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Inovação e sistema de patente em xeque?

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Por Philippe Bhering
Atualização:
Philippe Bhering. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na sessão do próximo dia 28.04.21, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5529, ajuizada pelo então Procurador-Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, que questiona o parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial - LPI). Muito divulgada na mídia nas últimas semanas, a ADI 5529 coloca em xeque o ambiente de inovação e o sistema de patente nacionais.

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Em síntese, o art. 40 estabelece o prazo de vigência de 20 anos para a patente de invenção e de 15 anos para a de modelo de utilidade, contados da respectiva data de depósito. Pela regra de exceção do parágrafo único do art. 40, o prazo mínimo de vigência da patente de invenção será de 10 anos e o da patente de modelo de utilidade 7 anos, a contar da concessão. Ou seja, se o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI levar mais de 10 anos para conceder a patente de inovação, e mais de 8 para a de modelo de utilidade, aplica-se a regra de exceção. A possível demora do INPI no processamento dos pedidos de patente motivou, à época, a inclusão da referida regra no texto legal.

Recentemente, o Ministro Relator Dias Toffoli deferiu, em parte, o pedido de tutela provisória de urgência formulado pela PGR para suspender, a partir da data da decisão, os efeitos do parágrafo único no que se refere a patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de saúde. Não se pretende, aqui, comentar a decisão. O objetivo deste breve artigo é realçar questões de fundo essenciais à análise do tema.

Há quem coloque em oposição os titulares nacionais e os estrangeiros, equiparando a controvérsia a uma disputa de David contra Golias. Nada mais míope. É natural que as sociedades estrangeiras possuam um número maior de patentes, e que, por tal razão, venham a sofrer um impacto maior com a possível decretação de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40. A causa, porém, não guarda relação com questões geográficas, mas com a existência de sistemas de inovação maduros e de sistemas de Propriedade Intelectual sólidos e eficientes.

Como se sabe, a patente representa uma das formas de apropriação dos resultados da inovação. Assim, um maior investimento em inovação levará, em regra, a um maior número de patentes. Em 2017, o Brasil investiu apenas 1.3% do PIB em P&D. Não por acaso, no Índice Global de Inovação, publicado em 2020, o Brasil surgiu no modesto 62º lugar, o que ajuda a esclarecer o baixo índice de patenteamento dos residentes nacionais. Em países desenvolvidos, o percentual do PIB investido em P&D é substancialmente superior. De acordo com os últimos dados da OCDE, de 2019, a Coreia do Sul investiu 4.6%, a Suécia 3.5%, o Japão 3.2%, a Alemanha 3.2%, os Estados Unidos 3.1%, e a Dinamarca 3.0%, por exemplo. Já a China, embora tenha alocado um percentual inferior do PIB (2.2%), em valores absolutos, os investimentos em P&D alcançaram a impressionante quantia de USD 514 bilhões, colocando-a atrás apenas dos Estados Unidos, que investiram USD 612 bilhões.

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Na atual economia do Conhecimento, o incentivo à inovação está umbilicalmente relacionado ao desenvolvimento econômico e social de um país. A Coreia do Sul, que começou a se urbanizar na década de 60, é conhecido exemplo de transformação econômica e social também por meio do incentivo à inovação. No início da década de 80, Coreia do Sul e Brasil ainda investiam percentuais semelhantes do PIB em P&D. Entretanto, a partir do final da década, o percentual investido pela Coreia do Sul no setor já se aproximava daquele alocado por países como Estados Unidos, Japão e Alemanha Ocidental, que ocupavam a liderança tecnológica internacional. Essa alteração de política pública, que incluiu expressivos investimentos em educação, transformou a Coreia do Sul em potência tecnológica e econômica, com retorno significativo à sociedade em diferentes áreas. A China representa outro exemplo de progresso econômico, tecnológico e social motivado pelo aumento expressivo dos investimentos em P&D. Esse cenário levou a China a assumir, em 2019, a liderança do ranking de pedidos internacionais de patente, via Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), deixando os Estados Unidos, pela primeira vez na história, na segunda posição. Cabe aqui acrescentar que o plano chinês de desenvolvimento econômico e social para o período de 2021 a 2025 possui como alicerce a inovação. Da mesma forma, os objetivos de longo prazo até 2035, anunciados pelo Partido Comunista Chinês, em conjunto com o plano quinquenal, no último ano.

No Brasil, o debate atual perde o foco. Os esforços deveriam estar concentrados na revisão de nossa política de inovação e na disseminação da cultura da Propriedade Intelectual, essenciais ao desenvolvimento econômico e social do País. Nesse ponto, a iniciativa recente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações de formular a Estratégia Nacional de Inovação é oportuna e possibilita um amplo e necessário debate sobre o tema, devendo reunir o Estado, enquanto agente indutor da inovação, iniciativa privada, universidades e instituições de pesquisa. Igualmente oportuna é a ação do Ministério da Economia de lançar a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual com o objetivo tornar o sistema brasileiro de Propriedade Intelectual mais efetivo, equilibrado e amplamente utilizado pela sociedade.

Questão essencial a ser enfrentada nesse contexto é o tempo de análise dos casos de patente pelo INPI, o que motivou, repita-se, a inserção do parágrafo único no art. 40 da LPI. Em 2019, em iniciativa louvável, o INPI lançou um plano de ação para combater o atraso no processamento e análise dos casos. O objetivo era reduzir em 80%, até 2021, a quantidade de casos pendentes de decisão que foram depositados até 31.12.16 e tiveram seu exame requerido. Em pouco mais de 1 ano do lançamento do plano, a redução já havia passado de 50%. O progresso é para ser enaltecido. Contudo, os dedicados servidores, com profunda qualificação técnica, ainda esbarram nos tímidos investimentos em estrutura e pessoal. Embora superavitário, mais da metade da receita do INPI é contingenciada pela União. Apenas a autonomia financeira do órgão poderá solucionar, em definitivo, a questão. Com a possibilidade de o INPI reinvestir toda a receita no próprio órgão, a regra de exceção do parágrafo único do art. 40 ficará na lembrança como norma vetusta e sem aplicação.

Entretanto, na contramão do progresso econômico, tecnológico e social do Brasil, encontra-se a ADI 5529. Acolhido o pedido nela formulado, mais de 40% das patentes em vigor seriam anuladas. O possível cenário é apocalíptico. A um só tempo, desestimularia investimentos em inovação e patentes no Brasil, e arrasaria a imagem - já combalida - do País na comunidade internacional. Não se mostra razoável declarar a inconstitucionalidade de norma em vigor há 24 anos, o que resultará na anulação de mais de 20 mil patentes, inclusive de titulares nacionais.

As circunstâncias, ao contrário, impõem um necessário debate que busque a revisão do sistema nacional de inovação e o fortalecimento do sistema de patente, incluindo a autonomia financeira do INPI, tudo indispensável para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

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*Philippe Bhering, advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha, e sócio do escritório Bhering Advogados, especializado em Propriedade Intelectual

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