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Letalidade policial e provas frágeis ameaçam o direito de defesa no Brasil

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Por Hugo Leonardo , Daniella Meggiolaro e Marina Dias
Atualização:
Hugo Leonardo, Daniella Meggiolaro, Marina Dias. Foto: Divulgação

No último dia 1º, a cidade de São Paulo testemunhou nove mortes de jovens, durante um baile funk em Paraisópolis. Tudo aconteceu em razão de uma intervenção policial e o desfecho absurdo sinaliza a urgência de debatermos com seriedade a falta de controle sobre a atividade destes agentes públicos, além das próprias políticas de segurança.

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No estado que, segundo o Atlas da Violência, seria o menos violento do pais, com pouco mais de 10 assassinatos por 100 mil habitantes, mais uma vez ocorre um caso catastrófico marcado pela seletividade e pelo uso desproporcional da força policial.

O paradoxo aí é que São Paulo, que tem uma taxa de homicídios quase três vezes menor que a de seu vizinho, Rio de Janeiro, provavelmente baterá seus recordes de letalidade policial em 2019. Foram 697 pessoas assassinadas por agentes, com 11 mortes a mais que o mesmo período do ano passado. Bem mais associado à violência urbana no imaginário nacional, o Rio partilha de uma marca que segue a mesma direção: foram 1.546 pessoas mortas pelas polícias, entre janeiro e outubro deste ano. Portanto, nos estados do Sudeste com a maior e a menor taxas de homicídios, a polícia tem sido cada vez mais letal.

Os dados são uma espécie de barômetro do que as periferias brasileiras e seus moradores têm sentido na pele: há uma licença, mesmo que tácita, para que policiais sejam mais violentos ou menos preocupados com desdobramentos do uso desproporcional da força.

Em São Paulo, dependendo de quem você é - sua cor, idade, renda - e de onde vem, o estado menos violento do Brasil é, na melhor das hipóteses, um mito. É o que revelam casos recentes como o de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14, encontrado morto numa represa de Santo André, no ABC Paulista, após ter sido abordado por policiais militares; Melquesedeque Romualdo dos Santos, 16, que teve o corpo atirado em uma vala por um policial, em São Vicente, SP; e Jean Jhonatan da Silva, 25, morto, segundo testemunhas, na porta de casa na Favela da Caixa D'água, zona leste de São Paulo, com cinco tiros disparados por um policial.

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As prisões tampouco significam que os custodiados devam nutrir esperanças de passar por um julgamento justo, no qual o direito de defesa seja respeitado. Nas condenações por tráfico de drogas, por exemplo, é o testemunho dos policiais que serve de prova, mesmo na ausência de outras testemunhas e elementos objetivos. Uma pesquisa conduzida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em 2018, mostrou que em mais de 62% dos casos, o policial é a única testemunha ouvida nos processos.

O que temos, portanto, de ponta a ponta são distorções proporcionadas, de um lado, pela falta de controle da atividade policial e, de outro, pela negação radical do direito de defesa. É o que se depreende facilmente de sentenças apoiadas exclusivamente - e sem embaraço - em provas testemunhais, mesmo quando todo o conjunto de elementos probatórios é frágil e as únicas testemunhas são os mesmos agentes que efetuaram a prisão.

Criado pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o projeto Prova sob Suspeita quer envolver atores do sistema de Justiça, a sociedade e as pessoas mais afetadas pela seletividade penal, num debate amplo sobre a fragilidade das provas no processo criminal e sobre como as investigações têm sido negligenciadas em favor uma cultura punitiva pouco orientada pela racionalidade.

A racionalidade também tem feito falta às políticas de segurança pública. Basta que lembremos a posição do governador de São Paulo imediatamente após Paraisópolis, isentando a polícia de eventual responsabilidade pelas mortes. A posição, mesmo que já tenha sido revista por Dória, mostra um certo flerte com a autorização da barbárie, inaceitável sob o Estado Democrático de Direito, onde segurança pública significa segurança para todos os cidadãos e cidadãs, independentemente de CEP, raça, idade e status social.

*Hugo Leonardo, Daniella Meggiolaro e Marina Dias são, respectivamente, presidente, vice-presidente e diretora executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

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