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Inexigibilidade do CAR sobre os imóveis utilizados em operações de energia elétrica

Por Olivia Garcia de Carvalho de Freitas
Atualização:
Olivia Garcia de Carvalho de Freitas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ainda não está confirmada na legislação atual e nos tribunais, para efeito de dispensa das obrigações decorrentes do Cadastro Ambiental Rural, a função econômica dos imóveis em áreas rurais destinados para operações de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Portanto, não é pacífico o entendimento comum registrado ao longo dos últimos anos e subentendido a partir da vigência plena da norma desde janeiro deste ano. A dúvida decorre da análise da legislação, das poucas decisões que tangenciam o tema e, sobretudo, da intenção de se deixar isso bem claro no marco regulatório para o setor elétrico, posto de lado frente ao ambiente político dos 100 dias.

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Instituído pela Lei 12.651/12 (Código Florestal), e regulamentado pelo Decreto n.º 7.830/12, o CAR tem como objetivo possibilitar a regularização ambiental das propriedades rurais no país. Como forma de controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, bem como combate ao desmatamento exercido pela Administração Pública, o CAR visa unificar as informações acerca das Áreas de Preservação Permanente (APPs), das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas. Nos termos do artigo 29 do Código Florestal, a inscrição no CAR é obrigatória a todos os imóveis rurais, classificados assim pelos critérios de localização e de destinação.

Entretanto, este mesmo Código é, infelizmente, impreciso na definição específica sobre o que seria imóvel rural. Contudo, a Instrução Normativa n.º 02/2014 do Ministério do Meio Ambiente em seu artigo 2.º, I, definiu, ao menos no âmbito da legislação ambiental, a "destinação" como critério definidor do imóvel rural quando classificou como "o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, conforme disposto no inciso I do artigo 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993." Esse mesmo conceito baseou as legislações de São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Espírito Santo e Goiás.

Conscientes do impacto desse critério na atividade econômica do setor de energia, parlamentares que apoiam a área elaboraram a Emenda n.º 135 à Medida Provisória n.º 814/17 a fim de incluir o parágrafo 4.º, no artigo 29 do Código Florestal, para que ficasse expressa a inexigibilidade do CAR para "concessionários, permissionários ou autorizados de empreendimentos de geração, subestações, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica." A intenção não prosperou.

Em que pese a perda de eficácia da Medida Provisória, vê-se claramente a intenção do legislador de descaracterizar os imóveis destinados à geração, transmissão e distribuição de energia elétrica como rurais, inexigindo-se, assim, a sua inscrição no CAR. Alinhado a esse pensamento, o posicionamento adotado no Código Florestal, no seu artigo 12, §7.º, isenta da constituição de reserva legal as áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica.

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já manifestou entendimento de que a classificação do imóvel como urbano ou rural independe de sua localização na respectiva zona, mas sim da forma de vocação econômica, o que significa dizer que um imóvel, ainda que situado em zona urbana, pode ter natureza rural em face de sua destinação e vice-versa.

O fato é que se deve prestar atenção na expressão "que se destine ou possa se destinar" introduzida pela instrução do MMA 02/2014. Isso pode admitir uma ampliação do conceito de imóvel rural pelos órgãos competentes, sob o argumento de que a mera "possibilidade" da área ser destinada a uma das atividades listadas seria suficiente para caracterizá-la como rural.

De toda forma, pode sim ser correto o entendimento de que o conceito de imóvel rural decorre da sua destinação, sendo possível sustentar que as propriedades destinadas à prestação dos serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica não se enquadram no conceito de imóvel rural e, portanto, estão dispensadas da inscrição no CAR, pois não se destinam de nenhuma forma, à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial estando excluídas, assim, do conceito de imóvel rural.

Entretanto, em razão de não haver uma definição legal expressa, o Estado, através de seus órgãos fiscalizadores, age conforme o disposto na legislação, e, na dúvida quanto à exigibilidade, autua aqueles que, supostamente, não cumpriram com suas obrigações, sem qualquer análise da aplicação caso a caso. Caberá, então, ao injustamente autuado buscar seus direitos.

*Olivia Garcia de Carvalho de Freitas, advogada de Franco Advogados no Rio de Janeiro, especialista em direito imobiliário aplicado ao setor de energia

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