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ISS: desafio imposto à indústria de geração da energia eólica no Brasil

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Por João Marcos Colussi e Fabiano Brito
Atualização:
João Marcos Colussi e Fabiano Brito. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O mercado de energia eólica vem ganhando cada vez mais destaque no Brasil nos últimos anos, seja por meio de estímulos ou pela própria relevância do fortalecimento e desenvolvimento de modelos mais sustentáveis de negócios. Em 2019, o país ocupou 7ª posição no ranking mundial de capacidade eólica acumulada onshore, elaborado pelo GWEC (Global Wind Energy Council). A informação foi divulgada no Boletim Anual de Geração Eólica 2019, emitido pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

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Esse movimento é um reflexo significativo do que ocorre no mercado interno, no qual a energia eólica ultrapassou os 17GW de capacidade outorgada. Segundo dados da ABEEólica, o setor atraiu investimentos na ordem de US$ 3,45 bilhões (R$ 13,6 bilhões) para o país, representando 53% de todo o capital investido em energias renováveis (solar, eólica, biocombustíveis, biomassa e resíduos, PCHs e outros).

Atualmente, o país conta com aproximadamente 687 parques eólicos. A região nordeste é o principal exemplo desse novo momento energético brasileiro, pois as condições favoráveis do vento levaram a geração de energia eólica a bater recordes nos últimos anos. Em 2019, os cinco estados com maior geração no período foram Maranhão (49,7%), Bahia (49,1%), Pernambuco (47,1%), Piauí (44%) e Rio Grande do Norte (39,6%).

A perspectiva para os próximos anos também é de crescimento da capacidade de geração eólica, tendo em vista a previsão da realização de novos leilões de compra de energia a partir dessa fonte até 2023, além da escassez dos grandes potenciais hidrelétricos (que, até agora, estiveram na base da expansão da matriz sempre que necessário). Esse cenário pode impulsionar ainda mais o crescimento do setor e trazer mais investimentos e negócios para o Brasil.

Contudo, em que pese a importância da indústria de geração de energia eólica e seu futuro promissor, surge, com intensidade, por vezes equivalente à dos bons ventos que fortalecem essa sustentável indústria, um fator desafiador e que merece atenção das autoridades, em especial do Ministério Público.

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Há mais de uma década, prefeitos de cidades onde foram instalados parques de geração de energia eólica são abordados por consultores lhes oferecendo contratos de recuperação de créditos de ISSQN. Induzidos por estes profissionais, alguns municípios, partindo de uma particular interpretação acerca do objeto dos contratos de venda e compra de aerogeradores, exigem o ISSQN de operações que são tributadas pelo ICMS, imposto cuja competência foi outorgada pela Constituição Federal aos estados.

Ocorre que os estados já debateram o tema e, frente à importância do incentivo a esta indústria, firmaram o Convênio ICMS nº 101/1997, com redação dada pelo Convênio ICMS nº 46/2007, que concede isenção do ICMS nas operações com aerogeradores para o aproveitamento da energia eólica - sendo que a vigência atual da disposição é até 31 de dezembro de 2028.

Nesse contexto, cumpre destacar que, nos termos da Lei Complementar nº 24/75, os Convênios para a concessão de isenções do ICMS são fruto de deliberação conjunta entre os representantes das Fazendas de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de membro do Ministério da Economia, o que se convencionou denominar de Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ.

No entanto, apesar da incontestável competência dos estados e da clareza da norma que isenta as operações com aerogeradores, alguns prefeitos continuam a ser assediados por consultores, com promessas mirabolantes de recuperação de créditos milionários a título de ISSQN, que vêm causando graves consequências aos envolvidos.

Recentemente, em fevereiro de 2020, o Ministério Público do Ceará noticiou em seu portal eletrônico o ajuizamento de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa em face do ex-prefeito de Mauriti, da ex-secretária de finanças e de um consultor contratado por este município. A ação foi fundamentada, dentre outros elementos, na suposta usurpação de função pública, conduta que tem como pena até dois anos de detenção e multa.

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A mesma consultoria foi prestada ao município de Mogeiro, na Paraíba, e figurou como um dos motivos que ensejaram a elaboração de parecer contrário à aprovação das contas anuais do governo do prefeito, por parte do plenário do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba.

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Além das consequências criminais, há inúmeras manifestações do Poder Judiciário acertadadmente cancelando as exigências do ISSQN, em face das inúmeras inconsistências jurídicas envolvidas na exigênica do ISSQN pelos municípios.

Casos similares aos acima reportados são frequentes e exigem, cada vez mais, uma ação clara das autoridades brasileiras, nos termos do importante posicionamento do Ministério Público do Estado do Ceará.

Atrelado ao que já vem sendo feito pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas em termos de repressão à pratica de ilícitos na suposta recuperação de créditos de ISSQN, cabe alertar aos prefeitos e secretários de fazenda as consequências criminais e patrimoniais impostas aos envolvidos na prática das referidas ilegalidades.

Em um setor tão promissor como esse, ter clareza nas normas e dispor segurança jurídica são premissas para que investidores, brasileiros e estrangeiros, continuem a investir na geração de energias renováveis e sustentáveis, elevando ainda mais o Brasil no ranking mundial de capacidade eólica acumulada e tornando o país um importante player no mercado.

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*João Marcos Colussi e Fabiano Brito são sócios do escritório Mattos Filho

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