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Leia a íntegra da entrevista com Sérgio Moro

Ministro da Justiça e Segurança Pública vê viés político-partidário na divulgação das mensagens tiradas de aplicativo do coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, fala em "sensacionalismo" e afirma que réus e investigados da Lava Jato teriam interesse na trama

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo e Ricardo Brandt
Atualização:

Sérgio Moro. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou em entrevista ao Estadão que não vai se afastar do cargo. Alvo de ataque cibernético e de vazamento de diálogos a ele atribuídos no Telegram, com procuradores da Lava Jato, Moro disse que o País está diante de "um crime em andamento", promovido, segundo sua avaliação, por uma organização criminosa profissional e cravou que não há riscos de anulação do processo do triplex do Guarujá, que levou Lula para a prisão.

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O ex-juiz da Lava Jato vê viés político-partidário na divulgação das mensagens tiradas de aplicativo do coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, fala em "sensacionalismo" e afirma que réus e investigados da Lava Jato teriam interesse na trama. O ministro não reconhece a autenticidade das mensagens e detalhou como ele foi clonado.

Na primeira entrevista após ter virado alvo dos hackers, Moro desafiou a divulgação completa do material, disse não ver ilicitude nos diálogos e que conversava "normalmente" também com advogados e delegados, inclusive por aplicativos. Em quase uma hora de conversa em seu gabinete de ministro, disse não ver riscos para o governo Bolsonaro nem para o pacote anticrime, que defende no Congresso.

Estadão: O senhor está preocupado, está dormindo em paz?

Sérgio Moro: Fui vítima de um ataque criminoso de hackers. Clonaram meu telefone, tentaram obter dados do meu aparelho celular, de aplicativos. Até onde tenho conhecimento, não foram obtidos dados. Mas os procuradores foram vítimas de hackers e agora está havendo essa divulgação indevida.

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Eu estou absolutamente tranquilo em relação à natureza das minhas comunicações. No fundo, esse processo da Lava Jato é um processo muito complicado. É uma dinâmica dentro da 13ª Vara Federal (em Curitiba), o dia inteiro proferindo decisão urgente. E a gente recebia procurador, advogado, a gente falava com advogado, a gente falava com todo mundo. E eventualmente utilizava aplicativos de mensagem para tratar isso de maneira dinâmica maior. Mas, quanto à natureza das minhas comunicações, estou absolutamente tranquilo.

Estadão: O sr. era o juiz exclusivo dos processo penais da Lava Jato, era o corregedor da Lava Jato?

Moro: Exatamente, às vezes as pessoas tinham como referência a 13ª Vara e o juiz, no meu caso, e levavam todo tipo de informação, todo tipo de demanda. Então, as pessoas ouviam histórias verdadeiras, plausíveis e, às vezes, histórias fantasiosas. E, muitas vezes, em vez de levar ao Ministério Público, levavam a mim. O que a gente fazia? A gente não pode investigar, então a gente mandava ao Ministério Público. Mandava normalmente pelos meios formais, mas, às vezes, também existia uma situação da dinâmica ali do dia, naquela correria toda e enviava também por mensagem.

Estadão: O sr. recebia demandas de advogado? Vão achar mensagens com defensores?

Moro: Sim, recebia. Vamos dizer, procuradores, advogados, o tempo todo. Então é normal trocar informação, claro, dentro da licitude. Mas, assim, o que tem que se entender, é que esses aplicativos de mensagens, eles apenas aceleram a comunicação. Isso do juiz receber procuradores, juiz receber delegados, conversar com delegado, juiz receber advogados, receber demanda de advogados, acontece o tempo todo. Às vezes chegava lá o Ministério Público: "ah, vou pedir a prisão preventiva do fulano X". Às vezes, o juiz tem uma análise lá e fala "ó, precisa de prova robusta para pedir a prisão preventiva". Assim como o advogado chega lá e diz "vou pedir a revogação da prisão preventiva do meu cliente". Às vezes o juiz fala "olha, o seu cliente está em uma situação difícil para demonstrar, por exemplo, a correção do comportamento do cliente, afastar essa suspeita". Então, essa interlocução é muito comum. Sei, é verdade, que tem outros países que têm práticas mais restritas, mas a tradição jurídica brasileira não impede o contato pessoal e essas conversas entre os juízes, advogados, delegados e procuradores.

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Estadão: Os próprios advogados usam a expressão embargos auriculares quando vão conversar com o magistrado..

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Moro: Tem essa expressão. Mas é muito comum. Na dimensão da Lava Jato, com todas as diligências que eram ordenadas, buscas e apreensões, às vezes surgiam incidentes no meio dessas buscas, às vezes surgiam lá a necessidade de coisas muita urgente, era muito comum você ser contatado, seja verbalmente, seja por aplicativos, mas com demandas lícitas. A questão do aplicativo é apenas um meio, um aparelho.

Estadão: Não contamina a Operação Lava Jato?

Moro: Não, de forma nenhuma. Depois de todas as decisões, todos os requerimentos, tudo era formalizado, colocado nos autos. Agora, existia às vezes situações de urgência, eventualmente você também está ali e faz um comentário de alguma coisa que não tem nada a ver com o processo. Isso não tem nenhum comprometimento, vamos dizer assim, das provas, das acusações, do papel separado entre o juiz, o procurador e o advogado. Não existe também nenhuma espécie, vamos dizer assim... Até ouvi uma expressão lá de que eu era 'chefe da Lava Jato', isso é uma falsidade.

Estadão: Não houve conluio?

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Moro: Não tem nada, nunca houve esse tipo de conluio. Tanto assim, que muitas diligências requeridas pelos Ministério Público foram indeferidas, várias prisões preventivas... O pessoal tem aquela impressão de que o juiz Moro era muito rigoroso, mas muitas prisões preventivas foram indeferidas, várias absolvições foram proferidas. Não existe nenhum conluio. Agora, a dinâmica de um caso dessa dimensão leva a esse debate mais dinâmico, que às vezes pode envolver essa troca de conversas pessoais por aplicativos, mais rapidamente. Mas é só uma forma de acelerar o que vai ser decidido no processo.

Estadão: O processo triplex está sob risco?

Moro: Olha, se tiver uma análise cautelosa, se nós tirarmos o sensacionalismo que algumas pessoas interessadas estão fazendo, não existe nenhum problema ali. Foi um caso decidido com absoluta imparcialidade com base nas provas, sem qualquer espécie de direcionamento, aconselhamento ou coisa que o valha. Por exemplo, um dos episódios que falam que seria a mensagem minha mais delicada que apareceu. Eu fico numa situação delicada porque eu não posso reconhecer a autenticidade dessas mensagens, porque é assim, em vez deles apresentarem tudo, e que a gente possa verificar a integridade desse material, eles estão com essa ideia de apresentar paulatinamente. E eu não excluo a possibilidade de serem inseridos trechos modificados, porque eles não se dignaram sequer a apresentar o material a autoridades independentes para verificação. Mas assim a mensagem que ele diz que é mais delicada em relação a mim, o que é? É uma notícia-crime, alguém informa que tem informações relevantes sobre crimes, e eu repasso para o Ministério Público. Isso está previsto expressamente no Código de Processo Penal, artigo 40, e também no artigo 7 da Lei de Ação Civil Pública diz também "quando o juiz tiver conhecimento de fatos que podem constituir crime ou improbidade administrativa ele comunica o Ministério Público". Basicamente é isso, eu recebi e repassei. Porque eu não posso fazer essa investigação.

Estadão: Em algum momento chegou informação de interesse da defesa ao senhor e que foi encaminhada à defesa?

Moro: Chegavam muitas informações, aquilo lá tinha virado uma caixa de ressonância pela publicidade das informações. Tudo que chegava que era relevante, ou a gente encaminhava para a polícia ou para o Ministério Público, seja lá se a informação eventualmente beneficiava a defesa ou a acusação. O que importa ali é o descobrimento da verdade.

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Estadão: O que chegou o sr passou para frente? Houve seletividade?

Moro: Não, não. Sendo muito franco, essas notícias-crime chegavam eu dizer dia sim, dia não, mas seria mentira. Chegava toda hora, no mesmo dia. O que tem que fazer o juiz? Ele tem que transmitir isso para a frente.

Estadão: O que foi divulgado até agora o sr reconhece como fala sua ou nem isso pode reconhecer? A frase que o sr teria dito 'In Fux we trust', por exemplo?

Moro: Tem duas dificuldades, essas invasões criminosas dos dispositivos do procuradores e a tentativa de invasão do meu, eles até onde sei não conseguiram pegar o conteúdo do meu Telegram. Poderiam ter pego, não tem problema nenhum quanto a isso. Mas não conseguiram, porque não estou no Telegram. Não tenho essas mensagens. Veja, são fatos que aconteceram dois três anos atrás. Não tenho memória de tudo. Vejo algumas coisas que podem ter sido coisas que eu tenha dito. Agora podem ter inserções maliciosas. Então fica muito complicado. Até porque, como eu disse, se os fatos são tão graves como eles dizem que são, até agora particularmente não vislumbrei essa gravidade, mas se esses fatos são tão graves como eles dizem que são, o que eles deveria fazer: pegar o material que receberam na forma original, não sei se é papel ou se é meio eletrônica, e apresentar para uma autoridade independente. Se não querem apresentar à Polícia Federal, tudo bem. Apresenta no Supremo Tribunal Federal. Aí vai se poder verificar a integridade daquele material, exatamente o que eles têm, para que se possa debater esse conteúdo. Agora, do contrário, eu fico impossibilitado de poder fazer afirmações porque eu não tenho o material e por outro lado eu reconheço a autenticidade de uma coisa e amanhã aparece outra adulterada.

Não posso dizer que teve adulteração, porque precisa ter acesso ao material original. Alguns diálogos, algumas mensagens lá me causam bastante estranheza. Não sei, por exemplo, como é que atribuíram aquelas mensagens a Moro, de onde que veio isso, esse Moro, da onde que veio o Deltan. Eu vejo nas mensagens lá que às vezes está Deltan e às vezes está Dallagnol. Então, como é que foi isso? Aquele material não é o material original? Será que não teve outra coisas que foram editadas ali dentro?

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Estadão: A investigação vai chegar aos hackers?

Moro: Espero que sim. Existem várias possibilidades, de ter sido um hacker isolado. Eu particularmente acho que não isso não foi tarefa de um adolescente com espinhas na frente do computador, mas de um grupo criminoso organizado e a polícia está empenhada em verificar esses fatos. Veja, não é só a questão minha, ou dos procuradores, muita gente sofreu a mesma tentativa de invasão criminosa, ou teve os aparelhos invadidos de maneira criminosa, inclusive jornalistas, inclusive já temos noticias de possíveis parlamentares terem sido vitimas dessa prática.

Não é só uma invasão pretérita que um veículo de internet resolveu publicar o conteúdo. Nós estamos falando aqui de um crime em andamento. De pessoas que não pararam de invadir aparelhos de autoridades ou mesmo de pessoas comuns e agora têm uma forma de colocar isso a público, podem enviar o que interessa e o que não interessa. E também esse veículo também não tem nenhuma transparência com relação a esse conteúdo. Então vai continuar trabalhando com esses hackers que continuam a invadir os aparelhos de pessoas comuns?

Estadão: O alvo é a Lava Jato ou o governo Bolsonaro e as reformas?

Moro: Acho que o alvo são as instituições. Se vamos tolerar esse tipo de comportamento, hackers criminosos que conseguem abrigo em veículos não sei se da imprensa, se a gente pode falar dessa forma, para divulgar isso. Então quer dizer se amanhã invadirem os telefones de jornais, de empresas, dos ministros do Supremo, de presidente do Senado, de presidente da Câmara, vão aceitar então que isso seja divulgado por esse mesmo veículo? Me parece, veja bem, essa Operação Lava Jato foi muito difícil, foi um trabalho hercúleo, pode ter nisso as críticas pontuais, mas houve uma mudança de padrão do tratamento do Brasil da impunidade da grande corrupção. Então pessoas que eram normalmente impunes, mesmo tendo cometido crimes de corrupção graves, passaram e ser punidos. Isso gerou muitos inimigos. Tem muita gente que é contrária à operação e quer fazer tudo para acabar com a operação. E conseguiram, aparentemente, gerar todo um sensacionalismo com base em ataques criminosos de hackers. Mas eu acho que, olhando mais a fundo, os alvos são as instituições.

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Estadão: Mais do que a Lava Jato?

Moro: Mais do que a Lava Jato. A gente não sabe onde isso vai parar. Ontem, me parece que houve uma tentativa de intimidação do Supremo Tribunal Federal com a divulgação daquelas mensagens envolvendo um ministro (Fux).

Estadão: Identificado os invasores, caberia, em tese, Lei de Segurança Nacional?

Moro: Olha, eu não posso fazer essa afirmação, porque o que fizemos desde o início foi dar autonomia à Polícia Federal para realizar o seu trabalho. Eles estão investigando, descortinando todos os fatos, as motivações dessas pessoas. Aí vai ser possível analisar qual o tipo de enquadramento jurídico dessas condutas. Me parece um crime de absoluta gravidade.

Estadão: O escândalo abala a imagem da Lava Jato e também os processos. O objetivo serve a algum investigado da Lava Jato? Vê riscos de anulação dos processos sob alegação de parcialidade?

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Moro: Acho que há muito sensacionalismo em cima desses elementos e falta uma análise mais cautelosa. Se nós formos analisar mesmo o que saiu não vi nada demais naquelas situações. Embora, como disse, não tenho condições de reconhecer a autenticidade daquilo. E não se sabe que tipo de adulteração pode vir aí em relação a isso. Esse sensacionalismo, mais do que o próprio conteúdo, é o que pode afetar a credibilidade das operações que foram realizadas. Mas aquilo foi todo um trabalho sério, difícil, não foi feito sem um custo pessoal, eu não digo só meu, mas de todos aqueles que estiveram envolvidos. E não foi feito também sem o custo da própria sociedade. A sociedade foi às ruas, apoio a pauta anticorrupção, como continua apoiando. Então assim, qual é o objetivo dessas pessoas, desses hackers criminosos? Eu sinceramente tenho minhas dúvidas.

Estadão: Passou pela cabeça do sr se afastar do cargo?

Moro: Não, eu me afastaria se houvesse uma situação que levasse a conclusão de que tenha havido um comportamento impróprio da minha parte. Acho que é o contrário. Agora estou em uma outra situação, estou como ministro da Justiça, não mais como juiz, mas tudo o que eu fiz naquele período foi resultado de um trabalho difícil. E nós sempre agimos ali conforme a lei, estritamente conforme a lei. Qualquer situação, despido o sensacionalismo, está dentro da legalidade. Conversar com procuradores, conversar com advogados, isso é absolutamente normal.

Estadão: O presidente Bolsonaro o apoiou?

Moro: Sim, desde o início. Desde o início o presidente me apoiou. Agora, esse foi um trabalho realizado enquanto eu não era ministro. Então não é responsabilidade do atual governo. O presidente reconhece e já deu demonstrações públicas nesse sentido de que não se vislumbra uma anormalidade que se coloque em xeque a minha honestidade.

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Estadão: O sr se sentiu isolado?

Moro: Não, nós temos recebido muita manifestações de apoio, seja de populares, pessoas comuns, de autoridades. Agora, existe um sensacionalismo que tenta manipular a opinião pública. Pessoas que se servem de meios criminosos para obter essas informações e nos atacar e outras pessoas que não veem um problema ético em utilizar esse tipo de informação e fazer sensacionalismo em cima. Por que não apresenta desde logo tudo? Se tem irregularidade mesmo, tão graves, apresenta tudo para uma autoridade independente que vai verificar a integridade do material. Aí sim, se a ideia é contribuir para fazer Justiça, então vamos agir dessa forma, da forma correta. E não com esses mecanismos espúrios.

Estadão: Em um diálogo que lhe é atribuído, o sr. fala em limpar o Congresso. Isso prejudica o pacote anticrime? O sr reconhece essa fala como sua?

Moro: Não, não reconheço a autenticidade desse tipo de afirmação. Vamos dizer assim, em uma conversa coloquial, pode ser até algo que se diga 'olha, tem um problema, vamos dizer que estamos assim falando de um Congresso que na época tinha o Eduardo Cunha como presidente (da Câmara), uma pessoa que comprovadamente cometeu crimes, tinha contas milionárias na Suíça, então era uma situação bastante diferente. Mas eu não tenho como recordar se há dois, três anos atrás eu tenha efetuado uma afirmação dessa espécie.

Estadão: O que o sr. vai dizer no Senado na próxima semana?

Moro: Olha eu me coloquei à disposição para esclarecer, eu não tenho nenhum receio do conteúdo de mensagens que eu tenha eventualmente enviado ou recebido durante toda a minha carreira profissional. Sempre me pautei pela legalidade e estou me colocando à disposição para esclarecer no que eu posso. Em relação ao passado, se eu afirmei aquilo mesmo, não posso dizer que fiz isso, existia um outro contexto. Um contexto muito claro, o próprio Congresso Nacional cassou o mandato do ex-presidente Eduardo Cunha. Então é um contexto diferente.

Estadão: O sr nega e atribui tudo a um cunho sensacionalista, mas as reações são diretas em questionar a legalidade de uma suposta interferência em favor da acusação, como o caso em que o ser teria reclamado da forma de interrogar de uma procuradora e questionado sobre o ritmo das operações. É normal isso?

Moro: Acho que tem um certo desconhecimento de como funciona na prática a Justiça. A tradição jurídica brasileira permite essas conversas entre juízes e advogados e procuradores, inclusive policiais. Na dinâmica de uma vara criminal, a necessidade de fazer diligências, então é muito comum o policial apresentar um pedido de busca de apreensão e o juiz dizer "olha, isso aqui é insuficiente". Um pedido de prisão preventiva? "Isso aqui não dá, tem que apresentar mais elementos probatórios". Isso é uma conversa absolutamente normal. A questão das operações, foram muitas operações no âmbito da Lava Jato e exista toda uma questão de logística. Então, uma vez apreciado, uma vez deferida uma diligência, 50 buscas e apreensões e 50 prisões de pessoas, existem questões de logísticas que vão ser discutidas com a polícia e com o Ministério Público. Até porque quem vai receber esse material depois da busca, é a Justiça. Então precisamos definir exatamente olha" isso tem que ser planejado, saber exatamente quando vai acontecer, em que momento vai acontecer e tem que ter um planejamento. Isso é absolutamente normal. Em relação a atuação profissional de X ou de Y, eu também não posso reconhecer a autenticidade desse dialogo. Se tivesse acontecido também, e daí?

Estadão: Com esses episódios o sr pretende incluir no pacote anticrime um capítulo específico a hackers?

Moro: Acho que há uma necessidade, mas não vou colocar no pacote anticrime agora, não quero misturar essas coisas. Mas há uma necessidade de rever a legislação brasileira, falava sobre isso até ontem (quarta-feira, 12) com o deputado Celso Russomano, que a legislação brasileira é muito branda e essa também é a opinião dele, em relação a essa invasões clandestinas de aparelhos eletrônicos. Hoje as pessoas se comunicam muito através desses meios eletrônicos. Temos que proteger essas comunicações contra essas intromissões criminosas, como foi esse caso. É diferente, evidentemente, de obter uma autorização judicial para acessar esse conteúdo, que isso serve para uma investigação, mas em relação a intromissões criminosas, temos que proteger todas as pessoas, não apenas as autoridades. Porque o que se faz, muitas vezes, é roubar dados de cartão de crédito, roubar informações privada, muitas vezes para vazar na imprensa. E nesse caso existe una particularidade que é um verdadeiro ataque às instituições.

Estadão: Há indício de que a base dos ataques seja fora do País, uma participação internacional de hackers?

Moro: Quem especulava de que tudo era uma armação da CIA era o Partido dos Trabalhadores em relação à Operação Lava Jato. Não acho que esse tipo de especulação da minha parte seria apropriado. Todas as opções estão na mesa, a investigação é da Polícia Federal e eu acompanho apenas à distância.

Estadão: O sr mudou sua rotina em relação à segurança de suas comunicações. Adotou práticas mais cauteloso nas reuniões, por exemplo, celular fica na caixa de chumbo? Mudou o seu dia a dia?

Moro: Esse tipo de prática gera um ambiente de desconfiança, então não é só a questão mesmo só da privacidade, mas gera um ambiente de desconfiança e gera custos adicionais. Então é muito comum em reunião hoje, em qualquer lugar, em empresa, no ambiente da polícia ou mesmo no governo, no Congresso, essa questão de deixar celular e tal. Porque as pessoas temem, nem vou dizer que temem serem gravadas, porque as pessoas se comunicam normalmente licitamente, mas temem muitas vezes manipulação. Então pega lá uma mensagem e constroi ela de uma maneira sensacionalista, ou adultera trechos, tira do contexto. Então, esse ambiente de desconfiança é extremamente ruim. Eu sempre fui muito cauteloso. Não creio, em particular, que o conteúdo do meu parelho tenha sido invadido, embora tenha havido uma tentativa comprovada de faze-la. Isso está documentado e está com a Polícia Federal está investigando.

Estadão: O sr. fazia dupla verificação o seu Telegram?

Moro: Eu não estava no Telegram.

Estadão: Mas quando usava?

Moro: Não.

Estadão: O sr mandava áudios pelo Telegram?

Moro: Não, não, de forma alguma. Veja, isso são coisas de dois três anos atrás. Ao que me consta, não tem nenhum áudio meu, porque não tenho esse costume. Eu até brinco que eu acho um costume um pouco irritante, áudio por aplicativo de mensagem. Quer falar? Então liga. Mas assim, não sei, dois, três atrás, não sei. Tenho dificuldade para saber mensagens que mandei na semana passada para amigos ou mesmo de trabalho, quanto mais há dois, três anos atrás.

Estadão: O sr teme contaminação ao pacote anticrime enviado ao Congresso?

Moro: Acho que são coisas diferentes. Tenho conversado muito com os parlamentares da necessidade desse pacote. Tem pontos importantes. Acho que estamos tendo um bom apoio parlamentar, inclusive do presidente da Casa, o Rodrigo Maia, mas como desde o início do ano foi colocado tem um foco principal do governo que é a nova Previdência. E há algum receio, ao meu ver, que não é fundado, que uma discussão do pacote pudesse afetar de alguma maneira a questão da Previdência. Então, nós estamos respeitando a prioridade da Previdência. Estamos sendo pacientes. Mas acredito que ele vai ser votado. Espero que seja aprovado. Hoje, não é só um projeto meu, houve uma unificação do projeto feito aqui no Ministério da Justiça juntamente com uma comissão de juristas do ministro Alexandre de Morais (do Supremo). Acho que os parlamentares vão reconhecer o valor intrinsico das medidas ali propostas, independentemente de questões outras.

Estadão: Esse escândalo, ou sensacionalismo, como o sr define, pode derrubar a prisão em segunda instância no Supremo e voltar a discussão sobre a Lei de Abuso de Autoridade no Congresso?

Moro: São questões independentes. Não acredito que o Supremo vai fazer qualquer alteração em relação à prisão em segunda instância decorrente desse fato. Quanto ao Congresso, também me parece que não. Importante é que todos esses assuntos sejam discutidos a fundo e evitar que questões paralelas possam comprometer a qualidade dos debates parlamentares.

Estadão: O diálogo sobre o grampo que pegou Lula e Dilma à véspera da nomeação do ex-presidente como ministro, o sr também não reconhece como seu?

Moro: Veja, isso foi dito na época dos fatos, lá em 2016. Retomando, houve uma posição da polícia requerendo o levantamento do sigilo, houve uma posição do Ministério Público requerendo o levantamento do sigilo. E houve uma decisão que eu tomei de levantar o sigilo. O que houve foi basicamente isso. Se isso foi tratado em mensagens, ali, teria sido tratado dessa forma. "Olha, estou requerendo lá o levantamento do sigilo". "Estou deferindo o levantamento do sigilo". Porque havia uma dinâmica, era um fato importante, quanto a levantamento ou não desse sigilo. Mas não teve nenhum comprometimento ali de imparcialidade no processo. A posição é a que está no processo. É exatamente o que foi feito. Não vejo ali o motivo da celeuma.

Estadão: O sr não estava orientando o procurador?

Moro: O que eu posso em algum momento ter falado, ao transmitir uma mensagem ao procurador ou qualquer outra pessoa, "olha, levantei o sigilo, acho que fiz o certo". Agora, realmente causou um certo impacto que eu não imaginava, achei que era uma decisão absolutamente acertada e comum (o levantamento do sigilo). Não sei porque tanta celeuma.

Estadão: O PT acusa o sr. de ter feito parte de uma trama para que tirar Lula do cenário político e de ter influenciado no resultado da eleição em 2018?

Moro: Me parece muito claro que existe um viés político-partidário na divulgação dessas mensagens, e não utilização dela. Uma passa pela soltura de um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, que é o ex-presidente Lula, é uma pena. Ele foi condenado em mais de uma instância e por mais de um juiz de primeira instância. Sempre disse com muita clareza que para mim é muito triste ter proferido essa decisão. Isso me trouxe um grande peso, pessoal. Constantemente sou atacado por ter apenas cumprido o meu dever e acho triste a figura de um ex-presidente preso. Era o que a lei determinava e era o que as provas ali revelavam (no caso triplex) envolvimento dele no crime. Não vejo como uma questão tem a ver com a outra. Até porque, ainda que esses diálogos sejam autênticos, o que a gente teria que esperar a apresentação do material, não vejo ali nenhum manipulação de prova. Nenhum viés político nas mensagens que me foram atribuídas. O que seria importante saber é como atribuem aquelas mensagens ao meu nome. Por outro lado algumas situações de estranheza. Uma mensagem registra "caros", depois me cita, como seu eu fosse uma terceira pessoa e depois eu apareço respondendo. O que foi isso? Por isso que eu digo, essas pessoas, se realmente querem quer a verdade e a justiça seja feita, que apresente o material para uma autoridade independente verificar a integridade. Se quiserem publicar tudo antes, publiquem, não tem problema nenhum.

Estadão: O sr não teme novas publicações?

Moro: Não, pode ser que tenham novas publicações. Mas assim, eu sempre pautei o meu trabalho pela legalidade. Os meus diálogos e as minhas conversas com os procuradores, com advogados, com policiais sempre caminharam no âmbito da licitude. Não tem nada ali, fora sensacionalismo barato.

Estadão: A investigação busca identificar quem são os hackers e quem são os mandantes. A apuração pode caminhar para um caso de obstrução de Justiça, se houver ligação com alvos da Lava Jato?

Moro: É uma das possibilidades que pessoas investigadas ou condenadas estejam por trás desses ataques. Em investigação criminal uma das perguntas normalmente comuns a ser realizada para identificar o autor é quem se beneficia. Evidentemente essa é uma possibilidade. Mas assim, não é possível apontar o dedo no presidente momento. A Polícia Federal está realizando a investigação com a autonomia necessária.

Estadão: Como o sr acompanha a investigação?

Moro: A única coisa que eu solicitou ao diretor-geral da Polícia Federal (delegado Mauricio Leite Valeixo) foi que fosse apurado com urgência. Porque veja, além de tudo é um crime em andamento.

Estadão: Não se sabe a dimensão?

Moro: Não se sabe a dimensão, a gente tem notícia que querem revelar conteúdo de muta gente. Não sei se tem algo concreto, ou só especulação, mas o pior é que a gente houve a todo momento pessoas dizendo que foram hackeadas através do mesmo método, do mesmo procedimento. O que sugere um mesmo autor. Vi ontem uma referência de que inclusive um dos hackeadores se passou por um conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público. E começou a fingir que era ele mesmo. Isso aconteceu no meu caso. O meu celular foi clonado, eles utilizaram o clone do celular para capturar o Telegram, que eu não estava mais, e conversaram com funcionário do Ministério da Justiça fazendo-se passar por mim. Então assim, o nível de adulteração dessas mensagens, o nível de fraude desses hackeadores e das pessoas que os tenham auxiliado, a meu ver, é enorme. E quem me diz agora, que essas mensagens minhas que vão aparecer do Telegram, não sou eu. É uma pessoa que está se fazendo passar por mim. Todo resto nunca teve credibilidade, pela forma como foi feito, criminosa, e pela falta de transparência das pessoas que se dispuseram a, fazendo sensacionalismo, revelar essas informações.

Estadão: O sr está convencido de que é uma quadrilha profissional em ação?

Moro: Em investigação em andamento a cautela recomenda que sempre esperemos. A minha impressão, pela magnitude das invasões, pela tentativa de criar histórias cobertura, pelos alvos imediatos dessas invasões, na minha opinião é um grupo criminoso organizado. Nacional, estrangeiro, contratado ou realizado diretamente por pessoas interessadas em obstruir investigações da Operação Lava jato, isso eu não sei. A minha avaliação, a minha suspeita é essa.

Estadão: O sr vê ligação dessa quadrilha com algum partido?

Moro: Tem sido utilizado para fins políticos partidários.

Estadão: É certo que os hackers não acessaram o conteúdo de suas mensagens?

Moro: Em princípio não houveu invasão do conteúdo do meu aparelho. Mas não posso afirmar isso com 100% de convicção. Minha avaliação é a seguinte: ingressaram nos aparelhos dos procuradores. Em alguns casos foram bem sucedidos. Obtiveram aquele material. Houve uma avaliação de que não era suficiente para desestruturar o governo ou derrubar o ministro da Justiça. Porque isso aconteceu a um mês, sei lá, sessenta dias atrás. Aí, na semana passada, com base nessa avaliação, tentaram invadir o meu aparelho, o conteúdo do meu aparelho, para coletar mais elementos. Se tivessem invadido, não tinha problema nenhum também. Porque como disse, a gente sempre se pautou pela correção. Então houve uma tentativa pelo mesmo grupo, de obter informações adicionais. Eventualmente buscando ali alguma espécie de comprometimento do governo. Por isso que eu digo, coloquem as provas na mesa. Façam a coisa certa então. Já que estão se autoafirmando paladinos da ética e da integridade. E que descobriram tantos e tantos ilícito praticados pela Operação Lava Jato. Claro que dá corrupção revelada pela Operação Lava Jato nunca ouvi uma crítica desse site. Mas e for esse o caso se realmente forem paladinos da integridade e eu, os procuradores, os delegados e as pessoas que nos apoiaram são os vilões, então que apresente as provas.

Estadão: O sr. teme virar um fator de desgaste ao governo Bolsonaro?

Moro: Não vejo dessa forma. Tenho recebido apoio de muitos ministros, do próprio presidente, da sociedade e assim, acho que a pauta do Ministério da Justiça é muito importante. Convergiu com o que o presidente Jair Bolsonaro queria, que é um combate firme à corrupção, ai crime organizado e aos crimes violentos. O que temos visto desde o início da gestão? Há uma montanha a ser escalada, mas tem sido tomadas as medidas importantes. Nós estamos melhorando a estrutura da Polícia Federal, melhoramos a estrutura da Polícia Rodoviária Federal, isso vai ter impacto, estamos dando completa autonomia a esses órgãos de controle, nos estamos aprofundando a cooperação jurídica internacional com operações de destruição e erradicação de plantações de maconha, aumentando a apreensão de drogas de cocaína, nas estradas, e no Brasil inteiro, tivemos uma nova política de enfrentamento sério ao crime organizado, ilustrado pela operação conjunta com o Estado de São Paulo para transferência e isolamento dos líderes do PCC. Então estamos fazendo uma série de coisas relevantes que têm gerado algum impacto. Temos visto redução dignificativa de crimes no país inteiro. Ainda é cedo para comemorar, porque precisamos transformar isso em uma tendência permanente. E igualmente embora venha se reduzindo, o número é muito alto.

Estadão: O caso pode prejudicar uma futura indicação do sr ao Supremo?

Moro: Nem penso nisso. Independentemente dessa questão dessa semana, sempre foi colocada essa questão da vaga no Supremo, eu tenho um grande respeito pelos ministros. Não tem vaga no momento. A vaga que surgir de uma aposentadoria compulsória, é do ministro Celso de Mello. Tenho grande respeito por ele, para mim é um pessoa formidável, um dos maiores juízes do Supremo. E é uma coisa que não se coloca no momento. Não faz sentido. Nunca vi no passado se discutir vagas no Supremo sem estarem abertas. É algo que não está no meu radar.

Estadão: O caso aproxima ainda mais a Lava Jato da Mãos Limpas?

Moro: Todo esforço anticorrupção vai gerar uma reação. A questão é saber se a sociedade e as instituições vão ser fortes suficientes para caminha para frente e não para admitir retrocessos. Se formos admitir retrocessos, o preço a ser pago é muito caro. E acho que no Brasil, podem ter algumas críticas pontuais eventualmente à Lava Jato, mas em termos de melhoria institucional são significativos os avanços decorrentes da Operação Lava Jato. Isso é reconhecido por todos, salto talvez pelos próprios criminosos.

Estadão: O que está por trás do que o sr chama de sensacionalismo?

Moro: O que existe é uma conjunção entre hackers inescrupulosos, invasões criminosas, por outro lado, veículos, não sei se da imprensa ou pagos, e vivandeiras de nulidades, aquelas pessoas que acham que o processo criminal nunca deve chegar a um fim, nunca deve chegar a um resultado. O destino deles é ser anulado. E aí geram um sensacionalismo em cima de situações como conversas de procuradores com juízes, juízes com advogados ou policiais que fazem parte da nossa tradição jurídica. E que são normais.

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