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Juiz alerta que regra da Anac deixa consumidor 'ao arbítrio, ao abuso econômico'

Na decisão liminar que suspende efeitos da resolução da Agência Nacional de Aviação Civil e proíbe companhias aéreas de cobrarem bagagens em voo, José Henrique Prescendo, da 22.ª Vara Cível Federal em São Paulo, aponta 'venda casada' e diz que é dever' da autarquia assegurar um mínimo de direitos aos consumidores'

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Por Fausto Macedo , Julia Affonso e Luiz Vassallo
Atualização:

FOTO EVELSON DE FREITAS/ESTADÂO Foto: Estadão

Ao proibir liminarmente as companhias aéreas de cobrarem bagagens em voos - suspendendo a Resolução 400/2016 da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) que entraria em vigor nesta terça-feira, 14 -,, o juiz José Henrique Prescendo, da 22.ª Vara Cível Federal de São Paulo, apontou para o expediente de 'venda casada' e alertou que dispositivos da regra imposta pela autarquia 'deixam o consumidor inteiramente ao arbítrio e ao eventual abuso econômico' por parte das companhias aéreas.

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Para o magistrado, a Resolução Anac permite às empresas 'cobrarem quanto querem pela passagem aérea e, agora, também pela bagagem despachada, no quanto eliminou totalmente a franquia que existia'.

"Por outro lado, considerar a bagagem despachada como um contrato de transporte acessório implica em obrigar o consumidor a contratar esse transporte com a mesma empresa que lhe vendeu a passagem, caracterizando a prática abusiva de venda casada vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (inciso I do artigo 39), pois ninguém iria comprar a passagem por uma companhia e despachar a bagagem por outra", adverte.

Prescendo observa que a mudança da regra deve ser 'amplamente discutida na sociedade através de novas audiências públicas, com a participação dos interessados (empresas aéreas, Anac, instituições de defesa do consumidor e o Ministério Público Federal), possibilitando, eventualmente, um termo de ajustamento de conduta que seja satisfatório para todos'.

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"É dever da Anac regulamentar e assegurar aos consumidores de passagens aéreas um mínimo de direitos em face das companhias aéreas, o que não ocorre no caso dos dispositivos ora quesitonados, contidos na Resolução 400/2016", anotou o magistrado.

"Mesmo o dispositivo que amplia de cinco quilos para dez quilos a franquia da bagagem de mão, não representa uma garantia para o consunmdor uma vez que esta franquia pode ser restringida pelo transportador, fundamento na segurança do vôo ou da capacidade da aeronave, sem que tenham sido previstos critérios objetivos que impeçam a utilização dessa restrição de forma abusiva como, por exemplo, nos casos em que a companhia aérea tenha dado prioridade ao transporte de cargas em detrimento do transporte das bagagens", destacou o José Henrique Prescendo.

O juiz enfatizou. "Aparentemente o ato da Anac, uma autarquia federal, consistente em liberar as cobranças por bagagens despachadas, contraria esse dever do Estado, na medida em que impõe aos passageiros um ónus financeiro adicional nas viagens, consistente em pagar uma taxa extra pela bagagem despachada, sem direito a qualquer franquia, exceto para a bagagem de mão, promovendo com essa medida não os interesses dos consumidores e sim das empresas de transporte aéreo de passageiros."

Para Prescendo, 'de fato, o custo do transporte das bagagens dos passageiros já está incluído no preço das passagens, podendo-se considerar como sendo inerente a esse tipo de serviço, ao menos no Brasil, principalmente nos trajetos longos, nos quais o despacho de bagagem é um procedimento necessário para o viajante, pois não se mostra razoável incluir na bagagem de mão itens como roupas, calçados, objetos de higiene pessoal, remédios, etc, devendo ser considerado também, o fato de que vários desses objetos não podem ser incluídos nessa bagagem em razão de proibição legal, como é o caso, por exemplo, dos líquidos acondicionados em vidros ou plásticos'.

José Henrique Prescendo pondera, ainda, que 'no Brasil não é costume dissociar o contrato de transporte de passageiros do transporte de bagagens, o que ocorre não apenas no transporte aéreo como também no transporte terrestre'.

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"Em razão disso, presume-se que no preço atual das passagens aéreas já se encontra incluído o custo do transporte das bagagens (dos limites das franquias), inexistindo evidências de que essa dissociação trará efetivamente redução no preço das passagens de quem não tiver bagagem para despachar", anota. "Há apenas uma suposição da Anac de que isto venha a ocorrer. Todavia, na prática será muito difícil constatar isso, uma vez que o preço das passagens varia muito conforme a companhia aérea, o dia da semana, a proximidade do voo, o fato de ser realizado em feriado prolongado, o trajeto ou o horário."

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"Por outro lado, segue o juiz, não existem parâmetros seguros que permitam calcular os percentuais que correspondem ao custo do transporte do passageiro e ao custo do transporte da bagagem, que possibilitem uma cobrança separada, sem prejuízo para o consumidor, o que o torna vulnerável a eventuais práticas abusivas por parte das grandes companhias aéreas brasileiras, que dominam o mercado."

"A propósito, segundo as notícias que estão sendo divulgadas pela imprensa, essa cobrança será por um valor fixo até o limite de 23 quilos nos casos dos voos domésticos, mesmo que a bagagem pese muito menos que isso. Portanto, faltam também nesse aspecto, critérios objetivos que protejam o consumidor de eventuais abusos por parte das companhias aéreas."

"Reconheço que sob o ponto de vista de uma teoria econômica, se poderia afirmar que as alterações em foco são justas na medida em que, em tese, permitem que o consumidor que não pretenda despachar sua bagagem, pague uma passagem menor", assinala José Henrique Prescendo. "Porém, é atribuição do Poder Judiciário garantir a eficácia plena dos dispositivos constitucionais que consideram dever do Estado promover a defesa dos direitos e interesses dos consumidores, dever este que, como dito, abrange também os Poderes Executivo e Legislativo."

O juiz federal argumenta que 'nesse sentido, não pode a Anac, como entidade integrante da estrutura do Poder Executivo, editar resolução que ignore esse dever do Estado, cuja eficácia presume a existência de normas que assegurem ao consumidor um mínimo de direitos que não dependam das boas intenções dos fornecedores e ou dos prestadores de serviços, representando tais direitos, os limites da liberdade de iniciativa'.

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O magistrado abordou o parágrafo 2.º do artigo 14 da Resolução Anac. "Por não conter os critérios objetivos que permitem às empresas aéreas reduzir o limite de bagagem de mão por motivo de segurança e capacidade dos aviões, também deixa o consumidor desprotegido, possibilitando práticas abusivas."

Por outro lado, considerar a bagagem despachada como um contrato de transporte acessório implica em obrigar o consumidor a contratar esse transporte com a mesma empresa que lhe vendeu a passagem, caracterizando a prática abusiva de venda casada vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (inciso I do artigo 39), pois ninguém iria comprar a passagem por uma companhia e despachar a bagagem por outra.

COM A PALAVRA, A ANAC

Sobre a liminar deferida nesta tarde, a ANAC informa que respeita as instituições, mas adotará as providências necessárias para garantir os benefícios que acredita que as novas regras oferecem a toda a sociedade brasileira. As novas normas buscam aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais, trazendo novos estímulos para a competição entre as empresas aéreas, com mais opções de preços aos passageiros e seu diferentes perfis, como aqueles que pretendem transportar apenas os 10 kg na bagagem de mão. A Agência trabalhou nos últimos cinco anos em estudos de mercado e debates públicos sobre o tema, tendo recebido mais de 1.500 contribuições sobre o assunto.

Cabe informar, ainda, que em 10/03 a Justiça Federal do Ceará confirmou em sentença as regras da ANAC previstas para entrar em vigor amanhã (14/03), como a desregulamentação da bagagem. Foi julgado improcedente o pedido de suspensão da norma por entender que a resolução beneficia os consumidores, não fere o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e nem a Constituição Federal.

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