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Juiz de garantia, uma história vivida

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Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Atualização:
Wálter Fanganiello Maierovitch. Foto: Divulgação

O nosso vigente Código de Processo Penal foi publicado em 13 dezembro de 1941, à época da ditadura Vargas (1937 a 1945).

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A violenta polícia política de Vargas nunca deu bola prá esse código processual e garantias inexistiam para os suspeitos de atentarem contra o Estado Novo.

Valia, e a nossa história conta, o terrorismo de Estado, sob comando de Filinto Muller, de triste memória.

O código processual penal, portanto, era para reger os processos por crimes comuns. Assim mesmo, o responsável pela sua elaboração, o jurista e ministro da Justiça Francisco Campos, buscou inspiração no apelidado Código de mármore, ou seja, na lei processual penal italiana do tempo fascista.

O jurista napolitano Alfredo Rocco, como ministro de Graça e Justiça de Mussolini, foi o artífice da lei criminal material italiana e, também, da processual penal. Essa última permaneceu em vigor até o final de 1988, quando se modernizou e humanizou. Restou substituída pelo chamado código Pisapia.

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O nosso Código de processo penal ainda está de pé. Mas e infelizmente, ele virou uma colcha de retalhos por aditamentos ao sabor de ventos populistas ou de furor político-ideológico, ambos comprometedores da organicidade.

Francisco Campos, que pela sua vasta cultura havia ganhado o carinhoso apelido de Chico Ciência, explicou longamente, na exposição de motivos ao código, a razão da não adoção do sistema conhecido na Europa como "juizado de instrução". Nele, o juiz iniciava a apuração, colhia as provas, presidia toda a instrução e sentenciava. No popular, era um "faz tudo". Pior e em muitos casos, procurava justificar a sua atuação persecutória com uma sentença de condenação. Na Europa, muitos juízes de instrução foram removidos por condutas abusivas, a lembrar o inquisidor Tomás de Torquemada (1420-1498).

Com originalidade, Francisco Campos criou a figura do inquérito policial. De modelo inquisitivo e sem contraditório. O inquérito seria instaurado e presidido por um delegado de polícia judiciária, pertencente aos quadros do poder Executivo e não do Judiciário. Ao presidente do inquérito cabia investigar a autoria e recolher a prova da materialidade do delito.

Como se nota, Francisco Campos, com inegável acerto, deixou o juiz distante da atuação investigatória, até para não formar convencimento precipitado, fora da fase processual e do momento procedimental adequado.

O modelo de juiz de instrução encontra-se superado. Na legislação italiana, por exemplo, a atividade persecutória extraprocessual compete à magistratura do Ministério Público e não à magistratura judicante. Embora a magistratura peninsular seja única, as funções são separadas e independentes. Não há promiscuidade.

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Formado na chamada Escola de Direito Processual Civil de São Paulo, - também conhecida por Escola Paulista de Processo-, criada com o exílio no Brasil do jurista Enrico Túlio Liebman ( fugiu da perseguição fascista aos judeus italianos), o jurista e desembargador Bruno Affonso André, quando presidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, concebeu e mandou instalar, no Fórum central da Capital paulista, o Departamento de Inquérito Policiais (DIPO) e Corregedoria da Polícia Judiciária.

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O juiz do DIPO era designado pelo Conselho Superior da Magistratura. Parêntese: tive a honra, por indicação do presidente Bruno Affonso André, de ter sido o segundo juiz do DIPO. Coube ao então juiz Luiz Carlos Ribeiro dos Santos, como juiz-auxiliar da Presidencia, o mérito de realizar a sua implantação e dar vida a esse revolucionário e evoluído sistema de Justiça criminal.

Logo depois da minha designação, fui convocado para comparecer ao gabinete do presidente. Como havia sido juiz na Comarca de Monte Alto, terra natal do presidente Bruno Affonso André, o conhecia bem e me sentia merecedor da sua confiança. O presidente, que era direto, ressaltou ser o juiz do DIPO "um garante da sociedade e do suspeito ou indiciado no inquérito".

Até o oferecimento da denúncia criminal pelo Ministério Público ou a queixa-crime pelo querelante, competia ao juiz do DIPO apreciar as representações da autoridade policial ou do ministério público sobre as prisões cautelares.

Todos os autos de prisão em flagrante eram encaminhados ao DIPO e o juiz verificava a legalidade, relaxando-o e expedindo alvará de soltura em caso de ilegitimidade ou ilegalidade. Cabia-lhe, ainda, conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Enfim,todos os atos do inquérito e postulações eram dirigidas ao juiz do DIPO. Para usar uma expressão do presidente Bruno Affonso André, o "garante da sociedade e do imputado".

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Lógico, ao manter ou decretar uma prisão cautelar, o juiz do DIPO virava, na hipótese de habeas corpus, autoridade competente a dar informações e justificativas ao Tribunal. E junto ao DIPO havia a Corregedoria da Polícia Judiciária a verificar e apurar eventuais abusos de autoridade policial.

Com efeito. No dia 23 próximo, entrará em vigor a lei que criou, em bom momento, a figura do juiz de garantia. Ele, juiz de garantia, atuará na fase pré-processual. A fase processual, que se inicia com o recebimento da peça acusatória (denúncia ou queixa), competirá ao juiz natural, órgão imparcial de condução de uma relação jurídica processual. Nessa relação processual, estará o Ministério Público no pólo ativo, como titular da pretensão de punir. No pólo passivo,estará o réu, titular do direito subjetivo de liberdade.

A nova lei irá aperfeiçoar e tornar mais justo o sistema e isto ao criar duas figuras distintas e independentes. Volto a destacar: o juiz da causa não participará da fase de inquérito, de modo a não formular juízo em momento impróprio e fora do contraditório.

Pouco importa se a nova lei introdutora do "juiz de garantia" decorreu da atuação do então juiz Sérgio Moro e diante de situações de promiscuidades, como, por exemplo, as reveladas pelo site Intercept Brasil.

Importante mencionar, - e está aí a salutar experiência do DIPO -, que o próprio juiz de garantia terá que manter distanciamentos do Ministério Público, da Polícia Judiciária e dos suspeitos ou indiciados. Como dizia o saudoso Bruno Affonso André, o juiz de garantia (do DIPO, ele dizia) atua, com imparcialidade, sem abusos, no interesse da sociedade e do indiciado.

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*Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi juiz do DIPO de 17 de março de 1986 a 15 de abril de 1987

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