A Justiça Federal de São Paulo rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva do Exército Audir Santos Maciel e o suboficial da reserva Carlos Setembrino da Silveira por participação na morte do jornalista Elson Costa, ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), na ditadura militar.
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A decisãoA juíza Andreia Costa Moruzzi, da 1.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, entendeu que vale para o caso o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal ao determinar a anistia dos crimes políticos cometidos no período da repressão.
"A instância máxima do Judiciário brasileiro reforçou o entendimento de que a Lei de Anistia foi recepcionada pelo ordenamento constitucional e encontra-se plena em eficácia e validade", diz um trecho da sentença.
Ao formalizar a denúncia, por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver, o Ministério Público Federal argumentou que não caberia prescrição ou anistia ao caso. Isso porque, segundo argumenta a Procuradoria, os fatos denunciados se deram em um contato de crimes contra a humanidade, que não são passíveis de prescrição, e os prazos permanecem em aberto uma vez que o corpo do jornalista nunca foi encontrado.
No entanto, na avaliação da magistrada, o MPF tentou 'contornar' a Lei da Anistia. "Não se trata, aqui, de acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo, elevado, da sensação de "impunidade" àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão", observou a juíza.
Entenda o caso
Elson Costa fazia parte do setor de agitação e propaganda do PCB e trabalhava na produção e distribuição da Voz Operária, jornal do partido. De acordo com o Ministério Público, em razão da atuação, o jornalista era 'constantemente monitorado' pelo regime militar.
Ele foi preso na manhã de 15 de janeiro de 1975, enquanto tomava café em um bar do lado de casa, no bairro Santo Amaro, no sul da capital paulista, e levado para a Casa de Itapevi, na região metropolitana de São Paulo, onde funcionava um dos centros clandestinos da repressão da ditadura. No endereço isolado, antes ocupado por um bordel, o militante de esquerda foi submetido a sessões de tortura durante 20 dias, até ser morto pelas mãos dos militares.
Segundo a investigação, com participação dos agentes denunciados, o jornalista foi morto com injeção para matar cavalos, teve o corpo incinerado, esquartejado e jogado no rio Novo, em Avaré, no interior paulista. Detalhes do caso foram contados pelo jornalista Marcelo Godoy, do Estadão, no livro A Casa da Vovó, citado na denúncia do Ministério Público Federal.
"Maciel comandava o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, uma das unidades que coordenavam a perseguição aos comunistas. Setembrino, além de integrar a equipe de buscas da unidade sob a chefia do capitão Dalmo Cirillo, era um dos responsáveis pelo funcionamento da Casa de Itapevi, também conhecida como Boate Querosene. O imóvel, que pertencia a seu irmão, situava-se em uma área afastada, sem vizinhos que pudessem testemunhar os abusos cometidos contra as vítimas", afirma o procurador Andrey Borges de Mendonça, responsável pelo caso.
As circunstâncias da morte do jornalista só começaram a ser remontadas mais de duas décadas após sua prisão, na esteira de informações prestadas pelo ex-analista de informações do DOI-Codi, Marival Dias Chaves do Canto, que em entrevista à revista Veja, em 1992, revelou detalhes sobre as atividades em Itapevi. O depoimento do militar foi colhido pelo Ministério Público Federal em novembro de 2019.