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Judicialização de contratos e a crise econômica no contexto da pandemia

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Por Luiz Felipe Perrone dos Reis
Atualização:

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) tem trazido à tona inúmeras preocupações relacionadas ao futuro da economia. Em todo o mundo, governos têm lançado mão de pacotes e medidas para lidar, ao menos de forma emergencial, com o impacto do caos sanitário e mitigar seus efeitos sobre o ambiente econômico. Mas é fato que o tamanho desse impacto, ainda impreciso, pode ser maior ou menor, a depender dos caminhos que trilharmos nas mais diferentes frentes atingidas pela crise.

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A retração da atividade econômica, com muitas empresas e estabelecimentos comerciais fechados e queda na renda de boa parte da população, já aponta para um cenário de quebra de contratos que precisa ser contido, sob risco de se produzir um verdadeiro colapso tanto no Judiciário, que pode, em breve, se ver inundado de ações revisionais, quanto nas chances de recuperação da própria economia a médio prazo.

Não há dúvidas de que os desafios que se colocam para enfrentamento da doença estarão presentes também nas relações contratuais, sobrecarregando ainda mais o Judiciário. Para se ter uma ideia, a pandemia do coronavírus aumentou o volume de liminares que tem chegado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que abrange a Justiça Federal do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, em 167%, entre 16 e 28 de março, em comparação com o mesmo período do ano passado.

O momento atual testará a capacidade de todos os operadores do Direito de garantirem à sociedade um mínimo de segurança jurídica. A repactuação de contratos é uma questão que precisa ser vista com enorme cautela buscando, sempre que possível, uma saída que não os interrompa e que seja justa para as partes envolvidas.

Tanto a sociedade quanto o mercado já se mobilizam para buscar soluções que passem pela negociação, prorrogando vencimento das obrigações ou reacordando valores, buscando saídas para permitir a continuidade do vínculo contratual. Instituições bancárias e financeiras estão, por iniciativa própria, flexibilizando prazos de pagamentos de seus clientes, a fim de evitar descumprimento de contratos e excesso de judicialização.

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Esses esforços precisam ser ressaltados, lembrando também que a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem são já, desde antes da pandemia, facilitadores para a resolução de demandas nessa área e em muitas outras do Direito.

No entanto, uma vez que as negociações não cheguem a bom termo, é preciso que o Judiciário, ao ser demandado, atue com bom senso e rigor técnico nas análises, observando os dispositivos contratuais em primeiro lugar, e afastando demandas oportunistas que não tenham nexo de causalidade com a situação específica da crise ocasionada pelo surto de coronavírus. Tudo aquilo que não pôde ser previsto por nenhuma das partes na fase de negociação do contrato, como é o caso desta pandemia, precisa ser avaliado com extrema razoabilidade.

Estabelecimentos que mantiveram suas atividades por estarem inclusos na relação de serviços considerados essenciais, como farmácias e supermercados, não podem alegar as mesmas dificuldades que outros que precisaram paralisar seus serviços e, consequentemente, perderam sua capacidade de honrar compromissos contratuais com fornecedores, por exemplo. É fundamental que os pedidos judiciais estejam embasados em provas concretas, sobretudo em um momento agudo como esse, em que é preciso conter abusos. E para que isso ocorra nada mais necessário do que ouvir as partes envolvidas. Há uma grande preocupação relacionada a decisões judiciais proferidas sem que isso esteja ocorrendo, o que fere o princípio do contraditório.

Ainda que seja este um período atípico, o Poder Judiciário adotou diversas medidas para continuar prestado atendimento aos cidadãos. A realização de audiências por videoconferência, ferramenta que já era comum em alguns tribunais do país, foi expandida e pode ser executada hoje sem grandes embaraços tecnológicos, o que mostra que há instrumento para se ouvir as partes e se chegar a acordos razoáveis.

Afora a iminência do excesso de judicialização, há neste cenário o risco de que protelemos ainda mais nossa recuperação econômica no momento pós-pandemia. Recentemente, em uma entrevista, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, manifestou a preocupação de que a quebra de contratos de forma generalizada possa ser desastrosa, onerando toda a cadeia produtiva dos setores atingidos e se refletindo por todo o ambiente econômico e social.

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Buscar chegar ao reequilíbrio financeiro dos contratos sem interrompê-los e sem onerar demais uma das partes precisa ser o objetivo de todos os assessores jurídicos que operam nessa área. Ouvir as demandas, entender os motivos e buscar soluções viáveis para cada situação é a maneira mais salutar de se chegar a um cenário de sustentabilidade nas relações contratuais, contribuindo para vencer as crises econômica e sanitária e trilhar para se alcançar dias melhores.

*Luiz Felipe Perrone dos Reis é sócio-diretor do escritório Reis Advogados e mestre em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social

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