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Mais transparência é o caminho

Por Júlio Marcelo de Oliveira
Atualização:
Júlio Marcelo de Oliveira. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Além da evidente preocupação com a saúde dos brasileiros, a COVID-19 suscitou ainda outra importante questão: como assegurar a boa aplicação dos vultosos recursos repassados pela União aos estados, Distrito Federal e municípios para combater a pandemia e dar-lhes suporte financeiro em face da crise econômica por ela agravada, com importantes perdas de arrecadação? Como dar transparência a esses gastos? Como permitir sua rastreabilidade até o credor final que fornece um produto ou serviço?

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Não estamos tratando de pouco dinheiro: o valor adicional repassado pela União em razão da pandemia foi da ordem de 75 bilhões de reais! Desse montante, R$ 10 bilhões tinha aplicação predefinida em ações de saúde e assistência social. Como assegurar que esse recurso foi realmente gasto nessas finalidades e não desviados para outras despesas?

Além disso, como dar transparência às compras emergenciais que o momento da pandemia impôs a todos e evitar superfaturamento e corrupção? Hospitais de campanha, máscaras, ventiladores pulmonares, fármacos de sedação, entre outros itens tiveram explosão de demanda e exigiam aquisição imediata.

Esse é um dinheiro federal gerido por entes subnacionais. Disso decorre naturalmente a competência dos órgãos federais para fiscalizar sua aplicação e processar e julgar os que forem flagrados em desvios e atos de corrupção. A questão posta assim parece simples, mas, na prática, não é, como bem demonstrou a Operação Apnéia conduzida pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal em Pernambuco, com a participação do Ministério Público de Contas. O caso trata da compra de respiradores pela Prefeitura de Recife junto a uma microempresa recém-criada e com atuação na área veterinária.

O dinheiro que seria utilizado viria do Fundo Municipal de Saúde, composto por recursos de origem local, mas também por recursos federais repassados ao município. A Prefeitura de Recife e os investigados tentaram afastar a atuação dos órgãos federais alegando que a compra seria feita com recursos municipais. Em verdade, o município misturava os recursos da saúde arrecadados por ele mesmo com os repassados pela União. Essa confusão, muito comum, permite alegar sempre a origem que pareça mais conveniente para cada situação. Para confirmar a competência do MPF e da Polícia Federal foram necessárias decisões do STJ e do STF!

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Esse imbróglio só aconteceu por falta de transparência, porque não havia uma codificação de fontes de recursos padronizada em todo o país que permitisse identificar com facilidade que uma dada despesa foi realizada com o recurso municipal ou federal. A falta dessa codificação também dificulta o controle da aplicação dos mínimos constitucionais da saúde e da educação, tornando esse controle mais trabalhoso, menos transparente e sujeito a erros ou fraudes.

Em razão do problema identificado, o MPF e o MP de Contas junto ao TCU expediram a Recomendação 13/2020 à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para que ela exercesse seu poder-dever de estabelecer essa codificação padronizada nacionalmente, a fim de possibilitar a completa rastreabilidade dos recursos federais repassados aos entes subnacionais.

A Recomendação 13/2020 teve ainda por objetivo o registro em um sistema federal de compras, como o Comprasnet, das aquisições realizadas com recursos federais, a fim de dar mais transparência e permitir a comparabilidade dos preços praticados pelos diversos estados e municípios nas aquisições e contratações que fizerem, o que é extremamente relevante, sobretudo na área da saúde, em que a União repassa cerca de R$ 80 bilhões de reais por ano, sem que hoje se saiba com facilidade como esse dinheiro é gasto na ponta pelos gestores municipais e estaduais. Evidentemente, onde há gestão de maiores volumes de recursos, há maiores incentivos e oportunidades para a prática da corrupção.

Como resultado, a STN, após reuniões com o MPF, MP de Contas e representantes dos estados e municípios, editou um conjunto de portarias estabelecendo a padronização nacional a ser seguida obrigatoriamente por todos os entes subnacionais a partir de 2023, sendo facultativa a partir do exercício de 2022. O prazo concedido a estados e municípios para observância obrigatória decorre da necessidade de adaptação dos sistemas de informação. Embora com considerável atraso, o fato a ser celebrado é que, finalmente, esse importante avanço e instrumento de controle estará em funcionamento.

Os resultados colhidos com a Recomendação 13/2020 foram de tal modo significativos que a atuação conjunta do MPF e do MP de Contas foi agraciada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) com o Prêmio República, como melhor iniciativa de combate à corrupção do MPF no ano de 2020.

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Nada mais poderoso para inibir a corrupção que a transparência. A codificação nacional vai nessa direção, espera-se que tenha ampla efetividade e constitua um positivo legado da pandemia.

*Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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