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Juiz vê racismo estrutural e condena mercado por segurança que abordou mulher negra por achar que ela pedia esmola

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Por Redação
Atualização:
Dia da Consciência Negra de 2020 foi marcado por protestos pela morte de João Alberto, homem negro brutalmente assassinado por seguranças de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre. Foto: Diego Vara/ Reuters

O juiz Sergio Martins Barbatto Júnior, da 4ª Vara Cível de Votuporanga, condenou um supermercado da cidade no interior paulista a indenizar por danos morais uma mulher negra em razão de uma abordagem que ocorreu no estacionamento do estabelecimento. A moça aguardava seu pai quando o segurança da empresa disse que ela estaria pedindo esmola e pediu que se retirasse do local. A mulher tentou explicar que aguardava a carona, mas, diante da insistência do funcionário, deixou o estacionamento e foi para a rua.

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Ao analisar o caso, Martins Barbatto Júnior apontou que não houve uma atitude da autora que tenha ensejado a abordagem, ou então o fato teria sido gravado pelas câmeras de segurança. "A atuação do preposto do mercado se deu como antecipação de um possível problema. Nesse sentido, a grande questão deste caso em concreto é: por que o funcionário teria desconfiado da autora?", escreveu ele.

"O juízo que o funcionário fez da requerente e que o leva a antecipar um problema inexistente, reflete, neste particular, um preconceito profundamente enraizado na sociedade brasileira, histórico, autofágico, construído da escravidão em diante", ponderou.

As informações foram divulgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nesta sexta, 20, dia da Consciência Negra. Neste ano, a data foi marcada por protestos pelo brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos que espancado e morto por dois homens brancos em uma unidade do supermercado Carrefour no bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Racismo estrutural

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Ao condenar o mercado de Votuporanga, o juiz Sergio Martins Barbatto Júnior registrou que ao abordar a mulher negra, o funcionário não foi agressivo ou usou de violência, mas agiu 'achando que estava fazendo o correto ao zelar pelos consumidores e clientes do local'.

"O que sequer ele percebeu é que dava vazão a um preconceito social tão enraizado e esperado, tão reiterado, que tornou-o, uma pessoa que certamente seria vítima em outras situações, também em agressor", completou o magistrado.

O juiz lembrou o dever do estabelecimento zelar pelos clientes e ressaltou que a ação da segurança se inseriu no conceito de racismo estrutural, que parte da compreensão de que o racismo seria elemento constituinte da política e da economia dos Estados, uma forma de discriminação sistemática, não se tratando de atos isolados mas de um fator estrutural que organiza as relações sociais, econômicas e políticas'.

"Trata-se de reconhecer-se, na estrutura do mercado, um específico viés que, em concreto, neste caso, pelas circunstâncias apuradas, reforça estereótipos e agrava uma diferenciação indevida. Toda abordagem deve ser feita com base em circunstâncias tais, objetivas, que não se vinculem a preconceitos e estereótipos sociais, de forma inclusive a quebra-los, a reverte-los. Neste caso em concreto, por ter sido a autora confundida com alguém pedindo esmolas, sem qualquer indício de que o fazia, e sem que tenha tomado qualquer atitude suspeita de importunação aos outros clientes a justificar a abordagem, tenho que é cabível dano moral", concluiu o juiz.

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