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Justiça: ainda precisa de reforma

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

Ainda não se promoveu a profunda reforma estrutural do sistema Justiça brasileiro. A Emenda Constitucional 45/2008 caminhou timidamente na direção desejável. O que faltaria para o Poder Judiciário no Brasil?

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Não se justifica a existência de cinco ramos de Justiça, dois deles igualmente chamados "comuns". Parece que servem mais para alimentar a indústria do conflito de competência, que nada oferece de saudável para a eficiência da Justiça.

A doutrina sempre considerou "uno" o Poder Judiciário. Mas a volúpia do crescimento vegetativo faz com que se multipliquem os Tribunais, cada qual com sua estrutura sempre crescente. O custo da Justiça brasileira é bem expressivo e não condiz com as demais necessidades de um país que escancarou sua miséria após a pandemia.

Uma só coordenação permitiria mais adequado uso dos recursos humanos e adoção de praxes que, garantindo a possível segurança jurídica, pudessem acelerar a outorga da prestação jurisdicional.

O STF, hoje assunto de todas as rodas e de todos os botequins, precisaria se converter em Corte Constitucional. Esse o seu papel. Essa a sua função: a guarda precípua da Constituição.

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Arrogando-se a funcionar com quarta instância do esdrúxulo apreço ao princípio do duplo grau de jurisdição, que chegou ao paroxismo de um quádruplo grau, deixa de sinalizar à nação o que vale e o que não deve merecer observância, por não se enquadrar com normas ou princípios fundantes. O STF no Brasil serve também como segunda instância dos Juizados Especiais, o que é uma anomalia.

Como é anômalo também o funcionamento de onze vertentes distintas de um único texto constitucional. A atuação monocrática é a razão de tanta perplexidade por parte da comunidade jurídica e também ganhou repercussão entre os jejunos. Não canso de dizer que os garotos brasileiros já não sabem escalar a seleção canarinho de futebol, tantos os jogadores que exercem sua atividade profissional em clubes do exterior. Mas sabem "escalar" os onze do time do Supremo, nem sempre com a reverência e o respeito que juízes da cúpula do Judiciário deveriam merecer.

O protagonismo individual é exacerbado com a TV Justiça, que - ao argumento de propiciar maior comunicação entre a Justiça e o povo - tornou as sessões cenário de exibicionismo que se prolonga desnecessariamente. O que poderia merecer julgamento célere toma intermináveis horas em sessões que se prolongam por vários dias.

Invejo o Supremo do Japão, que decide a portas fechadas, com decisões sintéticas e não existe voto vencido. É a Corte que decidiu. Isso oferece segurança ao país.

No mais, a Justiça precisa continuar a se abeberar nas fontes das tecnologias ofertadas pela Quarta Revolução Industrial. Nunca houve tanta possibilidade de aproveitamento de instrumentos valiosos para tornar as decisões mais objetivas, mais precisas, mais sintéticas, de modo a serem compreensíveis pelo interessado: o cliente da Justiça.

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Louve-se, uma vez mais, a iniciativa do TJSP, sob a eficiente direção do Desembargador Francisco Geraldo Pinheiro Franco, a introduzir o projeto "juridiquês não tem vez". O povo precisa conhecer melhor sua Justiça. Até para reconhecer que ela é ingrediente essencial à garantia de um Estado de direito de índole democrática.

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Para assenhorear-se de tudo o que a ciência gerou e a tecnologia, sua serva, disponibilizou, é essencial a reformulação da sistemática de concurso de ingresso à Magistratura e de recrutamento de outros quadros funcionais para o sistema Justiça. Não faz sentido promover concursos de memorização, acreditando que decorar todo o conteúdo normativo, doutrinário e jurisprudencial de uma República prolífica na edição de normas garanta a seleção dos melhores elementos.

Assim como a educação negligenciou as competências socioemocionais, é hora de o sistema Justiça suprir essa falha. Escolher os mais idealistas, os mais entusiastas, aqueles capazes de se adaptar ao inesperado, curiosos por aprender continuamente e conscientes de que fazer justiça é tornar mais tranquila a vida do semelhante.

O Judiciário existe para servir, para resolver problemas, não somente para propiciar a seus integrantes a carreira sólida e estável que, até há pouco, assegurava o concurso dos mais qualificados.

Não fará mal à Justiça humanizar-se a cada dia mais. O sofrido povo brasileiro tem direito a um equipamento estatal que se comova com sua condição deficitária, de carência de tantos bens da vida que o Judiciário tem condições de resgatar. É a esperança que se aninha nas consciências sensíveis e que acreditam, respeitam e até veneram a Justiça dos homens.

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*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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