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Lições anticorrupção da Romênia

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Por Daniel Lança
Atualização:
Daniel Lança. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Pouco antes que a Operação Lava-Jato começasse a incomodar políticos e empresários no Brasil, a procuradora Laura Kövesi tomava posse na Romênia como chefe da agência nacional anticorrupção - Direc?ia Na?ional? Anticorupie (DNA). De lá pra cá, muitas semelhanças e algumas distinções denotam como Brasil e Romênia lutaram (e estão perdendo) na saga contra a corrupção. Resumo dois pontos que valem criteriosa reflexão.

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Fundada na Romênia em 2002, a DNA - uma unidade especial cunhada para investigar e processar crimes de corrupção de alta complexidade - chegou ao ápice com a posse de Kövesi, uma ex-jogadora de basquete que se destacou como procuradora-geral junto ao Supremo Tribunal da Romênia. Em poucos meses em 2014, a DNA processou e levou à condenação dezenas de prefeitos (incluindo o da capital Bucareste, Sorin Oprescu), cinco deputados, dois ex-ministros e um ex-primeiro-ministro da Romênia (Adrian Nastase), num rol que colocou atrás das grades mais de mil pessoas, incluindo juízes e promotores, numa cruzada contra a corrupção sem precedentes naquele país.

No mesmo ano, a DNA processou o então primeiro-ministro em exercício, Vitor Ponta - curiosamente um ex-procurador anticorrupção junto à Corte Constitucional da Romênia - que acabou renunciando após ser indiciado por acusações de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e falsificação.

Na história recente na luta contra a corrupção, talvez a maior diferença entre Romênia e Brasil seja que o país europeu conseguiu desenvolver na DNA uma estrutura internacionalmente conhecida como agência anticorrupção (anti-corruption agency), considerada chave para o sucesso descrito acima.

Agências anticorrupção são, por definição, autoridades especializadas em investigar e processar casos de suborno, além de fazer cumprir a lei (enforcement), e devem gozar de real independência, provisão de recursos suficientes e formação adequada para desempenhar suas funções com eficácia e longe de pressões indevidas, como preceitua a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (artigo 36). Tal estrutura já opera com enorme sucesso em países como Hong Kong e Malásia, além da própria Romênia.

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No Brasil, vale dizer, não existe propriamente uma agência anticorrupção. Tais competências estão descentralizadas em diversos órgãos de controle externo, como ministério público, tribunais de contas, polícias e unidades de inteligência financeira. A ausência de um órgão central, sobretudo quando aliado à falta de integração harmoniosa entre as diversas entidades de investigação, pode ser crucial para o insucesso na luta contra a corrupção. É certo que estruturas judiciárias comuns simplesmente não funcionam contra corruptos poderosos.

Apesar de tal distinção entre os dois sistemas - brasileiro e romeno - o resto da história é de todo muito parecida. Ascensão meteórica, apoio popular e contra-ataque do sistema político e empresarial causam espanto por tamanhas similaridades e apontam como é difícil insurgir contra a grande corrupção em qualquer lugar do mundo.

Na Romênia, a DNA recebia imenso apoio popular. Pesquisas locais mostravam que 60% das pessoas disseram confiar na agência, enquanto apenas 11% confiavam no parlamento romeno. Em diversas ocasiões o povo foi à rua demonstrar apoio ao trabalho desenvolvido pela agência e protestar contra incursões do sistema político que visavam desacreditar Laura Kövesi  e a DNA.

Por óbvio, não tardou para que políticos romenos começassem a revidar. Na esfera legislativa, o parlamento tentou promover uma série de alterações nas leis antissuborno, inclusive no código penal, para limitar a investigação de políticos pelos procuradores. O alvo principal, entretanto, era outro: a procuradora-chefe da agência anticorrupção.

Não era raro que alguém apontasse motivações políticas por trás das investidas judiciais, ainda que a agência tenha processado políticos de todos os lados do espectro político. Laura Kövesi chegou a ser intimada como suspeita de prevaricação, suborno e falso testemunho, denunciada por Sebastian Ghi??, um político e empresário que ironicamente fora processado por ela por corrupção. Em 2018, o ministro da Justiça optou por remover Kövesi do cargo sob acusação de que ela manchava a imagem do país no exterior.

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Hoje, Laura Kövesi trabalha no prestigioso cargo de Procuradora-Geral Europeia e lidera investigações de fraudes e crimes financeiros contra o orçamento europeu. Já a Romênia sustenta atualmente a 66º posição no Índice de Percepção da Corrupção, ranking elaborado pela Transparência Internacional, com 45 pontos, à frente de países como o Brasil, porém muito aquém da média daquele continente. O país europeu regrediu na luta contra a corrupção e retornou ao status quo, numa clara conclusão que, para o prognóstico da entropia da corrupção, o único caminho é a unificação de esforços por integridade. Caso contrário, não há nenhuma chance de vencermos esse terrível mal.

*Daniel Lança é articulista e advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e sócio da SG Compliance

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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