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Lei Maria da Penha a caminho da maturidade

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Por Paula Tavares
Atualização:
Paula Tavares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Há apenas duas semanas, a Lei 14.188 consagrou a violência psicológica contra a mulher como crime e inseriu a integridade psicológica na Lei Maria da Penha (LMP). É o mais recente avanço da Lei 11.340, que hoje completa 15 anos de existência, visando a ampliar os instrumentos legais para coibir o ciclo de violência aos primeiros sinais de risco.

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Neste ano em que 'debuta', devemos pensar no amadurecimento da lei durante sua 'adolescência' e no que ainda é preciso para avançar ao entrar na fase 'adulta'. Se por um lado já nasceu sendo festejada como uma lei exemplar e entre as mais completas em termos de proteção à violência doméstica, a LMP, infelizmente, ainda não tem garantido uma efetiva redução da violência de gênero. O problema ainda é hiperendêmico no Brasil, que figura em 5º lugar entre os países com maior índice de feminicídio no mundo. Desde o início da pandemia, os números aumentaram em proporções assustadoras. Dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que houve aumento de 16,3% na violência contra a mulher em relação a 2019.

Antes de suspender a festa de 15 anos, precisamos lembrar que o combate à violência contra a mulher é uma luta relativamente nova. Há apenas 40 anos foram aprovadas as primeiras leis sobre violência doméstica no mundo, segundo dados de reformas legislativas do Banco Mundial. Até então, as relações familiares e domésticas eram consideradas um assunto de foro privado, que não deveria ser regulamentado ou sujeito a intervenção do Estado. E o mais absurdo: até o século 20, muitos países permitiam legalmente que os maridos usassem a violência para 'disciplinar' suas esposas. O Reino Unido foi um dos primeiros a reverter esse entendimento, ao promulgar a Lei de Causas Matrimoniais, em 1878, permitindo que mulheres vítimas de violência matrimonial obtivessem ordens de separação.

A criação da LMP é um marco a ser comemorado, mesmo se a redução de casos como o de Maria da Penha Fernandes, cujo nome batiza a legislação, ainda não foi alcançada. Até 2006, a violência doméstica era tratada como uma questão familiar no Brasil e enquadrada na Lei n. 9.099/1995 como crime de menor potencial ofensivo. Na prática, a violência de gênero era banalizada e os casos tratados com pouco rigor, em que as penas geralmente se reduziam ao pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários.

Considerada uma das três legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à prevenção e combate à violência doméstica e familiar, a LMP hoje reconhece esse tipo de violência como um crime e uma das formas de violação dos direitos humanos, de responsabilidade do Estado brasileiro. Além de incluir o conceito de todos os tipos de violência, insere a criação de políticas públicas de prevenção, assistência e proteção às vítimas, prevê a instituição de instâncias especializadas para lidar com casos, institui medidas protetivas de urgência e estabelece a promoção de programas educacionais com perspectiva de gênero, entre outras medidas relevantes e inovadoras. Nesse sentido, a LMP representa um importante instrumento legal de proteção aos direitos humanos das mulheres para uma vida livre de violência. Por contemplar de maneira integral os diferentes tipos de violência e o atendimento à vítima, a Lei Maria da Penha é uma referência em termos globais.

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O que falta? É preciso maior efetividade

Para além da legislação, é necessária uma ampliação de políticas públicas de implementação da lei, contemplando uma ação multidisciplinar e coordenada com sistemas integrados de prevenção, resposta e apoio a vítimas. É preciso, também garantir às mulheres maior acesso aos sistemas de justiça e engajamento no processo, melhor orientação das vítimas sobre seus direitos e reconhecimento de sua defesa, e maior conscientização de todos e educação da sociedade sobre o seu papel no enfrentamento da violência. Em especial, para mudar a situação de maneira duradoura, é preciso priorizar o trabalho de prevenção da violência e sua escalada. A recente aprovação da Lei 14.149 que institui a obrigatoriedade de aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco no atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar é mais um passo importante nesse sentido.

É preciso também pensar nas novas formas de violência que se apresentam, em especial com o aumento da digitalização dos meios de comunicação, como ocorreu de maneira exponencial durante a pandemia. Por um lado, a tecnologia tem um papel importante na expansão do acesso a apoio e serviços; por outro, trouxe novas vias - virtuais e diretas - de perpetração da violência. Além disso, como nos mostrou também a pandemia, é preciso adaptar a atuação aos novos desafios que se apresentam.

*Paula Tavares é mestre em Direito Internacional pela Georgetown University Law Center e especialista sênior em questões de gênero do Banco Mundial

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