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Lava Jato defende que indulto não seja estendido à corrupção

Sugestões dos procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal

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Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt , Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:

Força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Foto: GERALDO BUBNIAK/AGB

A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná, origem e base da maior missão já deflagrada contra a corrupção no país, encaminhou nesta quinta-feira, 16, um ofício ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal (CNPCP), no qual faz sugestões sobre a extensão do indulto natalino realizado anualmente pelo Presidente da República. A iniciativa decorre da 'preocupação com a impunidade da corrupção, identificada durante a Lava Jato e outras grandes investigações'.

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EFEITOS

A força-tarefa não cita nomes, mas em um trecho do documento faz uma comparação que remete ao caso do ex-presidente Lula, condenado a 12 anos e um mês de reclusão no processo do triplex do Guarujá - o petista cumpre pena desde a noite de 7 de abril em uma sala especial da Polícia Federal em Curitiba.

"Um condenado por corrupção a 12 anos de prisão, também primário e com mais de 70 anos de idade, seria perdoado após cumprir apenas 2 anos."

O indulto é o perdão das penas de criminosos e, caso mantidos no futuro os critérios do último decreto (nº 8.940/16), diversos réus condenados por crimes gravíssimos na operação Lava Jato cumprirão penas irrisórias ou serão beneficiados com a extinção da punibilidade.

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O pedido dos procuradores é de que 'o indulto não se estenda aos crimes de corrupção em sentido amplo, bem como aos crimes de lavagem de dinheiro e pertinência a organização criminosa (ou associação criminosa), constando vedação explícita, no decreto, da aplicação do indulto nesses casos'.

"Se esta sugestão não for acatada, a força-tarefa propõe que tais crimes sejam pelo menos equiparados a crimes praticados com violência ou grave ameaça e não estejam sujeitos a benefícios etários vinculados ao indulto; e ainda que a concessão do indulto em crimes contra a administração pública seja condicionada à reparação do dano causado pelo condenado, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais, a fim de garantir minimamente os direitos da sociedade brasileira, que é vítima da grande corrupção.", destaca a Procuradoria.

A força-tarefa já tinha demonstrado preocupação em relação à extensão do indulto no ano passado e chegou a encaminhar algumas sugestões ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal.

Com base no indulto de 2016, os procuradores reforçaram que um condenado por corrupção a 12 anos de prisão, se fosse primário, seria indultado após cumprir 3 anos.

Isso, somado às outras dificuldades de punição, tornaria a corrupção 'um crime de baixíssimo risco'.

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Para ilustrar a preocupação com o decreto de 2016, um levantamento preliminar, com base em decisões proferidas pela Justiça Federal do Paraná e pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), apontou que pelo menos 54 réus, já condenados a penas privativas de liberdade inferiores a 12 anos na Lava Jato, poderiam ser beneficiados.

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As recomendações foram acatadas pelo Conselho, 'entretanto totalmente desconsideradas pela Presidência da República ao editar o decreto nº 9.246, de 21 de dezembro de 2017'.

"Nele, o presidente Michel Temer reduziu ainda mais o percentual de cumprimento de pena exigido para a concessão de indulto aos condenados por crimes sem grave violência ou ameaça, entre eles a corrupção, para 1/5 da pena se não reincidentes e 1/3 no caso de reincidência, sem fixar limite máximo de pena para a aplicação do instituto."

"Ou seja, o condenado por corrupção, se primário, teria direito ao indulto com o cumprimento de tão somente 20% da sanção restritiva de direito à qual foi condenado, independentemente do montante total de pena", assinala a Procuradoria.

Além disso, segundo o ofício enviado ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal, o decreto declarou que o indulto e a comutação alcançariam também a pena de multa, ainda que houvesse inadimplência, sendo o indulto concedido independentemente do pagamento de multa e da condenação pecuniária de qualquer natureza.

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Os efeitos do indulto de 2016 só foram suspensos após decisão em regime de urgência do Supremo Tribunal Federal no dia 28 de dezembro, já durante o recesso forense.

O Ministério Público Federal assinala que no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.874/DF, proposta pela Procuradoria Geral da República, a ministra Carmen Lúcia destacou que 'o ato presidencial tinha se distanciado da finalidade constitucionalmente estatuída, esvaziando a jurisdição penal, e afrontou o princípio da proporcionalidade, vinculada à proibição de se negar a proteção suficiente e necessária de tutela ao bem jurídico acolhido no sistema para garantia do processo penal, especialmente em relação aos chamados crimes de colarinho branco'.

Após o recesso, o ministro Luiz Roberto Barroso, relator do caso, 'fixou balizas mínimas para a aplicação do instituto, suspendendo parte dos efeitos do decreto nº 9.246, entre eles a concessão de indulto para crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, ocultação de bens, peculato, concussão, tráfico de influência, os praticados contra o sistema financeiro nacional, os previstos na Lei de Licitações e aqueles incluídos na Lei de Organizações Criminosas'.

Em sua decisão, o ministro ressaltou 'a aparente leniência do direito brasileiro com a criminalidade do colarinho branco e o não acolhimento, pelo excelentíssimo senhor Presidente da República, de pontos que constavam na proposta encaminhada pelo Conselho'.

Impunidade

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Neste ano a força-tarefa destaca na carta enviada ao CNPCP que as sugestões apresentadas não causariam impacto na população carcerária. De acordo com o 'Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil', publicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República em 2015, os crimes contra a administração pública cometidos entre 2008 e 201 correspondem a apenas 0,4% dos presos.

"Isso significa que, além de não contribuir para a redução da crise de vagas do sistema penitenciário, o indulto da corrupção teria efeitos perniciosos, pois a probabilidade de efetiva punição da corrupção, no Brasil, é baixa", pontua a força-tarefa da Lava Jato.

A pena mínima é, em geral, de 2 anos, 'sabendo-se que a dosimetria da pena parte do mínimo legal e dificilmente se distancia dele'. Penas inferiores a 4 anos admitem, inclusive, substituição por penas alternativas à prisão, como prestação de serviços à comunidade e doação de cestas básicas, segue a Procuradoria.

Os procuradores destacam que 'a aplicação do indulto à corrupção retiraria ainda mais o potencial efeito dissuasório da pena, sem contribuir de modo relevante para a redução do poblema da superpopulação carcerária. Em outras palavras, não traz benefícios, mas traz malefícios'.

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