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Locadores e a preservação do comércio de São Paulo

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Por Percival Maricato
Atualização:
Percival Maricato. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia, que há um ano obriga o comércio a fechar as portas ou restringir atividades, deixou as empresas, locatárias dos imóveis que ocupam, em extrema fragilidade, isso sem contar as que já quebraram. Não bastasse a hecatombe virótica, eis que em março temos um IGP-M, o índice mais usado para atualização de alugueres comerciais, em 28,94%. Evidentemente, isso não é atualização, mas sim, aumento inaceitável, inviável de ser aplicado. O IPCA, outro índice muito usado, chega a 4,57%, bem mais próximo da realidade. E variação de alta de alugueres no último ano, segundo o SECOVI, é de 1,92%.

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Se tão só a pandemia e seus reflexos já serviu para muitos locadores reduzirem o valor dos alugueres em meados de 2020, por alguns meses, muitos em até 50%, sobram motivos para continuar mantendo esses descontos, em vez de aplicar um aumento de 28,94% ou mesmo de 4,57%.

Os locatários que, por falta de sensibilidade e inteligência do locador, foram ao Judiciário, obtiveram descontos por alguns meses; e podem voltar a fazê-lo. É que nas negociações de desconto, ou as decisões judiciais, em meados de 2020, jamais se imaginava que haveria uma segunda onda do vírus, e com tal violência. Em vários estados as restrições às atividades do comércio estão mais rigorosas do que nunca. Com o recrudescimento da pandemia, justo que as negociações ou se preciso, novas ações judiciais, obriguem a desconto no valor dos alugueres.

De fato, os descontos se deram extra judicialmente por acordo, ou judicialmente por fundamentos jurídicos previstos em lei: acontecimento imprevisível, com impactos extraordinários, que resulta em desequilíbrio contratual, onerosidade excessiva para uma das partes. É, sem dúvida, força maior, que obriga o Judiciário, se for chamado, a reestabelecer o equilíbrio.

A situação inesperada, que fragiliza extremamente uma das partes, fortalece o argumento do locatário, se o locador quiser aplicar o aumento previsto no IGP-M, por si só outro acontecimento inesperado, violento, cuja aplicação foge a qualquer parâmetro de proporcionalidade ou razoabilidade, princípios de dignidade constitucionais. Somando-se à pandemia e o elevado índice do IGP-M, temos motivos mais que suficientes para a intervenção de magistrados, pelo menos os mais receptivos e abertos à necessidade de preservar negócios e, assim, empregos, PIB, serviços, receita tributária, etc.

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A admissão de índices de reajuste em contratos visa neutralizar a inflação e não enriquecimento ilícito, também vedado pela lei. O IGP-M foi influenciado pela variação dos preços agrícolas, do dólar e outros componentes que têm pouco a ver com a inflação. O IPCA também sofreu pressão da alta dos combustíveis, mas isso não chega a ser acontecimento imprevisível, o aumento é elevado, mas não chega a ser desarrazoado, extraordinário, a ponto de justificar intervenção judicial.

Da receita do comércio nas grandes cidades, cerca de 5% do total, descontado o imposto de renda, é transferida para locadores. Como podem estes deixar de se interessar pela sobrevivência das empresas desse setor? Ao final, tão somente sobre esse fato, até o governo e a sociedade devem ter interesse nessa continuidade das locações, vez que é expressivo o valor carreado ao fisco federal, tanto como o do IPTU pago aos municípios.

Por outro lado, a ida do locatário ao Judiciário, muitos já por estarem próximos ao desespero, irá obrigar a despesas com custas, advogados, e pendências que irão durar anos. Para o locador, tentar ação despejo em épocas como esta, obrigará as mesmas despesas, possivelmente mesma duração (não faltam argumentos ao locatário) e resultado incerto. E, repita-se, se vencerem, perdem a galinha de ovos de outro e outra poderá demorar para se apresentar, deixando o locador sem alugueres e pagando IPTU por bom tempo.

Nesse sentido, além do artigo 393, que protege o locatário pela força maior, que é a pandemia e do 866, que veda o enriquecimento sem justa causa,  talvez convenha citar mais dois  artigos do Código Civil, cuja compreensão dispensa a necessidade de se ter advogados. O Art  317 "Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação". E o Art. 478. "Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação."

Como se vê, o locatário também pode tentar rescindir o contrato, sem ter que pagar a multa.

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Justo, pois, esperar que os locadores mantenham-se sensíveis, conscientes, em momento como este, preservando as empresas comerciais, mantendo redução de alugueres, contribuindo para que sobrevivam mais alguns meses. É, também, questão de inteligência, pois manter alugueres como se nada estivesse acontecendo e, mais ainda, querer aplicar o IGP-M, é perder o locatário para a falência, ou pela mudança deste para os muitos pontos comerciais que vão sendo deixados vazios. Ruim, ainda, porque enfraquecer o comércio como um todo é deixar de ter no futuro candidatos a locatários em seus prédios.

*Percival Maricato, sócio do Maricato Advogados

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