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Mais democracia na reforma da democracia

Por Marcelo Issa
Atualização:
Marcelo Issa. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O país acompanha com imenso sofrimento e grande apreensão o desenrolar da pandemia de Covid-19, em especial o avanço da vacinação e as possíveis implicações políticas da CPI. É nesse contexto que a Câmara dos Deputados discute, desde fevereiro, uma ampla reforma da legislação partidária e eleitoral.

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Os debates ocorrem em três arenas diferentes: duas comissões especiais, criadas para debater mudanças na Constituição, e um grupo de trabalho. A primeira comissão, que deve endereçar questões afetas ao sistema eleitoral, é presidida pelo deputado Luis Tibé (AVANTE/MG) e relatada pela deputada Renata Abreu (PODEMOS/SP). Ambos presidem também os diretórios nacionais de seus respectivos partidos. A segunda arena é a comissão sobre a possibilidade de reinstituição do voto impresso, criada a partir de PEC de autoria da deputada Bia Kicis (PSL/DF), e que tem como presidente o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC/PR) e como relator o deputado Filipe Barros (PSL/PR). Já o grupo de trabalho, criado e com membros indicados pelo presidente Artur Lira (PP/AL), é relatado pela deputada Margarete Coelho (PP/PI) e presidido pelo deputado Jonathan de Jesus (REP/RR).

Nas próximas semanas, esse grupo de trabalho deve apresentar uma proposta de texto legal, que deve sistematizar toda legislação partidária e eleitoral, instituindo inclusive uma inédita codificação do processo eleitoral. De acordo com o plano de trabalho originalmente apresentado pela relatora, findas as audiências públicas que ouviram especialistas e organizações da sociedade civil, essa proposta seria então analisada em reunião de líderes e, em seguida, encaminhada diretamente para deliberação pelo plenário da Câmara dos Deputados. Já as comissões especiais criadas para modificar a Constituição começaram a funcionar nas últimas semanas e, de acordo com os planos de trabalho divulgados, devem realizar algumas (poucas) audiências públicas, aprovando seus respectivos textos legislativos no próprio colegiado ou no plenário da Câmara já no mês de julho.

Sabe-se que a legislação eleitoral demanda de fato uma série de ajustes, que podem e devem ser realizados com o devido respeito à regra da anterioridade anual, a fim de que já tenham vigência para o pleito do ano que vem. Tendo em vista, contudo, a amplitude das potenciais alterações e do impacto que delas pode decorrer sobre o funcionamento do nosso sistema político e da própria democracia brasileira, deve-se garantir que esse processo ocorra com absoluta transparência e ampla participação social.

Para tanto, é preciso garantir que todos os interessados sejam ouvidos e tenham suas demandas efetivamente consideradas, que nenhuma mudança seja votada sem que a sociedade tenha tempo para avaliar seu conteúdo e que, portanto, audiências públicas sejam realizadas pelo Parlamento antes e depois da apresentação das propostas de texto legislativo. Também é preciso envolver diversos segmentos da sociedade no debate, dentro e fora do Congresso Nacional, promovendo estudos sobre os impactos de cada proposta. E, finalmente, é preciso que a sociedade possa conhecer com clareza e antecipação a posição de partidos e parlamentares com relação a cada proposta apresentada. Alcançar esse objetivo no atual contexto de grave crise sanitária e política, com todos seus terríveis impactos do ponto de vista socioeconômico, não é uma tarefa simples.

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Do ponto de vista material, é preciso preservar as conquistas e avanços democráticos das últimas décadas, especialmente no que se refere a inclusão e representatividade dos diferentes segmentos da sociedade brasileira no sistema político, assim como sobre regras e procedimentos que têm aprimorado a transparência e a integridade de partidos e campanhas eleitorais.

Nesse sentido, independente do resultado final, a reforma em curso deve preservar as regras que instituíram a chamada cláusula de desempenho e a vedação de coligações em eleições proporcionais, assim como a urna e o sistema eletrônicos de votação e apuração. As regras e os mecanismos de transparência e fiscalização de contas eleitorais e partidárias implementados pela Justiça Eleitoral também precisam ser mantidos, devendo-se rejeitar de plano qualquer diminuição de transparência, inclusive pela utilização da Lei Geral de Proteção de Dados ou do Marco Civil da Internet. Do mesmo modo, há que se preservar e ampliar os mecanismos de promoção da participação e inserção de mulheres, negros e demais grupos subrepresentados na política institucional. Propostas que modifiquem radicalmente o sistema eleitoral, tais como o chamado Distritão, só deveriam ser discutidas após a pandemia.

Mais do que nunca, a trágica e excepcional condição na qual nos encontramos faz com que o debate sobre reforma política precise ocorrer com uma dose a mais de transparência e participação social. Disso depende o próprio futuro da democracia no Brasil.

*Marcelo Issa, cientista político e advogado, diretor-executivo do Transparência Partidária e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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