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A graça de Bolsonaro a Daniel Silveira viola a separação de Poderes e é passível de anulação pelo Supremo, avaliam juristas

Advogados consideram 'ilegal' perdão concedido pelo presidente em favor do deputado aliado, condenado nesta quarta-feira, 20, a 8 anos e nove meses de prisão; Grupo Prerrogativas diz que 'não cabe ao Presidente atuar como se seu entendimento jurídico fosse superior ao entendimento do Supremo Tribunal'

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Por Pepita Ortega
Atualização:

Atualizada às 14h30 de 22.04*

O deputado federal Daniel Silveira ao lado do presidente jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

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Juristas consultados pelo Estadão consideram que o decreto do presidente Jair Bolsonaro que concede perdão ao deputado aliado Daniel Silveira - condenado por atacar ministros da Corte, as instituições e a democracia - é ilegal e viola a separação de Poderes e as prerrogativas constitucionais do Judiciário.

O advogado Fernando Neisser, doutor em Direito Penal e especialista em direito eleitoral, acredita que a motivação de Bolsonaro torna ilegal o perdão concedido a Silveira uma vez que o presidente "não sustentou a graça na liberalidade presidencial de beneficiar um aliado, mas afirmou que a interpretação dada à Constituição pelo STF está errada".

Segundo o advogado, ainda que o mérito da concessão de indulto ou graça não seja passível de controle judicial, sua motivação, como a de qualquer ato administrativo, 'vincula sua validade'.

Nessa linha, o advogado destaca que a Presidência da República não é instância revisora da interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal - "que, como se sabe, dá a última palavra".

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Além disso, Neisser destaca que graça - medida que extingue apenas a punibilidade, não incidindo sobre outros efeitos da condenação, como a inelegibilidade - 'foi concedida em processo no qual a pretensão punitiva ainda nem se iniciou'. A indicação se dá em razão de a condenação de Silveira ainda não ter transitado em julgado - o deputado ainda pode recorrer da decisão do Supremo que o sentenciou a a 8 anos e 9 meses de prisão.

"Sob minha leitura, trata-se de medida ilegal, passível de anulação pelo STF. Além disso, politicamente, Bolsonaro vale-se de pesquisas internas que mostram que sua turma se empolga toda vez que bate no STF. Irresponsável, atiça sua banda e desafia frontalmente as instituições. E ainda faltam mais de cinco meses para a eleição", ressalta.

Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça do Estado de SP e membro da Comissão Internacional de Juristas, destaca que a concessão de indulto individual é uma competência privativa do Presidente da República, mas ressalta que Bolsonaro 'agiu com abuso de poder e desvio de finalidade do instituto da graça, normalmente voltado para propósitos humanitários, o que vicia o ato administrataivo'.

"E, mais do que isso, o decreto entrou no mérito da decisão do STF, ao dizer que o deputado agiu sob o pálio da imunidade parlamentar o que havia sido veementemente afastado pela decisão. Não há imunidade para quem age contra a democracia. O Presidente queria causar dano ao STF e ajudar o amigo. Conseguiu ofender a sociedade e a Constituição Federal", pondera o advogado.

Segundo Belisário, o que causa 'estupefação' em relação ao ato de Bolsonaro é a 'escancarada afronta' à decisão do STF, dada nesta quarta-feira, 20. O advogado indica que o indulto individual em casos de extrema importância 'sempre provoca intenso debate, porque a sociedade vê sempre um Poder - O Executivo - passando por cima de um pronunciamento do poder Judiciário'.

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"No entanto, o indulto de hoje alcança uma dimensão especial. Não só pela proximidade entre presidente e indultado, mas também porque o Presidente claramente pretende dar um bill de indenidade (uma licença especial para o crime e a ofensa) a quem quer que tenha a mesma atitude de ofender a democracia e o STF, condutas nas quais ele próprio parece ter incidido. Este é o problema que se coloca", diz.

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Na mesma linha, o advogado Cristiano Vilela, integrante da Confederação Americana dos organismos eleitorais subnacionais. entende que Bolsonaro 'não agiu de acordo com a Constituição' ao perdoar Silveira. Na avaliação do advogado não é constitucional a concessão dessa medida a quem ainda não possui condenação efetiva.

"A concessão dessa medida viola a separação de poderes e as prerrogativas constitucionais do Judiciário. Sem contar no evidente interesse político do Presidente na concessão da graça a um aliado político", pondera.

A jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles, também considera o perdão de Bolsonaro a Silveira ilegal, indicando ainda que, da forma como foi feito, configura crime de responsabilidade.

Ao anistiar alguém que não teve seu julgamento concluído, o presidente perdoa uma pessoa que ainda não é formalmente culpada. "O julgamento de Silveira ainda não foi finalizado, cabe recurso. Ao anular as penas dele, Bolsonaro interfere diretamente no Poder Judiciário e essa interferência é crime de responsabilidade", afirma.

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A advogada explica que o perdão presidencial tem regras, frisando que todos os atos do presidente têm que ser motivados dentro dos critérios legais, dos princípios da administração, da impessoalidade, da moralidade. Segundo a jusrista, a 'discricionalidade não é a liberdade total', tendo que seguir princípios previstos na Constituição Federal.

Para Grupo Prerrogativas, ato de Bolsonaro revela 'desapego à ordem jurídica'

O Grupo Prerrogativas, que reúne diferentes juristas e advogados, considera que o ato de Bolsonaro 'revela profundo desapego à ordem jurídica'. "O que se observa é o trespasse de qualquer limite da separação dos poderes da República", ressaltou o grupo em nota.

Na avaliação do Prerrogativas, a graça foi concedida a Silveira 'com manifesto desvio de poder, qualificando uma clara ofensa ao Poder Judiciário e ao nosso Estado Democrático de Direito'. O grupo chega a atribuir crime de responsabilidade ao presidente Jair Bolsonaro.

Em nota, o grupo também questionou o fato de a graça ter sido concedida antes mesmo da possibilidade da produção de efeitos da decisão. "(Bolsonaro) Abusa das competências que constitucionalmente lhe cabem, confronta a democracia, ao pretender substituir pelo mérito a decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda sequer transitada em julgado, inclusive invadindo a seara da sua fundamentação", ressaltam os integrantes do grupo.

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Segundo os juristas, 'não cabe ao Presidente atuar como se seu entendimento jurídico fosse superior ao entendimento do Supremo Tribunal'.

"Graça é ato discricionário, mas que não pode ser arbitrário, desrespeitando os procedimentos legalmente previstos para a sua concessão e muito menos se arrogar uma pretensa competência revisora da Suprema Corte. O excesso de poder é evidente."

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