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Juiz determina intimação e autoriza condução coercitiva de advogado para depor na CPI da Covid

Marcos Tolentino, amigo do líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), é suspeito de ser o verdadeiro dono de empresa que concedeu garantia de R$ 80,7 milhões da vacina Covaxin

Por Julia Affonso/BRASÍLIA e Pepita Ortega/SÃO PAULO
Atualização:

Atualizada às 17h16*

CPI da Covid em reunião que definiu presidente, vice e relator Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

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O juiz Francisco Codevila, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, acolheu um pedido do presidente da CPI da Covid, Omar Aziz, e determinou, na noite desta segunda-feira, 12, a intimação do advogado e empresário Marcos Tolentino da Silva, para que ele compareça a depoimento perante o colegiado nesta terça-feira, 14, às 9h30. O magistrado ainda autorizou a condução coercitiva do advogado, caso ele deixe de comparecer à oitiva 'sem a devida justificativa'.

A audiência para ouvir Tolentino estava marcada para o começo de setembro. Ele não compareceu, sob alegação de que havia sido internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, com "formigamento no corpo".

Tolentino é advogado e empresário. Ele é dono da Rede Brasil de Televisão e amigo o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), investigado pela CPI.

Ao acionar a Justiça Federal do DF, solicitando não só a autorização para condução coercitiva de Tolentino, mas também medidas como a apreensão de seu passaporte, Aziz apontou que o empresário não teria justificado a ausência na CPI da Covid. Além disso, o senador qualificou como 'evasivos' os atos anteriores do advogado. De acordo com o presidente da CPI da Covid, Toletino estava amparado por um a habeas corpus deferido pelo Supremo Tribunal Federal, ordem que o autorizava a permanecer em silêncio no depoimento ao colegiado. Depois que faltou à sessão prevista para sua oitiva, pediu à corte máxima para não comparecer à CPI.

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Em sua decisão, Codevila apontou que embora tenha sido assegurado ao empresário o direito de permanecer em silêncio, 'o atendimento à convocação para depor perante a CPI não configura mera liberalidade, mas obrigação imposta a todo cidadão'. "Uma vez convocada a testemunha, tem ela o dever de comparecimento e de observância dos trâmites legais inerentes à convocação, sob pena de frustrar ou dificultar as atividades investigativas da Comissão Parlamentar de Inquérito", registrou.

Quanto ao caso específico de Toleltino, o juiz considerou que a conduta do advogado de não comunicar a CPI o motivo que levou a sua ausência na primeira data designada para seu depoimento 'se revelou como evasiva e não justificada'. "Em vista deste cenário, sem adentrar ao mérito quanto à aceitação, ou não, de eventual justificativa apresentada pela testemunha à CPI, reputo adequadas as providências solicitadas no sentido de que seja providenciada a intimação judicial e, na hipótese de não comparecimento, a condução coercitiva da testemunha", ponderou o magistrado.

A ordem dada por Codevila, de eventual condução coercitiva de Toletino, diz respeito a um possível não comparecimento à CPI da Covid, 'sem a devida justificativa'. Já na hipótese de ausência com justificativa, o juiz indicou que caberá ao colegiado avaliar a razoabilidade dos motivos apresentados antes de deliberar pela conveniência da condução coercitiva já autorizada.

Ainda de acordo com o magistrado, em caso de não comparecimento injustificado ao depoimento, Toletino ficará sujeito à aplicação de sanções previstas no Código de Processo Penal, como imposição de multa, condenação ao pagamento das custas da diligência e eventual persecução pelo delito de desobediência.

Os senadores querem entender o papel de Tolentino no FIB Bank e na negociação da Covaxin junto ao Ministério da Saúde. Ele é suspeito de ser sócio oculto do Fib Bank. A empresa que concedeu uma garantia financeira de R$ 80,7 milhões à Precisa Medicamentos no contrato da vacina indiana Covaxin.

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O Fib Bank Garantia de Fiança Fidejussória tem nome de banco (bank, em inglês), mas não tem autorização do Banco Central para funcionar como instituição financeira. A atividade principal da empresa, registrada junto à Receita Federal, é "consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica".

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A garantia do Fib Bank, apresentada pela Precisa, é considerada irregular pela CPI da Covid em pelo menos dois pontos. Um deles é que o documento foi emitido em 17 de março deste ano. Isso aconteceu fora do prazo estipulado no contrato para compra de 20 milhões de doses do imunizante por R$ 1,6 bilhão. O acordo fechado em 25 de fevereiro previa que a garantia de 5% do valor total do contrato seria enviada à Saúde em até 10 dias após a assinatura - 7 de março. A pasta rescindiu o contrato da Covaxin em 26 de agosto por suspeitas de falsificação de documentos entregues pela Precisa.

Outra suposta irregularidade é que a fiança também não poderia ter sido aceito pela Saúde, segundo a CPI. Em contratos da administração pública, o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) é que a garantia tem de ser emitida obrigatoriamente por instituição financeira ou banco regulado pelo BC. Esse não é o caso do FIB Bank. A Corte rejeitou, em 2019, a carta-fiança de uma empresa vencedora de uma licitação de compra de fardamento pelo Exército por esse motivo.

Coaf viu inconsistências no Fib Bank, que deu fiança à Precisa

O Fib Bank é uma empresa registrada na cidade de Barueri (SP), segundo dados da Receita Federal. O capital social é de R$ 7,5 bilhões, integralizados em dois terrenos, um em São Paulo e outro na cidade de Castro, no Paraná. Tanto o capital social quanto o valor dos terrenos geraram desconfiança perante os senadores da CPI da Covid.

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Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que está com a CPI da Covid, aponta que os terrenos são divididos entre as empresas MB Guassu Administradora (R$ 7,2 bilhões) e Pico do Juazeiro (R$ 300 milhões). Segundo o órgão de inteligência financeira, um dos sócios da MB Guassu é um representante comercial e outro morreu em 21 de agosto de 2017, "mas continua ainda citado na sociedade".

"Não parece lógico, uma empresa deste porte, com R$ 7,2 bilhões de capital integralizado na Fib Bank possuir no quadro societário um representante comercial e um falecido", afirmou o Coaf.

O documento do órgão também fez registros em relação à atuação da Pico do Juazeiro. "Inicialmente chamou atenção o sócio Pico do Juazeiro, com participação de R$ 300 milhões", apontou o relatório. "Trata-se de um cliente em análise dentro da instituição por supostas operações irregulares."

O endereço da Pico Do Juazeiro, registrado na Receita Federal, é o mesmo das empresas Brasil em Rede e TTV Shop Show Publicidade Propaganda, das quais Marcos Tolentino é sócio. Ambas ficam na rua Francisco Rocha, no bairro do Batel, em Curitiba. A MB Guassu, segundo dados da Receita, está registrada no mesmo andar do mesmo edifício onde fica o escritório de advocacia de Tolentino, no bairro de Indianópolis, em São Paulo.

Em depoimento à CPI, em 25 de agosto, o diretor do Fib Bank Roberto Pereira Ramos Júnior disse que Tolentino é procurador da Pico do Juazeiro. O diretor negou que o amigo de Ricardo Barros seja sócio da garantidora da Covaxin.

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Fib Bank é investigado em São Paulo

O Coaf analisou, no relatório, uma movimentação de cerca de R$ 27 milhões do Fib Bank entre 16 de julho de 2019 e 27 de maio deste ano. O documento registrou que um dos depósitos à Fib Bank, no valor de R$ 9,4 milhões, foi feito pela empresa Oregon Comércio de Embalagem, registrada em Santo André e em Guarulhos, cidades da região metropolitana da capital paulista.

A Oregon é investigada pela Secretaria estadual da Fazenda de São Paulo. A Delegacia Regional Tributária de Guarulhos abriu, em 1 de julho, um procedimento administrativo para apurar se a companhia é fantasma. A empresa foi chamada a se defender. Se for condenada, suas inscrições estaduais de empresa serão cassadas.

"Após diligências aos endereços do estabelecimento e análises fiscais, constatou-se a ocorrência de simulação de existência do estabelecimento ou da empresa", apontou o registro da secretaria.

O Ministério da Saúde informou "que o processo de eventual aplicação de sanções à Precisa, no caso Covaxin, está em andamento".

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O sócio da Oregon Comércio de Embalagem não foi localizado.

Advogado de Tolentino diz que cliente nunca se negou a depor na CPI da Covid

O advogado Hazenclever Lopes Cancado, que defende Marcos Tolentino, disse ao Estadão que o empresário nunca se negou a falar à CPI e que vai prestar depoimento nesta terça. Segundo a defesa, ele será acompanhado por médicos durante a audiência.

"Não foi uma ausência injustificada", afirmou a defesa, referindo-se à oitiva do início do mês. "Ele informou à CPI sobre a ausência dele com antecedência."

Cancado declarou que o empresário deu entrada no Sírio com baixo nível de potássio e risco de infarto. A defesa afirmou que Tolentino sofre com consequências da covid após ter ficado 64 dias internado entre fevereiro e abril deste ano.

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"Em todo esse período da possível negociação da Precisa com a Covaxin, ele estava intubado no Sírio", afirmou.

De acordo com Cancado, o empresário não é sócio oculto do Fib Bank.

"Isso não existe. É uma fantasia que eles (senadores) criaram e estão insistindo nessa fantasia. Se ele fosse sócio, ele teria assumido", disse.

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