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Lei Complementar nº 176/2020: quando chegará a vez de os exportadores monetizarem o saldo credor de ICMS?

Por Paulo Duarte e Guilherme Mendes
Atualização:
Paulo César Teixeira Duarte Filho e Guilherme Mendes Soares. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nos últimos dias de 2020, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 133/2020, sancionado pelo Governo Federal e convertido na Lei Complementar nº 176, que prevê o repasse, por parte da União, aos Estados e aos Municípios, de aproximadamente R$ 62 bilhões entre 2020 e 2037, a título de compensação pela desoneração do ICMS na exportação.

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A aprovação da Lei é resultado de uma longa disputa entre os entes federativos e nos remonta à Emenda Constitucional nº 42/2003 que foi intitulada à época de "Reforma Tributária". Dentre as mudanças, duas são relevantes para o nosso contexto: a nova redação do artigo 155, § 2º, X, "a" da Constituição de 1988 (CF88) e o artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O primeiro artigo trouxe a completa desoneração do ICMS na exportação[1], que na redação anterior apenas era aplicado para produtos industrializados, e assegurou a manutenção e o aproveitamento do crédito de ICMS cobrado nas operações anteriores. O segundo é uma consequência do primeiro: a União deveria entregar recursos, em forma definida em lei complementar, aos Estados e aos Municípios, como medida de compensação pela queda de arrecadação do ICMS (embora o ICMS seja um imposto estadual, vale lembrar que aos Municípios compete 25% de ICMS a título de partilha de receita).

O problema é que muitos anos se passaram e a Lei Complementar a que se refere o artigo 91 da ADCT não foi editada, restando apenas a forma de compensação prevista no artigo 31 e no respectivo Anexo I da Lei Kandir. Por considerar essa forma de compensação insuficiente, o Governo do Estado do Pará ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 25, pleiteando que o Congresso Nacional edite Lei Complementar para dar efetividade ao artigo 91 da ADCT.

A ação foi julgada procedente em 2017 e, desde então, o STF tem concedido prazo para o Congresso editar a Lei Complementar a que se refere o artigo 91 da ADCT. Neste ano, finalmente, os Estados, Distrito Federal e União entraram em acordo (item 424 a 426 da ADO 25), homologado pelo STF em maio deste ano.

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O acordo prevê, basicamente, o repasse de R$ 4 bilhões por ano aos Estados, entre 2020 e 2030, com a redução de R$ 500 milhões por exercício para os anos de 2031 a 2037, somando R$ 58 bilhões. Há ainda a previsão de repasse de R$ 4 bilhões decorrentes dos leilões dos blocos de Atapu e Sépia (também previstos na Lei Complementar), além de outros R$ 3,6 bilhões provenientes de outras fontes de recurso (que apenas estão previstos no acordo e não foram incorporados na Lei Complementar).

É de se pensar, então, que a Lei Complementar nº 176/2020 resolveu todas as questões pendentes e pôs fim à disputa de quase 20 anos, já que União, Estados e Municípios finalmente se acertaram. Contudo, como de costume, esqueceram de um lado importante dessa equação: o contribuinte.

Como se viu, a Emenda Constitucional nº 42/2003 não apenas ampliou a imunidade do ICMS na exportação, como também assegurou a manutenção e, mais importante ainda, o aproveitamento do montante de ICMS cobrado nas operações anteriores à exportação.

A intenção do legislador é perfeita, se considerarmos o fundamento básico dos tributos indiretos. Assegurar a manutenção do crédito é garantir a neutralidade do ICMS na exportação. Contudo, considerando que o ICMS é um tributo estadual que não se compensa com nenhum outro tributo, a manutenção do crédito não basta; por isso é preciso garantir o seu "aproveitamento".

E, seguindo lógica poucas vezes encontrada no nosso sistema tributário, a Lei Kandir prevê forma simples e eficaz de aproveitamento do saldo credor decorrente de exportação.  O artigo 25, § 1º prevê que os saldos credores acumulados decorrentes de exportação poderão ser imputados a outro estabelecimento do contribuinte no mesmo Estado e, havendo valor remanescente, podem ser vendidos a outros contribuintes no mesmo Estado, mediante emissão de documento pela autoridade competente que reconheça o crédito.

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Apesar de simples, o que se vê, na prática, é uma situação completamente distinta. No Estado de São Paulo, por exemplo, um contribuinte que possui saldo credor decorrente de exportação precisa preencher uma espécie de obrigação acessória conhecida como e-CredAc. Seja no método simplificado (que possui limitação de 10 mil UFESPs por mês, algo que atualmente representa por volta de R$ 290 mil), seja no método custeio, os contribuintes paulistas costumam demorar entre 2 a 4 anos para ver os seus créditos prontos para serem vendidos.

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E, mesmo prontos a serem vendidos, ainda há que se esperar mais um pouco. E isso porque a venda dos créditos depende de aprovação pela Secretaria da Fazenda de São Paulo que, não raro, ainda divide o crédito a ser vendido em várias parcelas. Ou seja, um contribuinte que pretende vender R$ 10 milhões de crédito acumulado de ICMS, pode ser autorizado a fazê-lo em dez prestações mensais.

No Estado de Minas Gerais, o procedimento é mais simples, porém não mais ágil. Embora não exista uma obrigação acessória parecida com o e-CredAc, os contribuintes mineiros estão sujeitos a um limite global mensal autorizado para a transferência de crédito de ICMS. Assim, mensalmente o Estado publica uma Resolução que afirma qual o limite de crédito de ICMS passível de venda no Estado naquele mês. Em todo o ano de 2020, as Resoluções permitiram apenas R$ 6 milhões mensais de crédito de ICMS passível de venda no Estado.

Diz-se "apenas" seis milhões mensais porque o Estado de Minas Gerais foi o segundo Estado maior exportador do Brasil em 2020, com aproximadamente USD 23,5 bilhões entre Janeiro e Novembro, de acordo com as informações do próprio Ministério da Economia[2]. Fazendo um cálculo grosseiro, presumindo uma alíquota média de 7% na entrada e uma margem de lucro de 15%, os contribuintes mineiros acumularam quase USD 1,4 bilhões de créditos de ICMS em 2020 em decorrência de exportação, sem considerar os dados de dezembro.

O valor de seis milhões fica ainda menor quando consideramos que os exportadores também "dividem espaço" com os contribuintes que possuem saldo credor de ICMS decorrente das suas operações nacionais, seja em decorrência de diferença de alíquota, benefício fiscal com manutenção de créditos, e outros.

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O que se conclui disso é que, na prática, são os contribuintes exportadores quem, todos esses anos, arcaram com a compensação dos Estados e Municípios prevista no artigo 91 da ADCT. Os Estados cumprem apenas parte do previsto no artigo 155, § 2º, X, "a" da CF88, permitindo a "manutenção" do crédito, mas ignoram a parte do "aproveitamento", fundamental para monetização dos créditos dos contribuintes.

Não se trata de mera retórica argumentativa. Se observarmos as demonstrações financeiras das grandes companhias abertas exportadoras, veremos que o que há em comum entre elas é a linha de "tributos a recuperar". Basta olhar as demonstrações financeiras do terceiro trimestre de 2020 de grandes empresas para se demonstrar o ponto.

Trata-se, assim, de uma forma moderna de utilizar tributo com efeito confiscatório. De um lado, os Estados receberam, todos esses anos, valores da União conforme prevê o artigo 31 e o Anexo I da Lei Kandir e passaram a receber ainda mais a partir de 2020 como compensação da desoneração do ICMS decorrente da exportação. De outro, os Estados vêm convenientemente se esquecendo de utilizar esses valores para fazer valer o direito de aproveitamento de saldo credor dos exportadores, constitucionalmente previsto e regulamentado pela Lei Kandir.

A sanção da Lei Complementar nº 176/2020 pode ter vindo em boa hora para relembrar os Estados da necessidade de cumprimento do artigo 155, § 2º, X, "a" da CF88. Infelizmente, essa lembrança deverá ser forçada pelo Poder Judiciário, a quem caberá corrigir mais uma injustiça no Direito Tributário.

[1] Vale lembrar que, embora a redação anterior do artigo 155, §2º, X, "a" da CF88 apenas desonerasse o ICMS na exportação de produtos industrializados, o artigo 32 da Lei Kandir já previa a desoneração dos produtos primários, semielaborados e prestações de serviço ao exterior, com manutenção do crédito.

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[2] Fonte: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis

*Paulo Duarte e Guilherme Mendes, advogados tributaristas do Stocche Forbes Advogados

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