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Limites para estabilidade democrática

Por Marlon Ferreira
Atualização:
Marlon Ferreira. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A eleição de Bolsonaro representou para amplos setores da sociedade uma alternativa de contraposição moral à corrupção sistêmica instaurada no Congresso Nacional e seus elos com setores do empresariado brasileiro. Era iminente o desejo de mudança para população, sendo que, a corrupção era vista como um problema de larga escala que precisava ser enfrentada nas urnas, a exemplo das investigações conduzidas pela Justiça Federal de Curitiba, na Operação Lava Jato.

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Solapado pela maré "lavajatista", uma fração dos partidos que fundamentaram o alicerce da nova república passaram a ter de lidar com a profunda desconfiança/rejeição do eleitorado brasileiro, e, por consequência, a expectativa da esquerda conceber uma agenda política eficaz na condução da recessão econômica, desde 2014, esteve profundamente desacreditada perante a opinião pública.

Não à toa, as eleições de 2018 resultaram na maior renovação que o Congresso Nacional já experimentou nas últimas cinco eleições.

Embalado pela "onda conservadora" e pela estratégia de comunicação direta ao eleitor, sob o pretexto da "nova política", partidos até então inexpressivos no cenário político nacional, como o PSL, os partidos NOVO, Patriota, PRP e o PTC passaram a constituir uma bancada poderosa no Congresso. Além do fortalecimento dos partidos de direita, o que chama atenção na renovação é o aumento de parlamentares ligados à área de Segurança Pública, como policiais, delegados, generais, capitães, tenentes, sargentos e cabos, totalizando 28 deputados federais e pelo menos 2 senadores.

Nos trinta anos que se passaram desde a promulgação da Constituição Federal até as eleições de 2018, a democracia brasileira alcançou avanços importantes como a liberdade de imprensa e individual, estabilidade econômica, ampla participação popular nas eleições, avanço na legislação de combate ao crime organizado e à corrupção e maior autonomia à Polícia Federal na condução de operações investigativas. Tais aspectos permitiam dizer que, apesar de dois processos de impeachment em menos de 25 anos, a democracia brasileira parecia caminhar à consolidação.

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Então, o que explica a eleição de um candidato com perfil disruptivo e de desprezo às instituições e valores do regime democrático? Alguns pontos ajudam refletir.

A inépcia do PT em captar o impulso por mudanças vindas das ruas nas "jornadas de junho" de 2013: a onda de insatisfação gerada pelo aumento na tarifa de ônibus, logo ecoou no governo de Dilma Rousseff, que viu sua popularidade despencar. As ruas, historicamente controladas pela esquerda, viu-se tomada por milhares de pessoas que passaram a questionar o legado petista.

A quebra de alianças na coalizão petista à medida que as mobilizações avançaram para o impeachment de 2016: onde a tradição "lulista" de apostar no projeto de poder fundamentado no consumo individual como parâmetro à conquista de votos, naufragou à medida que as demandas da sociedade foram sendo acolhidas por um discurso populista de direita.

A crise de lideranças democráticas e a desconfiança em relação aos partidos envolvidos em casos de corrupção, ao passo que o ambiente político nivelava-se à onda conservadora que se espalhava em diferentes regiões da Europa e da América.

Neste panorama, a novidade é o advento da rede de desinformação que se formou através das Fake News, uma "estratégia" muito utilizada durante o processo eleitoral de 2018. Desinformar é ponto crítico quanto a preservação dos valores democráticos, pois potencializa a precarização do ambiente político com a polarização.

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Neste sentido, quais os riscos de ruptura democrática? Ou quais os limites toleráveis firmados entre as instituições para estabilidade democrática?

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Os riscos são reais e iminentes. A trágica condução em relação à pandemia pode ser vista como uma tentativa de proliferar o caos social como saída à decretação do Estado de defesa, ampliando seus poderes.

A militarização crescente no governo e seu uso político, muitos deles da ativa, reacende a discussão sobre o respeito aos limites constitucionais. Em um governo que exalta a ditadura, defende abertamente a tortura, faz uso da ideológica de combate à esquerda e ataca a imprensa em situações que sente-se pressionado, golpear a democracia é mera questão de possibilidades.

A insubordinação das PMs e suas ações violentas em estados governados por opositores do presidente, onde a crescente politização das tropas causa desiquilíbrio no ambiente democrático, seja pelo excesso de força em operações policiais e manifestações populares, seja pela eventual insubordinação quanto ao questionamento dos resultados da eleição em 2022.

Neste sentido, o bolsonarismo e seu projeto de dominação político-ideológico ultraconservador é expressão de que a democracia não caminha bem, traçar reformas que a protejam, se faz necessário. Os limites à estabilidade democrática prescindem da eterna vigilância de seus cidadãos e do pleno funcionamento de suas instituições, assegurando liberdades, investigando, punindo.

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*Marlon Ferreira é mestre em História Política pela Unesp/Franca e professor na rede pública do Estado de São Paulo

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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