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Lockdown no populismo

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Por Marcos Abreu
Atualização:
Marcos Abreu. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

"A política é uma sucessão de remédios temporários e parciais para o mal humano permanente e recorrente". Com esta frase o pensador inglês John Gray desmonta a nossa crença de que a política pode progredir linearmente.

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Os erros do passado serão repetidos agora e novamente no futuro, pois é da essência política insistir em soluções oportunistas. Gastam-se mais recursos com os sintomas do que com a prevenção.

Não devemos esperar que o status quo seja modificado por quem dele se beneficia, já que é mais conveniente que alguns problemas não sejam eliminados.

A natureza também tem seus mecanismos de sobrevivência. As doenças virais muitas vezes funcionam como autodefesa aos desequilíbrios causados pelo homem.

Na busca por segurança alimentar, colocamos em risco a segurança sanitária. O novo coronavírus parece ser um exemplo recente disso: tudo indica, até agora, que nos mercados úmidos desregulados, a exemplo do de Wuham, o vírus pulou de um morcego para o humano, espalhando terror. O mesmo ocorre nas fazendas industriais, com a criação intensiva de cada vez mais espécies, favorecendo a transmissão de vírus e bactérias de animais para os humanos - tuberculose, gripe aviária, peste suína, entre outras.

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Por menos biologicamente sofisticado que seja, o vírus possui material genético capaz de sofrer mutações benéficas para si, tornando-se mais contagioso - uma vantagem evolutiva para o micro-organismo, um desafio para a ciência e para a nossa resiliência. Os êxitos evolutivos se codificam no genoma e o genoma molda a evolução a partir das experiências e dos desejos exitosos.

Quanto mais tempo um vírus circular, maior a sua taxa de transmissão e, consequentemente, maior a probabilidade de surgirem novas variantes.

Na política também é assim: quanto mais tempo um candidato se mantiver no poder, maior a taxa de transmissão dos seus feitos e, consequentemente, maior a probabilidade de fazer sucessores.

Há vinte anos fomos contaminados pelo populismo, com a ascensão do primeiro vírus ao poder. Se o início foi assintomático, o passar dos anos demostrou que um alto preço seria cobrado. Novas cepas foram geradas nos laboratórios de São Bernardo, e a chegada da sua sucessora à presidência coincidiu com mais caos e desesperança.

Em 2018, a população desesperada recorreu a uma vacina duvidosa. Apostou para ver e viu uma versão ainda mais perigosa do vírus populista.

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Se a primeira onda só foi vencida depois de mais de uma década, a atual sucumbirá muito mais rapidamente. Seu comportamento enganosamente diferenciado no início logo foi desmascarado e os sintomas estão se revelando cada vez mais semelhantes com a versão a que dizia se contrapor.

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Uma doença não vai curar outra doença. O populismo somente sucumbirá por meio de um lockdown rigoroso, uma vez que a sua sobrevivência depende da incurável polarização fanática. Cada um dos lados tem uma parcela fiel de infectados, negacionistas em seus próprios modos: um lado ainda crê na inocência do seu companheiro, o outro jura que seu messias não é nefasto.

Os populistas adotam estratégias semelhantes aos vírus, provocando medo e ansiedade diante do desconhecido. A globalização acelerou a contaminação do novo coronavírus em um ritmo incomparável com as pandemias do passado. Ela também é combustível para os populistas, que encontram empatia em grupos ressentidos com o Século XXI e que a veem como uma ameaça ao bem-estar.

O novo coronavírus mostrou que, assim como na política, os micróbios ainda são capazes de promover grandes estragos. Todavia, a humanidade secular sempre quis acreditar que uma vida melhor estaria logo ali no dobrar da esquina.

De fato, é possível erradicar doenças, como se fez com a varíola, a difteria e a poliomielite. Do mesmo modo, é possível erradicar o populismo. Tanto um como o outro adotam estratégias de sobrevivência semelhantes, mas se diferenciam no uso que podem fazer a partir do acúmulo de conhecimento: enquanto a ciência tem mecanismos para solucionar problemas e corrigir seus próprios erros, os populistas não.

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Experimentamos uma era de institucionalidade patológica que não se trata mais com remédios democráticos advindos do Parlamento, de onde se deveriam esperar as soluções mais pacificadoras. Os remendos têm surgido, cada vez mais, do Judiciário, com todo o seu déficit de representatividade e sua maior blindagem a freios e contrapesos.

É simplismo achar que a vacinação por meio do voto é o único meio para superar o vírus do populismo e suas variantes. Não se deve preterir a possibilidade de os Poderes entrarem no jogo para neutralizá-lo, como fez o Judiciário em 2018, afinal as sanções são consequência da aplicação das leis, e estas são expressão da vontade popular tanto quanto o voto.

*Marcos Abreu, advogado. Mestre em Constituição e Sociedade (IDP). Proprietário do blog sosbrasil.net

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