O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de Justiça a federalização da apuração de condutas e eventual responsabilização de oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo envolvidos no movimento paredista de fevereiro- durante mais de 20 dias em todo o estado foram registrados mais de 150 mortes e um prejuízo superior a R$ 180 milhões de danos sofridos por lojistas, empresários e moradores, além do custo aos cofres federais da atuação das Forças Nacionais de cerca de R$ 37,5 milhões.
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'ELEVADO RISCO'As informações foram divulgadas no site da Procuradoria-Geral da República.
Segundo a Assessoria de Comunicação Estratégica da Procuradoria, no pedido de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), nome técnico da federalização, Janot destaca que 'a sociedade capixaba, sem o policiamento ostensivo nas ruas, ficou absolutamente exposta à criminalidade'.
Segundo Janot, 'foram dias de insegurança, pânico, intensa violência e caos urbano, com saques e arrombamentos de estabelecimentos comerciais, atos de vandalismo e depredação do patrimônio, roubos, queima de ônibus, tiroteios e inúmeros assassinatos e confrontos'.
De acordo com ele, o propósito do Incidente é 'garantir a responsabilização criminal dos policiais militares pelos fatos e pelo contexto descrito, também e em especial daqueles que teriam condições e força, por sua posição hierárquica na corporação, para fazer cessar o movimento de paralisação (ou tentar que cessasse), mas foram omissos ou, em ato comissivo, incitaram os demais à paralisação, contribuindo enormemente para o quadro descrito'.
Requisitos. O procurador aponta que o caso apresenta os três requisitos necessários para o deslocamento de competência: a constatação de grave violação de direitos humanos; a possibilidade de responsabilização internacional, decorrente do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais; e a evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso.
Os fatos, afirma Janot, evidenciam contexto de 'gravíssima violação de direitos humanos, vislumbrada nos efeitos advindos da conduta dos policiais militares do Estado do Espírito Santo, atingindo o direito à vida e à segurança da sociedade capixaba, e na própria falência do Estado em seu dever de assegurá-los, especialmente no que se refere a uma investigação efetiva e isenta, por órgãos aos quais se assegure independência'.
Responsabilização internacional. O pedido chama a atenção para a possibilidade de responsabilização internacional por descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais.
O procurador-geral explica que, 'perante a comunidade internacional, quem responde pelos fatos, pelo contexto de crise, pelas mortes, pela ausência de investigação eficaz e isenta é o Estado brasileiro, que tem a obrigação de garantir à população que tal espécie de proteção social seja adequadamente exercida'.
"Aos olhos da comunidade internacional, o Poder Público falhou em seu dever de proteção social. Há, no caso em exame, falência do Estado na prestação de segurança pública, com gravíssimos reflexos sobre a vida e a dignidade da pessoa humana, o que pode acarretar a intervenção da comunidade internacional", aponta.
Incapacidade de apuração estadual. Janot entende que 'há o risco de parcialidade no prosseguimento da investigação e na penalização dos responsáveis pelos atos praticados - em especial da camada hierarquicamente superior da PM -, que agridem diretamente o Estado democrático e a sociedade civil local'.
A apuração é de competência da Justiça Militar do Estado do Espírito Santo, integrada por policias militares.
Segundo Janot, 'em cenário conturbado como o que viveu o Estado do Espírito Santo, o julgamento de crimes militares por seus próprios pares mostra-se irrazoável e temerário, em razão, em especial, da extensão do movimento de paralisação dos PMs capixabas, com adesão de praticamente 100% de seu efetivo, e dos indícios de participação de oficiais de patentes altas na organização do movimento'.
"A proximidade dos oficiais da Polícia Militar com os diversos níveis de autoridades, e a dependência, em parte, do Judiciário, do Executivo e do Legislativo da estrutura policial é fator de elevado risco", alerta.
No pedido de federalização, o procurador-geral pede que o caso seja transferido para a Justiça Militar da União, 'em razão das peculiaridades da matéria'.
Para o procurador-geral da República, se no âmbito estadual o tema é tratado pela Justiça Militar Estadual, a transferência para a esfera federal deve levar o caso para a Justiça Militar da União, 'de forma a garantir a manutenção da análise especializada'.
Caso esse pedido não seja acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, Janot pede que, alternativamente, o caso seja transferido para a Justiça Federal comum.
COM A PALAVRA, O GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO
*Nota à imprensa*
A greve da Polícia Militar do Espírito Santo foi ilegal e trouxe gravíssimos prejuízos para a sociedade, sendo o principal deles as centenas de vidas perdidas. O Supremo Tribunal Federal reafirmou a ilegalidade do movimento ocorrido no Estado. À época da paralisação, o próprio Governo do Estado pediu às instituições de Brasília a federalização da apuração das condutas de militares. O governo estadual acredita, portanto, que o pedido feito agora pelo Ministério Público Federal é importante para o Espírito Santo e para o país, para que outros movimentos dessa natureza não deixem a população refém. Defende também que todos os crimes cometidos durante o movimento grevista sejam apurados com isenção e que os responsáveis sejam punidos.
*Governo do Espírito Santo*