna tem a ver com a vida e morte de Maradona?

É verdade. Tenho que dar razão à dúvida. As pessoas e exemplos não se comunicam. São antagônicos.

Mas é a partir daí que tiro as verdadeiras lições sobre a figura de quem hoje tentei falar.

O legado de Maradona é o extremo oposto da virtude. E não digo isso com qualquer desmerecimento ao morto pois ele próprio, Maradona, elegeu os caminhos que o levaram às mortes física e moral, ocorridas muito antes de seu falecimento.

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Como um "bom socialista", Maradona pregava a socialização daquilo que não era seu, torrando o seu dinheiro com drogas e luxos que ele próprio dizia combater. Se vangloriava de trapaças conseguidas dentro das quatro linhas, ensinando aos demais que o certo seria levar vantagem em tudo, a qualquer preço (6). Era um pobre coitado, nada profissional, que colocava todas as suas esperanças no prazer desenfreado, apostando que era o próprio deus encarnado. Se gabava ate mesmo das seitas criadas em torno de seu nome - nada mais apropriado para uma figura tosca e desprezível.

Não nego, com isso, a genialidade do futebolista Maradona. Mas isso não o torna melhor do que realmente foi. Aliás, é essencial que reconheçamos sua genialidade pois, só assim - a partir de exemplos como o dele - é que podemos entender qual o fim de um ser humano que decide, deliberadamente, destruir todos os talentos concedidos por Deus. É a partir dos "Maradonas" da vida que confirmamos Deus nos respeitando em nosso poder de decisão, no exercício do livre arbítrio, da livre consciência e da livre complacência, tão bem abordados por São Bernardo de Claraval.

Não tenho dúvida de que somos livres para fazer o que quisermos. Mas Maradona nos prova que não devemos fazer aquilo que não nos convém, pois a liberdade, quando mal utilizada, direciona o Homem às consequências inarredáveis de suas próprias decisões. E por isto mesmo, creio que será muito lembrado, mas por motivos nada nobres.

Este foi o legado de Diego Armando Maradona, um homem viciado, que tomou a canalhice como estilo de vida e foi incapaz de perceber a própria miséria, se vendo obrigado a viver o ocaso abraçado às consequências de todas as decisões formadoras daquilo que ele próprio passou a ser.

Maradona, enfim, foi um gênio da bola. Isso é inegável.

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Mas acima de tudo, foi o pior dos exemplos. E, por isso, será lembrado.

Que Deus tenha misericórdia de sua alma.

*Harley Wanzeller é magistrado federal do TRT-8, cronista e escritor conservador

(1) https://youtu.be/tUmKFS7CrmI

(2) https://youtu.be/-wJdCinpu-4

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(3) https://youtu.be/Bf792TmOqDQ

(4) https://youtu.be/M8ip8DlFae0

(5) https://youtu.be/sbTrNKBAfI8

(6) https://youtu.be/XQYTeJzZFAU

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