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Lei para afastamento presencial da empregada gestante gera insegurança jurídica

A extensão da aplicação da lei e a responsabilidade pelo pagamento da remuneração preocupa empresas e gera debate quanto à discriminação do trabalho das mulheres

Por Marina Tarricone Barros e Edgar Santos Tavares Dias
Atualização:

Marina Tarricone Barros e Edgar Santos Tavares Dias. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lei nº 14.151/2021, que determinou o afastamento compulsório da empregada gestante das atividades laborais presenciais, durante o período da pandemia, foi promulgada há quatro meses e ainda gera debates no setor empresarial.

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A legislação prevê, de forma vaga, que o afastamento da gestante deve ocorrer "sem prejuízo de sua remuneração", o que leva à conclusão de que a empregada deve continuar a receber salário, mesmo se sua atividade for incompatível com o teletrabalho.

Na impossibilidade de teletrabalho, os empregadores não tiveram opção senão efetuar o pagamento do "salário" sem a respectiva prestação dos serviços, o que significa um retrocesso no nosso sistema de seguridade social e no combate à discriminação do trabalho das mulheres.

Diante da omissão legislativa, aqueles que se sentiram prejudicados foram obrigados a recorrerem ao Poder Judiciário para, de um lado, garantir o afastamento sem prejuízo do salário e, de outro, buscar alternativas financeiras para o cumprimento da Lei.

Nem mesmo a suspensão do contrato de trabalho prevista pela Medida Provisória nº 1.045/2021, que expirou em 25/08/2021, serviu para mitigar os danos sociais causados pela Lei.

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Fato é que, após quatro meses de vigência da nova legislação, e sem a conversão em Lei da MP nº 1.045/2021, o cenário ainda é de insegurança jurídica, especialmente quanto à extensão da aplicação da lei e da responsabilidade pelo pagamento da remuneração da empregada gestante afastada das atividades laborais.

Sobre a extensão e alcance da norma, independentemente do avanço da vacinação e da melhora recente dos indicadores da pandemia, o Judiciário entende que o afastamento remunerado das gestantes é compulsório. Neste sentido, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso, ao julgar Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público do Trabalho, foi categórico ao afirmar que "a Lei n. 14.151/2021 determinou o afastamento do trabalho presencial, enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, de todas as empregadas que se encontrem gestantes, sem qualquer discrimen entre vacinadas e não vacinadas".

No entanto, a situação é diversa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante afastada do trabalho, nos moldes da Lei nº 14.151/2021, já que não houve expressa previsão legal no particular, em que pese todo o nosso sistema normativo de seguridade social ser alicerçado no princípio da solidariedade e estabelecer que a responsabilidade pelo custeio do salário maternidade é do Estado.

Importante ressaltar que a Constituição Federal protege a trabalhadora gestante e, principalmente, a vida que gera, tanto na esfera dos direitos trabalhistas como também no âmbito da seguridade social.

É o que se verifica do art. 7º, inciso XVIII, ao prever a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; o inciso XX, por sua vez, determina a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; o inciso XXII assegura a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

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Já o art. 201, inciso II, da Constituição Federal assegura a proteção à maternidade, especialmente a gestante, por meio de benefícios concedidos pela previdência social, de forma que a maternidade se amolda como um risco social da trabalhadora.

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Além das normas constitucionais, a legislação trabalhista prevê a proteção da gestante, determinando seu afastamento do trabalho que apresenta risco a sua saúde, em especial o art. 392, parágrafo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, que impõe a transferência de função da empregada gestante, bem como o art. 394-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, que determina o afastamento da empregada gestante das atividades consideradas insalubres, sem prejuízo do pagamento do adicional de insalubridade.

Caso não haja possibilidade de readequar as funções da empregada gestante para atividades sem risco à saúde, o parágrafo 3º do referido art. 394-A da CLT, ainda, enquadra a hipótese como gravidez de risco e assegura à gestante o afastamento do trabalho e a percepção de salário-maternidade.

Nesse contexto, mesmo antes da vigência da Lei nº 14.151/2021, já havia entendimento no sentido de que era obrigatório o afastamento da empregada gestante do trabalho presencial em decorrência das normas constitucionais e legais que protegem a vida gerada pela empregada.

A Justiça do Trabalho paulista, em recente decisão, concluiu que, ainda que não houvesse legislação específica, considerando que atualmente "o maior risco laboral para o trabalhador é a contaminação por Covid-19", o afastamento das atividades presenciais possibilita à empregada gestante "adotar todas as medidas possíveis para a proteção da vida que carrega.

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No entanto, ao contrário da omissão contida na Lei nº 14.151/2021, o referido parágrafo 3º do referido art. 394-A da CLT é expresso ao dispor que é da Previdência Social o ônus pelo pagamento da remuneração da empregada gestante afastada das atividades tidas como insalubres.

Na mesma linha, a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa ao Amparo à Maternidade, em seu Artigo IV, item 8, expressamente prevê que "em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega".

As referidas disposições vão ao encontro da proteção constitucional assegurada à trabalhadora gestante, especialmente porque visa afastar a discriminação da mulher no mercado de trabalho.

E foi justamente nesse sentido que a 1ª Vara Federal de Jundiaí decidiu, em sede de Mandado de Segurança, que "prevendo tal Lei 14.151 o direito da trabalhadora gestante a se afastar de sua atividade na hipótese de não ser possível o trabalho a distância, com a manutenção de sua remuneração, o ônus financeiro desse direito não pode recair sobre o empregador, exatamente pelos mesmos motivos das demais hipóteses de licença maternidade, que em última análise visa a não discriminar a mulher na relação de trabalho".

Por fim, vale destacar que o Projeto de Lei nº 2.058/2021, apresentado em 07/06/2021 e ainda pendente de votação na Câmara dos Deputados, visa suprir a omissão legislativa, esclarecer a responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante afastada e prevê alternativas aos empregadores.

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Dentre os principais pontos do referido PL, está a autorização do retorno às atividades presenciais da gestante vacinada contra a COVID-19 e a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, com o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, nos moldes da Medida Provisória nº 1.045/2021.

No entanto, no nosso entendimento, tanto as normas constitucionais vigentes, quanto as normas infraconstitucionais, já estabeleciam com muita clareza que a responsabilidade pelo pagamento do salário maternidade é do Estado - por meio de sua autarquia previdenciária.

Tentar "transferir" o custeio destes afastamentos e do pagamento desta verba de natureza previdenciária para os empregadores é mais do que uma "pedalada" no orçamento da seguridade social, é uma violência histórica contra os direitos das mulheres tão arduamente conquistados.

A aprovação ou não do PL 2.058/2021, neste prisma, parece ser quase irrelevante, pois o que não falta no Brasil são leis para regular o salário-maternidade. Mas para quem prefere a literalidade da norma, é prudente que o PL seja aprovado, temos que concordar.

Mas a economia, o país, as mulheres e os empregadores não podem esperar, é urgente e salutar que a Justiça dê interpretação constitucional à Lei 14.151/2021 (para reconhecer os pagamentos como salário-maternidade e autorizando a compensação fiscal) em favor dos empregadores que assim desejarem minimizar os impactos gerados pela mesma norma, como brilhantemente tem sido decidido pelos magistrados federais em várias regiões do país.

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*Marina Tarricone Barros e Edgar Santos Tavares Dias, advogada e sócio do Queiroz & Lautenschläger Advogados

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