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Juíza diz que 'direitos das mulheres vêm sendo sistematicamente violados' e condena Amazonas a pagar indenização de R$ 1 milhão por violência obstétrica

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Por Pepita Ortega
Atualização:

Atualizada às 8h20*

Grávida. Foto: Pixabay

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A juíza Raffaela Cassia de Sousa, da 3ª Vara Federal Cível do Amazonas condenou o Estado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos de R$ 1 milhão no âmbito de ação movida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado por violência obstétrica sofrida por mulheres grávidas, puérperas e em situação de abortamento nas maternidades públicas do Amazonas. A magistrada ainda condenou o governo a adotar uma série de medidas, incluindo ordem para que o Estado garanta que todos os profissionais que atendam na rede estadual de saúde do Amazonas pautem suas atuações em protocolos e diretrizes mais benéficas para o resguardo da saúde da mulher, e passem por atualizações anuais à luz das normas que regem a humanização do parto.

O despacho foi emitido no último dia 21, em razão de o Estado não ter comprovado o cumprimento de item de acordo fechado entre a Promotoria, a Procuradoria e o Estado, no sentido de que o Executivo inserisse em editais e contratações relativas à ginecologia e obstetrícia medidas de prevenção e apuração de violência obstétrica.

"Não obstante as normas protetivas à maternidade e às condições apropriadas para as gestantes, parturientes e após o parto, os relatos contidos na inicial do MPF e do MP-AM e nas manifestações da Associação Humaniza a título de amicus curiae demostram que os direitos das mulheres vêm sendo sistematicamente violados. Diante disso, o Poder Judiciário, com base no direito de amplo acesso à justiça previsto no art. 5º, XXXV da norma constitucional e com fundamento nas normas internacionais, não pode se manter inerte", ponderou a magistrada.

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Quanto à União, a magistrada homologou definitivamente o acordo firmado em audiência de conciliação, que previa a reavaliação das maternidades do Amazonas, sob o entendimento de que houve a comprovação do cumprimento do acerto.

A ação civil pública foi apresentada à Justiça com o objetivo de 'compelir o Estado do Amazonas e a União a garantirem a observância de normas relacionadas à humanização do parto e nascimento por todos os profissionais que atuem em maternidades da rede estadual de saúde'. No âmbito do processo, foi celebrado um acordo estabelecendo medidas a serem cumpridas pelos governos federal e estadual.

No entanto, a Promotoria e a Procuradoria voltaram a acionar o Judiciário alegando que 'as mulheres seguem morrendo no Estado do Amazonas em razão da não adoção de protocolos básicos de atendimento ao parto' e destacando que '1.495 mulheres foram a óbito, no ano de 2020, ao longo do estado gravídico e puerperal, enquanto nos anos de 2018 e 2019 os óbitos atingiram 1.222 e 1.261 vítimas, respectivamente'.

Em sua decisão, a juíza Raffaela Cassia de Sousa destacou que as situações de violência contra a mulher, seja a gestante, a parturiente ou após o parto, 'são repudiadas pelo ordenamento jurídico nacional e pela Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, conhecida como CEDAW'. "A CEDAW prevê, expressamente, que o Estado deve garantir à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto", registrou.

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A magistrada chegou até a reproduzir um trecho de relato de uma mulher que sofreu violência obstétrica, destacando que o depoimento 'demonstra como o momento do parto, que deveria ser de destaque para a gestante e seu bebê, pode se tornar extremamente doloroso quando a mulher é vítima de atos relacionados à violência obstétrica'.

"(..) Eu pedia que eles fizessem algo, porque já eram 12h de trabalho de parto. Eu temia pela vida do bebê, porém somente às 10:40h eu fui levada para o andar onde ocorrem os partos, já quase sem forças. As contrações estavam tão fortes que eu já nem respondia as perguntas. Insisti tanto para ser examinada, repetindo que meu filho ia nascer ali mesmo, que um médico veio com raiva e realizou o 4º toque e constatou que realmente o meu filho iria nascer. Foi ele mesmo que estourou a bolsa com a própria mão. Meu sofrimento ainda não tinha acabado", diz trecho do depoimento reproduzido nos autos.

 Foto: Reprodução

Outras medidas ordenadas por Raffaela

Além das medidas já mencionadas, o despacho da juíza Raffaela Cassia de Sousa também condenou o Estado a garantir que os profissionais que, sem justificativa idônea e devidamente registrada, tenham atuado em desconformidade com as normas e protocolos do CONITEC e do CFM ao tratarem mulheres grávidas e puerpéras e cuja conduta tenha sido objeto de denúncia administrativa, tenham seus atos apurados e, se for o caso, sejam afastados do exercício das atividades na rede pública de saúde.

A sentença ainda ordena que seja garantido o funcionamento, em tempo integral, de ouvidorias e/ou mecanismos de recebimento de denúncias de violência obstétrica, e, ainda que todas as denúncias recebidas pela Secretaria Estadual de Saúde sejam finalizadas em tempo oportuno.

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A juíza ainda determinou que o Estado apresentou ao juízo, em até três meses, uma série de informações e documentos, entre eles 'contratos que disponham de cláusulas claras e explícitas quanto à obrigatória atualização profissional e quanto à observância das normas técnicas definidas pela CONITEC como diretrizes para a atenção à parturiente e abortante no Sistema Único de Saúde, estabelecendo mecanismos para a intervenção e eventual afastamento, por parte do Estado, de profissionais que não atuem de acordo com o preconizado nas normas e diretrizes nacionais de humanização hoje vigentes, excetuados casos de disponham da oportuna e idônea justificativa, devidamente registrada em prontuário'.

Ainda de acordo com a sentença, caso haja negativa de assinatura de contratos nos moldes citados, o Estado deverá apresentar um plano voltado ao lançamento de edital nacional para a contratação de profissionais ou para a realização de concurso público para substituir profissionais contratados que não se coadunem com as diretrizes de humanização do parto vigentes.

A magistrada ainda determinou que seja apresentado um planejamento que garanta a possibilidade de recebimento, 24h por dia (podendo ocorrer por meio online), de denúncias e solicitações dos usuários dos serviços na rede pública do Amazonas, com definição de número de protocolo que permita o acompanhamento da queixa até sua derradeira avaliação pela administração pública.

Também deverão ser apresentados meios que garantam que as denúncias recebidas contra profissionais que atuam no atendimento à mulher em estado gravídico, puerperal ou em situação de abortamento, tanto via ouvidoria ou por outros modos, sejam apuradas e respondidas em tempo razoável.

COM A PALAVRA, O ESTADO

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A Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) tem atuado no combate à violência obstétrica nas maternidades do Estado, no sentido de esclarecer usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e servidores sobre os direitos da gestante durante o pré-natal, parto e puerpério. Além disso, fortaleceu Ouvidorias para acolher as demandas dos usuários e realizar, em tempo hábil, os devidos encaminhamentos e providências.

Diante da pandemia de covid-19, a SES-AM manteve seu compromisso de reduzir a violência obstétrica e garantir atendimento humanizado e resolutivo para as gestantes e puérperas, por meio de ações como a conscientização sobre violência obstétricas nas maternidades a partir da distribuição de folders informativos e da divulgação da Lei nº 4.848/2019 que dispõe sobre a implantação de medidas contra a violência obstétrica nas redes pública e particular de saúde.

Também foi realizado um evento com a presença do secretário de Estado, Ministério Público Estadual, Assembleia Legislativa, Defensoria Pública, Rede Humaniza e Secretaria Municipal de Saúde (Semsa Manaus), para firmar o ''Pacto pelo Parto sem Violência'' nas maternidades da capital do Estado.

A SES-AM ainda realizou a organização do Curso de Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento e qualificação dos profissionais das maternidades da capital e unidades do interior, em parceria com a Telessaúde; acolhimento e classificação de risco (ACR); Construção Protocolo de Acesso Pré-Natal de Alto Risco; organização da assistência obstétrica e neonatal e regulação de leitos obstétricos e neonatais para o enfretamento a covid-19, além da revisão, em curso, dos contratos das Cooperativas que atuam em Maternidades, além de outras ações.

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