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Julgamento virtual no âmbito do STJ

Por Thabitta Rocha e Paulo Boechat Torres
Atualização:
Superior Tribunal de Justiça (STJ). FOTO: MARCELLO CASAL JR./AG. BRASIL Foto: Estadão

São visíveis as necessidades de aperfeiçoamento e aprimoramento dos julgamentos virtuais nos colegiados do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar de o Tribunal da Cidadania ter regulamentado e endereçado alguns problemas relacionados a essa modalidade de julgamento nos últimos anos, ainda há aspectos consideráveis que impedem a completa participação dos jurisdicionados no processo decisório dos colegiados virtuais, os quais trataremos brevemente aqui.

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A inovação relativa à possibilidade de inclusão de processos para julgamento colegiado virtual surgiu com a Emenda Regimental nº 27/2016, a qual traçou as balizas iniciais para a apreciação eletrônica de Embargos de Declaração, Agravos Internos e Agravos Regimentais, excetuados os recursos criminais. Vale ressaltar que, desde a edição da mencionada emenda, o art. 184-B do Regimento Interno já previa a disponibilidade das sessões virtuais para acesso às partes e seus advogados, por meio de identificação por certificado digital.

As disposições da Emenda Regimental nº 27/2016 permanecem em vigor até hoje praticamente sem alterações, salvo por duas modificações nos arts. 184-A e 184-C incluídas pela Emenda Regimental nº 36/2020, quais sejam, respectivamente: a) o julgamento de recursos criminais também passou a ser admitido pelo meio virtual e; b) o início das sessões virtuais coincidirá, preferencialmente (e não obrigatoriamente), com as sessões ordinárias dos respectivos órgãos colegiados.

Cumpre destacar que a Comissão da OAB/DF atinente aos Tribunais Superiores, presidida pelos advogados Tiago Conde e Ariane Guimarães, debateu os problemas relacionados à matéria com a presença de advogados e procuradores da Fazenda Nacional, os quais renderam soluções relevantes e que provavelmente aperfeiçoaram o sistema estabelecido pelo STJ em meio a pandemia.

O primeiro aspecto procedimental que merece destaque é a ausência da definição de um critério normativo que permitirá distinguir qual(is) caso(s) serão apreciados ou não pelo julgamento virtual. Isto é: qual é o motivo pelo qual processos envolvendo controvérsias idênticas podem ser submetidos a uma ou a outra sistemática de julgamento?

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A consequência prática da ausência de definição dos critérios é o fato de as partes ficarem ao arbítrio e discricionariedade dos Ministros Relatores, que poderão indicar o julgamento dos processos tanto para o meio virtual, como para o meio presencial/videoconferência/híbrido.

Vale lembrar que é permitido às partes o requerimento de retirada da pauta virtual, no entanto, condicionada ao deferimento de algum dos Ministros que compõem o colegiado virtual.

Veja-se, por exemplo, a diferença da sistemática adotada pelos Ministros da Primeira e Segunda Turma: enquanto naquela os Ministros optaram por incluir a maioria absoluta dos recursos na pauta virtual, nesta ainda há um número expressivo de recursos sendo julgados em âmbito não virtual. A diferenciação que muito se relaciona à gestão processual e técnica de julgamento dos colegiados, acaba por afetar as partes - que nunca saberão exatamente a qual tipo de julgamento seu processo será submetido, gerando incerteza no procedimento.

O estabelecimento de um critério unificador dos processos que deverão ser avaliados por meio do julgamento virtual se faz importante para fins procedimentais, à luz da diferenciação dos prazos para pedidos de preferência e realização de sustentação oral (art. 937, § 3º, CPC/2015[1]) entre as sistemáticas (arts. 158 e 184-D, § único, II, do Regimento Interno do STJ[2]).

Outro fator relevante que merece a atenção da Corte no que toca ao aperfeiçoamento dos julgamentos virtuais é a absoluta falta de publicidade no decorrer do decurso da sessão. Passados mais de dois anos da ampliação da utilização dessa sistemática pelo tribunal, especialmente em razão da pandemia advinda do coronavírus (COVID-19), não há qualquer possibilidade de as partes terem acesso: (i) ao relatório; (ii) ao teor do voto do Relator; (iii) se houve voto divergente ou convergente; (iv) se há indicação de pedido de vista ou; (v) o Ministro que indicou a retirada de pauta ou realizou pedido de destaque.

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Tais informações são imprescindíveis para que se tenha a correta prestação jurisdicional e a devida garantia ao cidadão da publicidade e transparência dos atos do Poder Judiciário (art. 5º, LX, da CF/88).

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E nem que se diga que o expediente é impraticável, pois desde abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal já possui a previsão de disponibilizar tais esclarecimentos em seu sítio eletrônico (art. 2º, § 2º, da Resolução STF nº 642/2019[3], redação dada pela Resolução STF nº 675/2020).

O dever de cooperação nacional entre os órgãos do Poder Judiciário (art. 67 do CPC/2015) é motivo suficiente para que o STJ já tivesse se mobilizado com relação à atualização do julgamento praticado em ambiente virtual no tribunal, até mesmo por meio de diálogo com a Corte Suprema e o CNJ (art. 196 do CPC/2015).

Inócua, portanto, a citada previsão contida no art. 184-B do RISTJ[4], pois a indisponibilidade dos relatórios e votos às partes e seus advogados gera uma deficiência em seu amplo exercício do direito de defesa, ante a impossibilidade de esclarecer fatos ou levantar questão de ordem - prerrogativas legais de todo e qualquer julgamento.

Quanto ao dispositivo mencionado, imprescindível que a sistemática seja aperfeiçoada para que se cumpra a exigência de que se conheça de forma clara e expressa o posicionamento de cada membro do colegiado e as razões pelas quais o processo será decidido, sob pena de malferimento do próprio art. 93, IX, da CF/88, que estabelece a obrigatória publicidade e fundamentação de todas as decisões, sob pena de nulidade, sendo que a limitação da presença dos advogados deverá ser feita mediante lei (e não dispositivo regimental).

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Além disso, entendemos que as disfunções elencadas acima provocam inclusive inconsistências no princípio da colegialidade, tendo em vista que o debate real entre os Ministros deixa de ser fomentado e a possibilidade de se realizar "distinguishings" pelas partes se torna praticamente inviável, até por conta do volume acachapante de processos submetidos a julgamento pela Corte da Cidadania.

Por fim, cabe ressaltar que os próprios ministros do STJ já se queixaram acerca da eficiência e confiabilidade dos julgamentos virtuais realizados pelo Tribunal, conforme alertado pela Min. Nancy Andrighi em recente sessão da 3ª Turma, ocasião na qual a ministra comunicou o "desaparecimento" de mais de 270 votos de casos que estavam pautados para julgamento virtual.[5]

A constante busca pela melhora na técnica de julgamentos virtuais é alicerce para que se possa garantir segurança jurídica e democratização do exercício da jurisdição no âmbito do STJ - premissas que há muito deveriam estar consolidadas na Corte Cidadã.

*Thabitta Rocha é sócia do Mauler Advogados

*Paulo Boechat Torres é advogado do Mauler Advogados

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[1] "Art. 937. (...) § 3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga."

[2] "Art. 158. O pedido de sustentação oral deverá ser requerido à coordenadoria do órgão julgador:

I - até dois dias úteis após a publicação da pauta, com preferência sobre as demais sustentações, respeitada a ordem de inscrição, e sem prejuízo das preferências legais e regimentais;

II - ainda que ultrapassado o prazo previsto no inciso anterior, o pedido de sustentação oral poderá ser feito até o início da sessão."

"Art. 184-D. (...) Parágrafo único. A pauta será publicada no Diário da Justiça eletrônico

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cinco dias úteis antes do início da sessão de julgamento virtual, prazo no qual:

(...) II - as partes, por meio de advogado devidamente constituído, bem como o Ministério Público e os defensores públicos poderão apresentar memoriais e, de forma fundamentada, manifestar oposição ao julgamento virtual ou solicitar sustentação oral, observado o disposto no art. 159."

[3] Art. 2º. (...) § 2º O relatório e os votos inseridos no ambiente virtual serão disponibilizados no sítio eletrônico do STF durante a sessão de julgamento virtual."

[4] "Art. 184-B. As sessões virtuais devem estar disponíveis para acesso às partes, a seus advogados, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público na página do Superior Tribunal de Justiça na internet, mediante identificação eletrônica."

[5] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/363219/ministros-reclamam-de-incompetencia-tecnica-da-informatica-do-stj. Acesso em: 19/04/2022.

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