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Mais que palavras: a pressão internacional ambiental para reintegrar o Brasil ao esforço planetário

Por Mariana Barbosa Cirne
Atualização:
Mariana Cirne. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Em meio ao ambiente, não dá para dividir: o deles e o nosso. Direito difuso. Sem titulares identificados. O que fazemos de bom para o meio ambiente, é ganho de todos. O que se faz de nefasto, volta para nós, mesmo que tenhamos feito a nossa parte. Todos no mesmo barco, ou, melhor dizendo, no mesmo planeta. Eis o poder - e também a fraqueza - da pauta ambiental. Seu objeto, o meio ambiente, é indivisível. Exatamente por isso, a Constituição de 1988 - conhecida como verde - colocou o meio ambiente como direito. No mesmo dispositivo, disse que era também um dever. Responsabilizou o Estado e a coletividade pela proteção ambiental. Não há, portanto, como dividir as equipes. Estamos todos juntos.

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E quando se fala de proteção ambiental, não dá para trabalhar com limites territoriais. Não faz sentido. O ar não tem fronteiras. Então, para que respostas ambientais funcionem, é preciso um esforço para além das barreiras nacionais. Afastar-se de argumentos como soberania e território. Construir em nível global. Isso demanda cooperação internacional. A pandemia de Covid-19 acentuou isso. O planeta continua sendo um só. Os efeitos do aquecimento global também não nos deixam esquecer.

Na pauta ambiental, o que se faz aqui dentro do Brasil importa lá fora. Somos o país mais biodiverso do mundo. A maior parte da Floresta Amazônica está aqui. Aprendemos, desde 2002, a preservá-la e a ganhar com isso. Até o ano de 2018, recebemos no Fundo Amazônia cerca de R$ 3,4 bilhões em doações, vindos da Noruega e da Alemanha. Ao mudar nossa postura ambiental, é natural que uma reação internacional venha. Teremos perdas lá fora, a partir do que decidimos aqui dentro. Se os apelos ecossistêmicos não funcionam, talvez a pressão econômica internacional possa ser mais efetiva. Essa é a esperança.

O  governo brasileiro, então, responde que não haveria nada de errado na gestão ambiental. Teríamos um problema de linguagem e de escassez de recursos. Precisaríamos nos comunicar melhor e trazer mais recursos para cá. O impasse pareceria, se olhado sem cuidado, simples e solúvel. Não é.

Os números não mentem

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O Ministro da Economia defendeu que devemos mudar nossa linguagem ambiental. O futuro é verde, disse ele. O Vice-Presidente explicou aos estrangeiros  que o Brasil está fazendo sua parte no combate ao desmatamento. Haveria um problema de comunicação.

Na escassez de recursos, o Vice-Presidente esclareceu que países ricos deveriam financiar a preservação da Amazônia. O Ministro do Meio Ambiente, por sua vez, explicou que o desmatamento só pararia se o Brasil recebesse um bilhão de dólares dos Estados Unidos. Faltaria investimento internacional.

Acontece que, apesar de invisível, a proteção ambiental tem suas réguas. Ainda bem. Para conseguir avançar como país, e como planeta, aprendemos a medir a qualidade ambiental. Exatamente por isso, não adianta falar, mudar a linguagem, ou dizer que faz o dever de casa. Nada disso esconde o prejuízo em andamento. Os resultados negativos continuam aparecendo.

Os números do INPE atestam que o desmatamento na Amazônia está fora de controle. De 2018 a 2019, teve um aumento de 34%. Na diferença do ano seguinte, subiu 9,5%. A devastação da floresta está concentrada em áreas públicas ocupadas irregularmente. A regularização fundiária, pretensa solução, só agravaria o problema. Premiaria quem as ocupasse irregularmente.

A fiscalização ambiental foi substituída pela militar. O número de multas ambientais do Ibama caiu 34%. O menor nível em 24 anos. As multas anteriores são agora conciliáveis. De 7.205 audiências de conciliação agendadas, só 5 aconteceram. A prescrição dos autos de infração, problema já identificados pelo TCU e pela CGU, só se agravará neste novo modelo.

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A atuação do Ministério do Meio Ambiente também se destaca. O Ministério Público Federal pediu o afastamento do Ministro por improbidade. A ADPF 70, em trâmite no STF, analisa a omissão da União quanto ao dever constitucional de proteção ambiental. Com tais dados, parece, portanto, difícil manter o debate na linguagem.

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A falta de dinheiro também não se sustenta. O relatório 2019 de auditoria da CGU  mostrou que não existe planejamento estratégico no MMA. Apenas 13% dos recursos para mudança climática foram executados. Só 1,4 % do orçamento do Fundo Nacional do Meio Ambiente foi usado. No Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima, a execução foi de 9%. Há dinheiro, mas não há vontade de transformá-lo em melhoria ambiental.

O que se pode esperar

O mais difícil é percebermos que sabemos como fazer uma política ambiental efetiva. Não é feita com armas militares. Também não funciona com crimes ambientais, de penas reduzidas, perigo abstrato, suscetíveis ao princípio da insignificância. O sucesso do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), responsável pela queda de 83% do desmatamento entre 2004 e 2012, mostra que as armas necessárias são outras. Precisamos de multas e de embargos ambientais. Especialmente da última medida, que impede o acesso a financiamentos. Os instrumentos econômicos são o que para o desmatamento. Só quando pesa no bolso, a pauta ambiental ganha relevância. Ao perceber o revés econômico, surge a preocupação. Com a pressão internacional, o que se espera é sair do discurso e do debate de recursos, para a ação.

Não temos um problema de linguagem ou de recursos. Se não mostrarmos resultado, não adianta falar. Não adianta pedir dinheiro. Qualquer criança perceberia isso. Com os países estrangeiros não seria diferente.

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*Mariana Barbosa Cirne, professora de Direito Ambiental do CEUB

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