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Justiça por Mari Ferrer e por uma sociedade mais justa para as mulheres

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Por Malu Molina
Atualização:
Malu Molina. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não existe "estupro culposo". Não existe "estupro sem querer". O que existe é um sistema judiciário que legitima a violência contra a mulher, e uma sociedade injusta para as mulheres viverem. Isso tem que mudar, e está, em parte, mudando.

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A sentença e as cenas do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer, promoter catarinense de 23 anos, comoveram e revoltaram todo o país. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministros de tribunais superiores, políticos, celebridades, ONGs, times de futebol e milhares de brasileiros e brasileiras se manifestaram contra a humilhação sofrida pela jovem e a sentença absurda do "estupro culposo".

Sim, a sociedade brasileira está mudando e mostrando que a violação dos direitos e da dignidade das mulheres não será tolerada. Pedimos justiça por Mari Ferrer. O juiz e o promotor do caso serão investigados pelo CNJ. O colunista Constantino, que aproveitou seu espaço na mídia para promover discurso de ódio, relativizar o caso e jogar a culpa na vítima, foi demitido pela Jovem Pan.

Esses fatos recentes nos mostram que existe uma cultura de mudança por uma sociedade em que homens e mulheres tenham, de fato, os mesmos direitos e oportunidades. Mas para mudar mesmo, precisamos urgente que esses fatos mobilizem uma mudança nos dados, que a cada dia apontam uma maior desigualdade e violência de gênero, acentuada pela pandemia.

Nossa participação no mercado de trabalho, por exemplo, caiu ao menor nível em 30 anos. Sem a volta das creches e escolas, são as mulheres que deixam o emprego para cuidar da família. Com a covid-19 e tendo que conciliar aulas on-line, almoço, limpeza, organização da casa e cuidados com filhos e idosos, 26,4% das mulheres relatam que o trabalho doméstico, que já era o dobro dos homens antes da pandemia, aumentou muito.

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Além do aumento da dupla jornada, da penalização da maternidade, da baixa rentabilidade da educação quando nós estudamos mais, mas sofremos mais com o desemprego e ganhamos cerca de 22% menos que os homens, os dados da violência contra a mulher dispararam durante a pandemia.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em abril deste anohouve um aumento de 40% de denúncias registradas por meio do 180 em relação ao ano anterior. Casos de feminicídio cresceram 22% em 12 estados durante pandemia! Isso sem contar que já tínhamos uma crescente de 7,3% nos casos em 2019, comparando com 2018.

Enquanto apenas 5% das denúncias de violência contra mulher tem andamento na Justiça, a impunidade, o descaso e injustiça refletem na alta dos casos de violência contra a mulher, e em casos como o da Mari Ferrer.

Enquanto representamos apenas 15% do Congresso, caminhamos a passos lentos para aprimorar a efetividade na penalização dos infratores da Lei Maria da Penha, e também para promover medidas de igualdade entre homens e mulheres fomentadas e adotadas pelo setor empresarial, por exemplo, que reduzam a desigualdade salarial.

Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial, no ritmo atual, o mundo levará mais de 200 anos para alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres! Além de ser um problema social e moral, é também um problema econômico.

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Um levantamento de 2015 do Instituto McKinsey Global calculou que a igualdade de gêneros poderia chegar a US$ 28 trilhões no PIB anual global - o equivalente, à época, à soma das duas maiores economias do mundo, a dos EUA e da China.

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Mesmo depois de ler todos esses dados é possível afirmar ainda que nossa sociedade está mudando? Sim. Mas, pouco e devagar. Não podemos esperar 200 anos. Precisamos ser a mudança que queremos, no dia a dia, nos afazeres de casa, no trabalho, nos relacionamentos, e também na hora de votar.

Lutar por uma sociedade mais justa para as mulheres não é lutar para ter mais direitos que os homens. É lutar por uma sociedade mais justa para todos, em que os direitos e oportunidades sejam iguais para homens e mulheres. Todos ganham com justiça por Mari Ferrer. Todos ganham com mais justiça, e com menos desigualdade de gênero.

*Malu Molina, cientista política

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