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Leilão do 5G: desafios para implementação da infraestrutura

Conclusão da análise prévia do edital pelo TCU é apenas a primeira etapa

Por Arthur Lardosa e Edoarda Victer
Atualização:

Arthur Lardosa e Edoarda Victer. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em abril deste ano, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) aprovou edital pelo qual pretende realizar o leilão das frequências para implementação da tecnologia 5G no Brasil, que ofertará capacidade adicional de radiofrequência dedicada à transmissão de dados móveis. De fato, a nova geração da tecnologia significa aumento de vinte vezes na velocidade de transmissão de dados na rede, redução superior a trinta vezes de intervalo de latência, economia de energia consumida, incremento de cem vezes no número de conexões de dispositivos em uma determinada área e a ampliação da banda larga. De forma geral, segundo a Agência, o aumento do tráfego de dados permitirá aplicações comerciais com a capacidade de revolucionar a forma como diversos serviços são prestados atualmente.

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O edital submetido pela ANATEL ao Tribunal de Contas da União (TCU) representa um passo relevante para viabilizar a efetiva implementação da nova tecnologia em solo nacional. A proposta apresentada à Corte de Contas para avaliação prévia - em observância ao fluxo de aprovação de projetos qualificados no âmbito do Programa de Parceira de Investimentos (PPI) - estabelece a conversão das verbas arrecadadas em investimentos para implementação da rede, demandando dos vencedores do leilão a expansão da infraestrutura de banda larga fixa e acesso aos serviços móveis em rodovias e municípios que possuem estrutura deficiente, ou nenhuma, de acesso a tais serviços.

Analistas já consideram que a fase inicial de implantação do 5G representará um dos maiores desafios setoriais a serem superados. Isso porque as dimensões do território nacional tornam naturalmente mais árdua a instalação de infraestrutura suficiente para a oferta adequada e universal do serviço. Segundo estimativas da própria ANATEL, serão necessários mais de R$ 40 bilhões em investimento ao longo de 20 anos.

Outro fator é que, muito embora a Lei Geral de Antenas estabeleça que os entes federativos subnacionais não podem obstar o cumprimento de prazos e condições firmadas entre a União e prestadores de serviços de telecomunicação de interesse coletivo, será necessário observar, em cada localidade, as normas de construção civil e políticas relacionadas à instalação de antenas, conforme previsto pela Lei Geral de Telecomunicações.

Pelo fato de estar atrelada a altas frequências, a tecnologia 5G exige a instalação de, ao menos, cinco vezes mais antenas que o 4G para que possa garantir mobilidade e ampla cobertura aos usuários, demandando articulação entre todos os agentes envolvidos. Isso porque, de um lado, está a competência constitucional privativa da União para legislar sobre telecomunicações. De outro lado, temos a competência constitucional atribuída aos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e sobre o planejamento e controle da ocupação do solo urbano, historicamente exercida pela edição desconcertada e burocrática de procedimentos de licenciamento para implantação de antenas. A necessidade de coordenação, também deriva da competência concorrente constitucionalmente atribuída à União e aos Estados para legislar sobre assuntos de direito urbanístico.

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Com intuito de contribuir para a construção de referenciais normativos mais homogêneos, na esteira da legislação federal (Lei Geral de Antenas), estados disciplinaram, com natureza meramente indicativa, parâmetros a serem utilizados por seus municípios na elaboração das respectivas normas locais de regência. Exemplo disso é a Lei Estadual nº 9.151/2020 do Rio de Janeiro, publicada no final de 2020, que dispõe sobre o Programa de Estímulo à implantação das tecnologias de conectividade móvel e abrange diversas estruturas de suporte. Ainda que tenha sido adotada com um viés de cooperação e incentivo, a iniciativa deve ser vista de maneira positiva, pois traz celeridade ao processo de transição e favorece a uniformização e a homogeneização das regras aplicáveis. Na mesma linha, outros estados possuem projetos de lei similares ao fluminense ainda em fase de tramitação em suas assembleias legislativas, tais como Minas Gerais (PL nº 2.538/2021, apreciado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça, que emitiu parecer favorável) e Mato Grosso (PL nº 994/2020, que ainda aguarda apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação).

A nível federal, tanto a Lei Geral de Antenas quanto o seu diploma regulamentador, o Decreto n.º 10.480/2020, tem sido considerados marcos normativos de elevada importância para orientar a introdução da tecnologia 5G no Brasil. O regime de compartilhamento de infraestrutura neles estabelecido colabora para a implantação das instalações indispensáveis ao desenvolvimento do setor de telecomunicações para regiões desassistidas - possuindo, inclusive, o reconhecimento de sua relevância e constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, verificado quando do julgamento da ADI n.º 6.482.

O leilão também tem sido encarado pelo mercado como uma grande oportunidade para a consolidação das redes neutras, já que a proposta anunciada pela ANATEL permitiria que a empresa vencedora de uma determinada frequência venda a capacidade instalada da infraestrutura para outros agentes que efetivamente atenderão aos consumidores finais. A possibilidade de que as metas de cobertura sejam consideradas atendidas por intermédio da prestação de serviço de terceiros abre portas para o desenvolvimento desta nova forma de manejar a infraestrutura de telecomunicações. A regulamentação das redes de fibra óptica neutras, inclusive, estão no radar da ANATEL e contempladas pela Agenda Regulatória da Agência para o biênio 2021-2022.

Nesse contexto, a apreciação do edital pelos Ministros do TCU tem sido acompanhada de perto pelo Governo Federal - em especial pelo Ministério das Comunicações -, pela ANATEL, pelo Congresso Nacional e pelos atores setoriais interessados, pois, desde a sua elaboração, e sobretudo após a emissão do parecer assinado pelo corpo técnico do TCU, alguns pontos sensíveis foram questionados. Dentre eles, destaca-se a inexistência de metas de conectividade de escolas públicas; a instalação de rede de fibra óptica na região amazônica, o denominado Programa Amazônia Integrada e Sustentável (Pais); a construção de uma rede privativa de comunicação para o governo; e a precificação inadequada da faixa de frequência de 3,5GHz.

No entanto, a sessão do plenário do TCU, ocorrida na semana passada, foi encerrada sem que houvesse a apreciação definitiva do edital e o desfecho da matéria. Adotando uma postura de autocontenção, o relator, Ministro Raimundo Carreiro, afirmou que as irregularidades apontadas na análise dos auditores do Tribunal possuiriam margem para interpretação diversa, deixando a cargo do administrador público a tomada de decisão quanto à modelagem do edital. O relator, contudo, fez a ressalva de que o edital deveria contemplar a obrigatoriedade de investimento em conectividade de escolas públicas.

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Após concluído o voto do relator, o Ministro Aroldo Cedraz pediu vista dos autos para analisar com maior profundidade o que ele chamou de "irregularidades graves" apontadas pelo relatório dos auditores do TCU. Na sequência, os demais Ministros anteciparam seus votos, acompanhando o relator. Mesmo assim, Cedraz manteve o seu pedido de vista com o compromisso de trazer novamente a plenário o caso no prazo de uma semana.

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Muito embora a maioria já esteja formada para a aprovação do edital, ainda há a possibilidade de os Ministros revisitarem seus votos e, eventualmente, ajustarem seus entendimentos à luz de novas constatações e argumentos. Ainda que seja pouco provável a alteração de rumo, a atenção do Governo Federal e investidores interessados no setor de telecomunicações permanece voltada para o TCU até que o edital seja alterado pela ANATEL para atender a todas as exigências impostas pela Corte e, então, possa ser publicado.

Fato é que, mesmo após a apreciação pelo TCU e a publicação do edital, a construção da infraestrutura necessária e a consolidação da oferta de 5G com abrangência nacional ainda dependerá da coordenação de diversos atores institucionais e da superação de sensíveis controvérsias jurídico-regulatórias. Até lá, o 5G permanece sem sinal.

*Arthur Lardosa e Edoarda Victer são sócios do escritório Souto Correa Advogados

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