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Infraestrutura e a saga dos estudos ambientais

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Por Ana Claudia de Mello Franco
Atualização:
Ana Claudia de Mello Franco. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Ministro de Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas fez importante crítica à "péssima qualidade" dos estudos ambientais elaborados para o licenciamento de obras de infraestrutura, o que nos fez refletir sobre possíveis contribuições para a melhoria desse cenário, partindo de uma análise inicial sobre alguns temas que permeiam as lides ajuizadas nesse contexto.

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Pesquisa por nós realizada revelou que os processos judiciais que versam sobre estudos ambientais possuem como tônica, via de regra, a não previsão, o subdimensionamento, a errônea classificação dos impactos ambientais e a ausência de avaliação de impactos sinérgicos dos empreendimentos licenciados.

Traremos alguns exemplos para nossa reflexão, extraídos de casos de conhecimento público.

A UHE Mauá localizada no Rio Tibagi, entre os municípios paranaenses de Telêmaco Borba e Ortigueira, teve os seus estudos ambientais questionados pelo Ministério Público Federal do Estado do Paraná a pretexto de sua incompletude quanto ao componente indígena, em virtude da desconsideração de gravames incidentes sobre as comunidades indígenas atingidas. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu a existência de omissão nos estudos prévios, quanto aos impactos do empreendimento sobre o modo de vida das comunidades indígenas atingidas, e condenou o empreendedor ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais coletivos sofridos por tais comunidades.

O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) também teve o seu EIA-RIMA questionado por meio de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por conta da insuficiência de informações relacionadas a determinados impactos e, consequentemente, de medidas mitigadoras e compensatórias. Neste caso as partes firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta para adoção de medidas mitigatórias e compensatórias diversas.

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Também foi objeto de questionamento pelos Ministérios Públicos Federal e do Estado de São Paulo o EIA-RIMA da ampliação do Porto de São Sebastião (Projeto Integrado Porto Cidade). Entre outros vícios alegados, questionaram os autores a ausência de estudos de impactos cumulativos e sinérgicos contemplando outros 12 megaempreendimentos colocalizados no Litoral Norte. Neste caso foi proferida sentença de procedência invalidando o processo de licenciamento ambiental, condicionando a emissão de nova licença à complementação do EIA-RIMA.

Os casos citados possuem em comum a característica da complexidade dos temas objetos dos estudos de impacto ambiental. E quanto mais complexo o empreendimento sob o ponto de vista ambiental, mais os holofotes se acendem para o Ministério Público e outras entidades envolvidas na proteção do meio ambiente.

Diante desse cenário, que pode por a perder investimentos significativos e gerar atrasos nos cronogramas de implantação, algumas medidas podem ser adotadas, de modo a contribuir para a elaboração de estudos mais consistentes, de melhor qualidade e de menor risco de questionamentos.

Uma primeira medida que pode ser adotada, e foi sugerida por um estudo elaborado pelo Climate Policy Initiative (CPI) em novembro de 2020, é a introdução entre o planejamento e a análise de viabilidade dos projetos greenfield de infraestrutura de grande porte, de uma fase de pré-viabilidade, que atuaria como um filtro para garantir que apenas os projetos viáveis avancem, evitando uma passagem automática entre as fases de planejamento e viabilidade.

Já nesta fase, poderiam ser identificados pontos de atenção para os temas ambientais a serem explorados e aprofundados por ocasião da elaboração dos estudos ambientais. A identificação prévia poderia contribuir para uma abertura do diálogo com as entidades interessadas, de modo a ajustar arestas e conduzir a realização dos estudos ambientais de forma mais abrangente, colaborativa e consistente.

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Antes mesmo do início da elaboração do EIA-RIMA sugere-se, também, a realização de uma avaliação de risco dos principais aspectos que devem compor o estudo ambiental. Temas como característica da vegetação, possíveis ecossistemas e áreas sensíveis impactados, fontes de poluição, impactos a comunidades do entorno e possíveis consequências atreladas às mudanças climáticas podem ser previamente avaliados, de forma a nortear a elaboração do estudo técnico com maior atenção e precisão para os pontos de maior risco.

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Também se mostra salutar a definição pelos órgãos ambientais de termos de referência específicos, claros e completos, por tipologia de empreendimento, que podem contribuir certamente para que os estudos ambientais se amoldem ao roteiro previamente definido pelo órgão ambiental. Um exemplo disso é o recente Termo de Referência Padrão elaborado pelo IBAMA para os Complexos de Energia Eólica Offshore.

Por fim, arriscamos sugerir a adoção de uma fase de mediação no âmbito do processo de licenciamento, para a discussão dos pontos sensíveis do EIA-RIMA, com a participação de todos os interessados na implantação do projeto. Essa fase preliminar teria o condão de promover a gestão prévia dos conflitos potenciais, minimizando o risco de judicialização futura.

Por certo, todas essas possíveis medidas poderão contribuir para a melhoria da qualidade dos estudos ambientais e desta forma reduzir, em grande medida, os riscos de judicialização dos projetos de infraestrutura, principalmente em fases avançadas do licenciamento ambiental.

*Ana Claudia de Mello Franco, sócia da área ambiental de Toledo Marchetti Advogados

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