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Ineficiências federativas, debate público e a presença de Paulo Francis

Por Bruno Pereira
Atualização:
Bruno Pereira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em um dos momentos de maior lucidez, principalmente porque, no caso, ela era do tipo que pode ser objetivamente aferível por terceiros, Paulo Francis apresentava, no programa "Roda Viva", de 1994, sua incredulidade sobre a sina brasileira de escolher tendências (peço perdão, pois seria imprópria uma palavra mais contundente) via voto em eleições majoritárias e, logo depois, nem se perceber surpreendido quando a conjuntura é alterada. Os casos eram as transmutações Getúlio Vargas/Café Filho, Jânio/Jango e Collor/Itamar. Francis chamou tal sina de elemento "grotesco da história brasileira" e talvez também daria como exemplo a transmutação mais recente: Dilma/Temer.

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Não são apenas nesses poucos casos que as incoerências políticas se materializam com radical leveza. Mesmo quando um pilar é comunicado no período eleitoral pelo candidato(a) vencedor(a), não há garantias de que ele se sustentará durante o mandato. Há exemplos para todos os gostos. A candidata Dilma, em 2010, anunciou em campanha que fortaleceria a Infraero, mas, no mundo real, iniciou a primeira leva de concessões de aeroportos. O candidato Bolsonaro escolheu um frentista liberal, mas, na prática, rendeu-se essa semana a um "debate" público grotesco, em que ficou interditada a reflexão sobre um estudo aparentemente maléfico: "alternativas de parcerias com a iniciativa privada para construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos entes federados". No tempo das redes sociais, qualquer leve ventania é temeroso ou destrutivo vendaval.

Ficou claro, mais uma vez, que a palavra "privatização" ainda tem alguma potência para nublar reflexões práticas sobre o modo como os órgãos estatais tentam gastar com qualidade o produto da arrecadação tributária. Não importa que há uma ineficiência federativa explicitada na implantação e gestão de UBS que foram construídas com recursos públicos sem que houvesse compromisso federativo patente de que haveria recursos financeiros para serem mantidas e operadas. Os fatos simplesmente não são relevantes para permitir que uma reflexão se inicie.

Não importa que parceria público-privada (PPP) implique em criação de ativos públicos, de modo que não pode ser encarada como sinônimo de privatização; não importa que o Município interessado em refletir sobre uma PPP de UBS tem que fazê-lo autonomamente; não importa que a União não pode ordenar que outro ente da federação celebre uma PPP; não importa que, em média, o ciclo de vida de uma PPP, do momento em que é priorizada como ideia até que seja celebrada, consome 24 meses; não importa que é necessária uma consulta pública para a licitação de PPP ser publicada; não importa que deve existir um estudo que justifique a eficiência da PPP do ponto de vista da qualidade do gasto público antes que a licitação seja eventualmente publicada; não importa que já foram celebradas raquíticas 11 PPPs de saúde no país e que tal cenário não foi ofensivo ao SUS em nenhuma medida.

Como se percebe, quase nada de fato importa no "debate" público brasileiro. Infelizmente, argumentos rasos acabam por prosperar e algo que poderia eventualmente ser classificado como "debate público" nem ocorre. A inépcia coletiva brasileira custa muito caro. Nem se todos os veículos de imprensa tivessem, cada um, 3 ou 4 Francis, os eventuais leitores começariam a se sentir provocados a refletir por si mesmos.

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Que haja menos covardia intelectual e política sobre assuntos importantes. Se eventualmente a palavra "privatização" gerar temores no eleitor em 2022, que seja pelo seu real significado. E para aqueles que são contra privatizações, independente de seu significado, torço para que o quanto antes compreendam que a banalização de qualquer palavra tende a torná-la desimportante até mesmo para os eleitores que, não sabendo o que ela significa, têm medo dela.

*Bruno Pereira, sócio da Radar PPP

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