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Intervenções cambiais para controlar só o câmbio ou a inflação também?

Por Roberto Dumas Damas
Atualização:
Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ultimamente temos visto a autoridade monetária ou o Banco Central (BACEN) intervindo várias vezes no mercado de câmbio, vendendo reservas internacionais ou oferecendo operações de swap cambial: BACEN ativo em juros e passivo em câmbio. Essa operação com o objetivo de oferecer hedge cambial para os investidores. Pois bem. A pergunta que não quer calar: O BACEN está intervindo vendendo US Dólares como forma de manter a paridade cambial ou quer apenas diminuir a volatilidade das cotações, até que o câmbio atinja seu valor de acordo com os fundamentos macroeconômicos?

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Par responder a primeira parte da pergunta, convém entrarmos em alguma esfera técnica. Vamos partir inicialmente da condição de paridade de juros, que parte do princípio de que onde quer que o investidor aloque seus recursos o retorno auferido deverá ser sempre o mesmo, quando expresso na mesma moeda e devidamente remunerado pelo risco país incorrido. De acordo com a paridade de juros, a taxa de juro doméstica deve ser igual à soma da taxa de juro internacional, a expectativa de oscilação cambial e um prêmio de risco, que os investidores estejam dispostos a correr para transferir seus recursos de um país para o outro. Nesta situação, em uma condição ceteris paribus, qualquer modificação na taxa de juro internacional, o que já está acontecendo com o juro de 10 anos dos EUA atingindo 1.61% a.a., dada maior expectativa inflacionária naquele país, levaria a paridade de juros a quebrar momentaneamente, suscitando uma saída de capital do Brasil para os EUA. Se assumirmos um eventual aumento do risco país, notadamente risco fiscal, então o investidor terá o seguinte cenário á sua frente: "Deixa eu entender. Quer dizer que o risco fiscal no Brasil aumentou, os EUA estão pagando mais, então o que continuo fazendo aqui? Vou comprar US Dólares". Exatamente nessa retórica é que testemunhamos o nosso câmbio atingindo patamares próximos a R$/US$ 5.74.

Mas, não tem nada que o BACEN possa fazer para segurar essa depreciação acelerada? Sim, mas essa não é a questão correta. O certo seria: Dado que o nosso sistema cambial é flexível e temos uma meta de inflação a ser atingida, via SELIC (taxa de juro básica determinada pelo Comitê de Política Monetária - COPOM), não tem nada que o BACEN possa fazer, e que dê resultado (mude o patamar do câmbio consistentemente), além de apenas amenizar a volatilidade cambial, que parece querer buscar novos níveis, dada a mudança nos fundamentos macroeconômicos (maior taxa de juro lá fora e maior risco fiscal aqui dentro)? Ufa. Agora a pergunta tá legal, mas não quer dizer que teremos respostas óbvias e ou sinceras à essa questão.

Se o BACEN, deseja intervir no mercado de câmbio como forma de apreciar a cotação da nossa moeda, dado que uma depreciação cambial pode suscitar pressões inflacionárias indesejadas, principalmente agora em que vivemos momentos populistas, a autoridade monetária pode vender reservas internacionais, diminuindo o ativo do BACEN e consequentemente diminuindo a base monetária. Essa intervenção, se assim terminar, levará a um aumento da taxa de juro básica. Mas isso não pode ocorrer! Temos uma meta de inflação que deve ser alcançada via meta SELIC, a qual não pode ser alterada, a não ser durante as reuniões do COPOM. O que fazer então? Em um sistema cambial flexível, como o nosso, quando o BACEN entra vendendo US$ ou reservas internacionais para conter a pressão da depreciação cambial, a autoridade monetária terá de esterilizar essa queda da base monetária e aumento de juro, comprando títulos públicos (operação de open market), aumentando novamente o ativo do BACEN e reestabelecendo o volume monetário (base monetária) anterior à intervenção. Dessa forma, a meta SELIC é respeitada. Como deve ser.

Entendi. Mas e se os agentes econômicos não querem apenas um way-out de alguns bilhões de US Dólares, mas mais retorno para ficarem aqui no país, posto que lá fora estão pagando mais e aqui o risco fiscal está aumentando? Finalmente chegamos ao ponto nevrálgico da questão. Pois é. À época que tínhamos metas cambiais, era imperioso que a autoridade monetária subisse os juros como forma de conter a sangria das reservas internacionais, evitando a saída maciça de capitais oferecendo mais retorno para os agentes domésticos, como forma de compensar pelo maior risco doméstico e maior retorno lá fora. Mas agora não podemos mais oferecer mais retorno para os investidores, pois não temos meta cambial, mas meta de inflação. Como segurá-los aqui e evitar que daqui a pouco a cotação volte para os 5.73 ou até mais? Acho que vocês já perceberam onde quero chegar?

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Diferentemente do sistema cambial fixo, em um sistema cambial flutuante a oferta monetária é exógena. Ou seja, não existe dependência da política monetária doméstica em relação às decisões de políticas monetárias tomadas por outros países ou as mudanças no nosso risco país. A não ser que uma depreciação cambial suscite pressões inflacionárias. Notem a mudança de objetivos aqui: No nosso atual regime cambial, o câmbio é flutuante, não existe meta cambial formal a ser perseguida pela autoridade monetária. Seu objetivo é o de apenas manter a inflação dentro das metas, se a depreciação cambial acabar por suscitar pressões inflacionárias, então deve, sim, o BACEN aumentar a SELIC, mas não para segurar o câmbio, mas limitar o pass-through da depreciação cambial para os preços domésticos.

Diversos estudos tem avaliado a eficácia de intervenções esterilizadas e não esterilizadas, muitos concluem que apenas as intervenções não esterilizadas são eficientes, uma vez que o efeito monetário desencadeado com a intervenção afeta o nível das taxas de juros do país e consequentemente a demanda por moeda estrangeira. Intervenções esterilizadas no mercado cambial, no entanto, parecem produzir efeitos apenas temporários e limitados, não devendo ser consideradas como ferramentas de política macroeconômica.

Ótimo, então por que o BACEN continua intervindo no mercado cambial, mesmo em situações de apreciação da nossa moeda? Não parece um pouco contraproducente ou o objetivo final seria fazer o câmbio se manter apreciado às custas de reservas internacionais, apenas para limitar a subida da SELIC na próxima reunião? Se essa possibilidade estiver correta, que todos os Santos nos ajudem, então entraremos em um regime híbrido de metas cambiais com meta inflacionária. Sem querer assustar, mas só lembrando um pouco de história, foi mais ou menos isso que o ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, tentou fazer como forma de tentar diminuir o aumento da taxa básica de juros e lograr conquistar maior apoio popular pré-eleição. E o resultado nós vimos.

*Roberto Dumas Damas, consultor independente da Ohmresearch e professor do Insper

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