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Juíza condena dono de flat e imobiliária por barrarem artista trans

Leila Hassem da Ponte, da 25ª Vara Cível de São Paulo determinou que Roberto Corra, proprietário de imóvel que seria alugado por Lady Chokey, pague indenização de R$ 10 mil por ter deixado de assinar contrato por causa da identidade de gênero da moça; em áudio ele disse que ‘não queria que o flat fosse alugado para um travesti’

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Por Pepita Ortega
Atualização:

 Foto: Pixabay

A juíza Leila Hassem da Ponte, da 25ª Vara Cível de São Paulo, condenou nesta quinta, 27, a imobiliária RC Flats e o proprietário de um flat Roberto Corra a indenizar em R$ 10 mil a artista trans Lady Chokey, que teve o contrato de locação cancelado um dia após se instalar no imóvel em razão de sua identidade de gênero. A magistrada entendeu que Corra 'violou a honra e a imagem' da moça, destacando que o proprietário do imóvel disse em áudios que 'não queria que o flat fosse alugado para um travesti'.

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"A necessidade da autora de se retirar do flat não se tratou de mero dissabor, pois ofendeu a sua honra, destacando o fato que tudo se deu em razão de sua orientação sexual, ato discriminatório que ofende o princípio da dignidade da pessoa humana", escreveu Leila na sentença.

A decisão da juíza acolheu parcialmente os pedidos da artista Lady Chokey. Ela relatou à Justiça que assinou contrato de locação do flat de Roberto Corra, com intermediação da imobiliária RC Flats, mediante depósito de R$ 7 mil e assinatura de nota promissória de R$ 10 mil para fins de garantia. No entanto, um dia após ter se mudado, recebeu a notícia de que o proprietário não iria mais assinar o contrato e que seu dinheiro seria devolvido.

Lady Chokey alegou que o fato foi motivado por 'preconceito de caráter 'homofóbico', 'transfóbico' e 'gordofóbico'' e pediu à Justiça que condenasse o proprietário do flat e a imobiliária a arcarem com as despesas de hospedagem que teve até que encontrasse um novo imóvel, além pagarem R$ 5 mil pela rescisão antecipada do contrato e R$ 300 mil por danos morais.

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Defesa

Citada, a imobiliária RC Flats alegou que o corretor que cuidou do caso de Lady Chokey mantiveram conversas amistosas e que o mesmo teria se disposto a pagar os gastos da moça e lhe apresentar outras opções de imóveis. A empresa defendeu ainda que não praticou qualquer ato preconceituoso e que não teve participação da decisão do proprietário do flat.

Já Roberto Corra argumentou que não teve contato com Lady Chokey, que não tinha informação sobre 'suas características ou orientação sexual' e que não houve 'prática de qualquer ato preconceituoso'. O proprietário do flat sustentou que o corretor da imobiliária realizou o depósito antecipado dos valores, sem contrato de locação e laudo de vistoria e que, na 'ausência de resolução acerca das questões documentais, informou que o acordo seria desfeito e haveria devolução dos valores depositados'. Corra disse ainda que foi 'benevolente, permitindo que a autora pernoitasse por um dia no flat'.

Decisão

Ao analisar o caso, a juíza Leila Hassem da Ponte destacou que era incontroverso que o contrato deixou de ser assinado por causa da identidade de gênero de Lady Chokey. A magistrada destacou áudio em que Corra diz que 'não queria que o flat fosse alugado para um travesti'.

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"Ademais, o corréu generaliza a pessoa da autora, moldando seu caráter por fatos ocasionados por outras pessoas que anteriormente haviam locado o flat, conforme se pode observar da frase: 'já tivemos problemas com travestis antes'", pontuou ainda a juíza.

Analisando os áudios, a magistrada registrou ainda que Corra 'já possuía prévio conhecimento' acerca de Lady Chockey, inclusive citando seu nome.

Leila destacou que ficou comprovada a 'conduta reprovável de Roberto Corra, que violou a honra e a imagem' de Lady Chokey.

Em sua decisão a magistrada lembrou ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a homotransfobia é crime e registrou: "a livre manifestação do pensamento e de informação não podem ser censurados, porém desde que não fira direitos e garantias individuais dos cidadãos, a ensejar indenização".

Com relação à imobiliária, a magistrada ponderou que, apesar do processo ter sido motivado pela conduta de Corra, caso a RC Flats 'tivesse providenciado a assinatura do contrato, realizado o laudo de vistoria e obtido autorização prévia do proprietário, antes de permitir a entrada da autora no imóvel, os fatos não teriam se desencadeados da forma como ocorreram'.

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Já os pedidos de indenização por danos materiais, referente às despesas de hospedagem que Lady Chokey teve até que encontrasse um novo imóvel, e de pagamento de multa contratual, a juíza Leila considerou improcedentes, uma vez que o proprietário do imóvel não assinou o contrato de locação e que, desta maneira, 'não foi dado início ao negócio jurídico entre as partes'.

"E, uma vez inexistindo negócio jurídico, não há obrigação da parte ré de pagar à parte autora o valor da rescisão contratual - já que não houve contrato - estipulada em suas cláusulas", escreveu a juíza na sentença.

COM A PALAVRA, LADY CHOCKEY

"Justiça foi feita. Que o meu caso sirva de exemplo para outras vítimas de preconceito serem motivadas a defender a sua honra".

COM A PALAVRA, A DEFESA DE ROBERTO CARRO

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A reportagem busca contato com os advogados do dono do flat. O espaço está aberto para manifestações.

COM A PALAVRA, A RC FLATS

A reportagem busca contato com a imobiliária. O espaço está aberto para manifestações.

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