As penas infligidas pela chamada "Operação Lava Jato" sobre as empresas do País, principalmente as do setor de infraestrutura, têm se estendido pari passu às dos agentes condenados. E isso não é um bom sinal. Corruptos e corruptores devem ser e vêm sendo punidos. Mas as empresas têm um papel social e econômico a cumprir, do qual dependem empregados e suas famílias e setores econômicos inteiros. Por isso os acordos de leniência têm sido tão avidamente buscados. As corporações querem quitar os erros e retomar as atividades, inclusive com adoção de programas de governança corporativa, com o escopo de tentar impedir a repetição dos erros do passado.
Mas o labirinto legal em que a Lei Anticorrupção lançou essas empresas tem inviabilizado a solução. Além do conflito entre órgãos hábeis a celebrar os acordos, a norma não incluiu entre eles o Tribunal de Contas da União nem estipulou critérios suficientemente claros de contrapartidas que possam ser usados de forma homogênea e previsível.
O Ministério Público Federal, em especial o do Paraná, avocou para si essa prerrogativa no início, inclusive com a questionável criação de uma fundação anticorrupção, em parceria com a Petrobrás e o Departamento de Justiça americano, para gerir R$ 2,5 bilhões. Só recentemente a Controladoria-Geral da União deu sinais mais concretos de cumprir essa função. E também o TCU que, mesmo fora da lista da Lei Anticorrupção, além de entender que acordo de leniência é ato administrativo típico e, portanto, está sujeito ao seu controle, tem exigido a sua celebração, sob a ameaça de impedir as empresas de participar de processos licitatórios. AGU, Receita Federal, Cade e Ministério Público, com suas ações de improbidade, completam essa relação. Ao todo, são sete órgãos punindo individualmente, muitas vezes pela mesma infração.
De outra banda, os valores exigidos são outra excrescência. As empresas do grupo Toyo Setal, por exemplo, desembolsaram um total de R$ 15 milhões em acordo de leniência, enquanto a construtora Camargo Correa pagou R$ 800 milhões. Da Andrade Gutierrez requereu-se R$ 1,49 bilhão, ao passo que a Odebrecht só conseguiu sair das cordas com R$ 2,7 bilhões, a serem pagos em 22 prestações anuais corrigidas pela taxa Selic, o que dá um total próximo a R$ 7 bilhões. Um retrato da falta de critérios, levando em conta duas condições básicas para leniências fora do Brasil: capacidade de pagamento ("ability to pay") e melhorias na governança.
O resultado é insegurança para quem espera indefinidamente por uma resposta positiva, pois não sabe se terá atendido seu pleito e qual o valor da conta. E, num futuro não muito distante, prejuízo para a economia, para os consumidores e para o Estado. Isso porque quem já conseguiu fechar acordos retomou operações, voltou ao mercado financeiro e tende, em breve, a formar um "cartel" natural e lícito. Essas têm vantagens competitivas em relação às que ainda esperam pelo acerto: participam de licitações, são preferidas em concorrências privadas e têm crédito mais fácil. Com o tempo, tendem a engolir o mercado. E o Brasil será, então, um país para poucos nesse setor.
No entanto, quem aguarda indefinidamente por um acordo amarga o definhamento. Sem poder ter novos clientes e sem capital de giro, empresas deixaram de cumprir contratos e pagar impostos, e demitiram milhares. Algumas tiveram como única opção pedir recuperação judicial. Outras empresas, mesmo gigantes e mais preparadas para períodos de seca, continuam na expectativa diária de ter seus pedidos analisados, sem previsão de solução.
Que ressarcimento terá a União com a falência das empresas? Não podem elas admitir seus erros e pagar por eles? É necessária uma mudança de postura dos gestores do processo, possibilitando a formalização de acordos como forma harmoniosa de resolução dos conflitos e prevenção de condutas futuras. A infraestrutura brasileira está travada há pelo menos cinco anos. Agora é o momento da retomada. Mas ter poucas companhias com capacidade de assumir um papel importante atrasa esse processo e beneficia poucos.
*Luciano Santoro, Doutor e Mestre em Direito Penal PUC/SP, advogado e professor universitário