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ISS no destino: o que era complexo ficou caótico

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Por Gilson Rasador
Atualização:

Com raízes no imposto de indústrias e profissões, criado em 1874 pelo Decreto do Império n. 5.690, cuja competência para instituição e cobrança era do Governo Central e passou, com a Constituição de 1934, a ser arrecadado, em partes iguais, pelos Estados e Municípios, voltando à competência exclusiva dos Estados em 1940, pela Lei Constitucional n. 3, o imposto sobre serviços de qualquer natureza, ISQN ou simplesmente ISS, foi introduzido em nosso sistema tributário pela Constituição de 1967, cujas normas gerais foram baixadas pelo Decreto-lei 400/68, editado sob a proteção do Ato Institucional n. 5 do mesmo ano.

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O ISS era, na sua origem, um imposto, em si, relativamente simples, devido ao Município em que estivesse localizado estabelecimento prestador, exceto no caso de construção civil, em o tributo era devido no local da prestação. Contudo, a competência atribuída aos municípios para legislar sobre o imposto e o crescimento do número de municípios que passou de 3.950, em 1970, para 5.570, em 2017, tornaram o sistema complexo, de difícil cumprimento pelas organizações com atividades espalhadas por diversas regiões do País.

Acrescente-se a isso as grandes e contínuas transformações por que passaram e passam as relações humanas e a economia desde a edição do decreto-lei que instituiu o ISS, mais especialmente nos meios de produção, nas formas de circulação de bens e de prestação de serviços, que exigem mudanças constantes na legislação.

As maneiras como fazemos negócios ou acessamos serviços são hoje muito diferentes daquelas usadas não só na era do imposto sobre indústrias e profissões, mas também na época da instituição do ISS. Porém a legislação, especialmente tributária, não acompanha a velocidade com que as mudanças acontecem, criando-se lacunas, vazios ou espaços não regrados.

Vazios legislativos são facilmente encontrados em nosso ordenamento jurídico, e podemos citar como exemplo, apenas para não fugir do tema destas anotações, os serviços vinculados à tecnologia da informação, que só passaram a integrar o rol de serviços sujeitos ao ISS com a edição da Lei Complementar n. 166, de 2003.

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Também passaram a integrar a lista de serviços sujeitos ao imposto municipal os planos de medicina em grupo e de saúde, a administração de cartões de créditos e de débitos e congêneres, cujo imposto deveria ser pago ao município em que se localizavam os prestadores dos serviços, ou seja, a sede dos planos de medicina em grupo e de saúde e as administradoras de cartões de crédito e de débito.

Em razão da relevância econômica que tais serviços alcançaram nos últimos anos, os governos de inúmeros municípios passaram a questionar judicialmente sistemática adotada especialmente pelos planos de medicina e saúde, pelas administradoras de cartões de créditos e de débitos e pelas operadoras de leasing, pretendendo garantir aos Municípios em que se localizavam representações daqueles prestadores (agências bancárias e outros), a competência para cobrar ISS sobre tais serviços.

O tema, após muitos debates e muitas divergências na jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais e das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, foi pacificado pela 1ª Seção do STJ que, ao julgar o Recurso Especial n. 1.060.210/SC, em regime de recurso repetitivo, envolvendo operações de arrendamento mercantil, decidiu que o fato gerador ocorre no local do estabelecimento prestador, ou seja, no local onde se toma a decisão acerca do financiamento, onde se concentra o poder decisório, a direção geral da instituição, sendo irrelevante o local da assinatura do contrato e da entrega do bem financiado.

A consolidação da jurisprudência naquele sentido frustrou a expectativa dos órgãos fazendários municipais, que esperavam obter receitas consideráveis de imposto sobre serviços prestados pelas administradoras de cartões de créditos e de débitos, pelas operadoras de leasing e de planos de medicina em grupo ou de saúde em geral.

O impacto negativo nas receitas dos Municípios que não são sedes de empresas que prestam aqueles serviços serviu para que prefeitos pressionassem o Congresso Nacional para alterar a lei no sentido de que a cobrança do imposto deixasse de ser feita no município de origem e passasse para o município de destino, pleito esse atendido com a edição da Lei Complementar n. 157/2017.

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Com essa mudança as empresas passaram a ser obrigadas a recolher imposto para milhares de prefeituras, mediante percentuais e prazos de pagamento diferentes, elevando sobremaneira os custos e impactando nos preços dos serviços prestados. Sem embargo, as instituições financeiras e os planos de medicina e saúde investiram em equipes, equipamentos e softwares para atender às novas regras.

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Plagiando dito popular "nada está tão ruim que não possa piorar", e o que era complexo ficou caótico. De fato, por meio de liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Morais na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5835, o Supremo Tribunal Federal suspendeu os dispositivos da Lei Complementar n. 157 que alteraram a competência para cobrar o ISS, suspendendo também todas as legislações municipais que tratam do assunto.

Essa decisão poderá trazer muitos mais problemas do que soluções se for revogada ou não confirmada na decisão do mérito da ação. Com a medida, os municípios em que se localizam as sedes das administradoras de cartões, as operadoras de leasing, de planos de saúde e outras poderão voltar a exigir o imposto de acordo com a legislação anterior. Por outro lado, caso revogada ou não confirmada a liminar em decisão final de mérito, os demais municípios poderão exigir o imposto que deixou de ser-lhes pago no período de suspensão dos dispositivos da lei.

Neste contexto, recomenda-se aos contribuintes afetados pela decisão liminar que tomem as devidas cautelas, como, por exemplo, o depósito judicial em ação própria, para evitar pagar imposto a mais de um município sobre o mesmo fato gerador e ficarem abrigados da incidência de pesadas multas e juros.

*Tributarista e sócio do Piazzeta, Rasador e Zanotelli Advocacia Empresarial

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