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Juristas dizem que impeachment sem crime de responsabilidade atinge Constituição

Pareceres de André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici foram elaborados em resposta a questionamentos do coordenador jurídico da campanha presidencial de Dilma Rousseff e Michel Temer

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Por Fausto Macedo
Atualização:

Dilma. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A utilização do mecanismo do impeachment da forma imposta pela Constituição requer que haja um crime de responsabilidade do presidente da República. Sem essa condição, um processo de impeachment atingiria a Constituição e a democracia brasileiras, apontam pareceres elaborados pelos juristas André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici.

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Os juristas elaboraram os pareceres em resposta a questionamentos do coordenador jurídico da campanha presidencial de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014, o advogado Flávio Caetano. Já opinaram anteriormente os juristas Dalmo de Abreu Dallari, Celso Antonio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato, além de ter se manifestado o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto.

"A utilização de um mecanismo, como o impeachment, pelo Congresso (dentro do papel recebido de cada uma das Casas) significa, sempre, inabilitar milhões de votos e conexões construídas no tecido social pelos partidos políticos e pelo cidadão. Sua excepcionalidade, em termos democráticos, não pode ser ignorada; pelo contrário, deve ser permanentemente relembrada, de maneira a servir como advertência quanto ao seu uso inadequado", escreve André Ramos Tavares.

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No mesmo sentido, avalia Bercovici, "a função do impeachment não é punir indivíduos, mas proteger o país de danos ou ameaças por parte um governante que abusa do seu poder ou subverte a Constituição". "O processo de impeachment deve ser sempre o último recurso, um poder a ser exercido com extrema cautela em casos extremos de comprovada violação da Constituição", destaca.

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Tavares é referência acadêmica para o Direito Constitucional no Brasil e internacionalmente, tendo sido pró-Reitor de Pós-Graduação stricto sensu da PUC-SP (2008-2012) e Diretor da Escola Judiciária Eleitoral Nacional, do Tribunal Superior Eleitoral (2010-2012), além de autor de diversas obras jurídicas. Bercovici é advogado, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da USP e professor do Mackenzie.

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André Ramos Tavares esclarece que a possibilidade de impeachment está prevista em nossa Constituição para casos excepcionais de agressões severas à ordem constitucional. "Não sendo um mecanismo corriqueiro da Democracia, o impeachment emerge quando temos um atentado à Constituição, como assevera sua própria hipótese de incidência (art. 85, caput, da CB), não uma ou outra inconstitucionalidade, praticada pelo Presidente da República. Aliás, a diferenciação é bem conhecida da melhor Doutrina Constitucional", sustenta. "Praticar um ato contrário à Constituição não equivale a atentar contra a Constituição, para fins de impeachment. Ignorar essa circunstância é, uma vez mais, estabelecer o regime da instabilidade democrática, cujos resultados só podem ser, a curto, médio e longo prazos, catastróficos para a sociedade."

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"Crises políticas, crises econômicas e até crises sociais não constituem, por si mesmas, elementos ensejadores de um processo de impeachment.".

"O impeachment não é nem pode ser uma alternativa à Democracia eletiva, ou às políticas econômicas adotadas por determinado Governo. Descontentamento político com a postura de algum Presidente da República, desilusão com determinadas políticas econômicas (ou com políticas públicas) e, igualmente, o esmorecimento de laços de confiabilidade no projeto governamental, como sentenciar, por convicção pessoal, que "a Presidente não tem mais condições de governar o país", não ensejam impeachment e dessas razões não se pode valer o Congresso Nacional nem incursionar firmemente, ele próprio, em desvio grave à Democracia e à Constituição", escreve o jurista.

Bercovici esclarece que somente a ocorrência de crime de responsabilidade por parte do presidente da República pode ensejar um processo de impeachment. Assim, conforme o artigo 85 da Constituição e a Lei 1.079/1950, para configurar crime de responsabilidade não bastam atos que "comportam omissão ou a culpa", mas é preciso "a atuação deliberada (e dolosa) do Chefe do Poder Executivo em contraposição direta à Constituição da República". "O Presidente da República não pode ser réu de um processo de impeachment motivado por atos estranhos à função presidencial ou ocorridos fora do seu mandato", escreve Bercovici. "Ao ser reeleito, o Presidente da República inicia um novo mandato de quatro anos. O fato de poder exercer a função por oito anos não transforma este período em um mandato único."

O professor André Ramos Tavares pontua que a configuração de um crime de responsabilidade por parte de Presidentes da República caracteriza-se pela subversão da ordem constitucional de forma dolosa, por um ato positivo para se alcançar um resultado previamente desejado e que haja ação do Presidente.

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Tal como opinaram Dallari e Bandeira de Mello e Comparato, André Ramos Tavares e Gilberto Bercovici destacam a necessidade de que o crime de responsabilidade seja praticado no exercício do atual mandato presidencial e reforça que o Tribunal de Contas da União é órgão consultivo do Poder Legislativo, com poder apenas para "auxiliar o Parlamento". "A reprovação das contas presidenciais pelo parecer do Tribunal de Constas da União não pode ser utilizada como fundamento de eventual denúncia por crime de responsabilidade", escreve Tavares.

"Fazer uso automático e irrestrito de um parecer de contas (prévio, na dicção constitucional inequívoco) para fins de sustentar o impeachment equivale a contornar, de uma só vez, tanto o disposto no caput do art. 85, como no inc. IX do art. 49 da CB", analisa Tavares.

Bercovici destaca que 'a eventual rejeição das contas presidenciais pelo Congresso Nacional não configura crime de responsabilidade'.

"Nas circunstâncias atuais, a abertura do processo de impeachment significará a vitória do oportunismo de plantão, um flagelo à Democracia brasileira e um escárnio à Constituição", finaliza Tavares.

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