Luiz Vassallo
18 de abril de 2019 | 07h44
Foto: Pixabay
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública contra uma produtora de eventos de São Paulo (SP) por ‘explorar o trabalho artístico de um menino de 12 anos como MC (abreviação de ‘mestre de cerimônias’, usada para denominar cantores de funk, rap e hip hop)’.
O processo tramita em segredo de justiça
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a competência da Justiça Comum para a concessão de autorização para trabalho artístico infantil, ‘o caso envolve condições de trabalho moralmente degradantes’, destaca a Corte.
Em 2015, a partir de notícias publicadas na imprensa, o Ministério Público do Trabalho instaurou investigação e confirmou que, ‘nos shows, as músicas cantadas pelo ‘MC’, além do conteúdo erótico, faziam apologia a diversas condutas criminosas, como exploração sexual de crianças e adolescentes, prática de atividades sexuais por menores de 14 anos (crime de estupro de vulnerável, conforme o artigo 217-A do Código Penal), relação sexual não consentida (crime de estupro – artigo 213 do Código Penal) e consumo de bebidas alcóolicas (conduta criminosa tipificada na Lei 13106/2015)’.
A Justiça Comum chegou a proibir as apresentações do ‘mestre de cerimônias’ em várias cidades, mas a empresa, sem mostrar interesse em assinar o Termo de Ajuste de Conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, continuou produzindo shows.
Para impedir a atividade, a Procuradoria do Trabalho propôs a ação civil pública e requereu a tutela preventiva para impedir a realização dos shows, a fixação de multas e a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de pelo menos R$ 2 milhões.
O juízo da 33.ª Vara do Trabalho de São Paulo declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para examinar o caso com base em decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5326, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou a competência da Justiça do Trabalho para autorizar trabalho artístico infantil (saiba mais aqui).
Porém, por considerar que a conduta da empresa trazia grandes prejuízos para a sociedade como um todo, por transmitir ‘um paradigma de comportamento que não pode ser aceito’, condenou a produtora a pagar indenização a título de dano moral coletivo de R$ 200 mil.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (SP) manteve o entendimento sobre o alcance da decisão do Supremo e destacou que, embora a pretensão da Procuradoria tivesse relação circunstancial com o Direito do Trabalho, não se discutia, na ação, a contratação formal entre a empresa e o ‘MC’.
Com isso, afastou também a condenação relativa ao dano moral coletivo e remeteu o caso à Justiça Comum.
O ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho, observou que o caso revela a exploração de trabalho infantil para a veiculação de conteúdo pervertido com a finalidade de obtenção de lucro em favor da empresa e, por isso, ‘clama pela atuação da Justiça do Trabalho’.
Segundo o ministro, cabe à Justiça do Trabalho assegurar a efetividade das normas constitucionais e internacionais que visam salvaguardar os direitos de crianças e adolescentes submetidos a relações de trabalho, ‘especialmente aquelas flagrantemente deletérias’.
Sobre a conclusão do TRT de que não se estaria diante de contratação formal, o ministro ressaltou que, se esse entendimento prevalecesse, a Justiça do Trabalho não teria competência para reconhecer a existência de qualquer vínculo de natureza trabalhista, ‘o que seguramente não é o caso’.
De acordo com o relator, o Direito do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade, que privilegia os fatos em detrimento de aspectos formais marginais.
O ministro explicou que os dispositivos da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) atribuem às Varas da Infância e da Juventude, da Justiça Comum, a autorização para a entrada e a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados em locais destinados a público adulto.
Esse ramo do Judiciário também é responsável pela expedição de alvarás para a participação de menores em espetáculos públicos e concursos de beleza.
Mas, conforme o relator, ‘em nenhum momento o legislador conferiu ao Juízo da Infância e da Juventude o poder de autorizar a exploração de trabalho artístico de crianças e adolescentes’.
No caso, se existiu alguma autorização judicial para a atuação do ‘MC’ nos espetáculos, conforme as razões apresentadas pelo Ministério Público, ‘teria ocorrido posterior abuso de direito por parte da empresa na condução da carreira ‘artística’ do jovem’.
O ministro destacou que os fundamentos do Supremo na decisão da ADI 5326 ressalvam a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de questões de natureza trabalhista posteriores à autorização para a participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos.
“Por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, sobressai a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar a presente ação civil pública, em todos os seus termos e pedidos”, concluiu Alexandre Agra Belmonte.
Por unanimidade, a Terceira Turma deu provimento ao recurso da Procuradoria do Trabalho e determinou o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para que prossiga no julgamento.
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