O combate à prática de atos de improbidade administrativa admite a utilização de tutelas cautelares e antecipadas. A Lei n° 8429/92 regulamentou expressamente três espécies distintas de cautelares: a) a indisponibilidade de bens (art. 7º, da Lei n° 8.429/92); b) o sequestro (art. 16, da Lei n° 8.429/92); e c) o afastamento temporário de cargo, emprego ou função (art. 20, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92).
No que concerne à indisponibilidade de bens, o art. 7º, da Lei n° 8.429/92, dispõe que, quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público para a indisponibilidade dos bens do indiciado.[1] Nesses casos, a indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito (art. 7°, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92).
Debruçando-se sobre o tema, o STJ vinha entendendo que a indisponibilidade pode abranger também a multa civil.[2] Isso porque, ao interpretar o art. 7º, da Lei 8.429/1992, o Tribunal tem entendido tratar-se de medida de caráter assecuratório, de modo que a decretação de indisponibilidade de bens deve incidir sobre quantos bens se façam necessários ao integral ressarcimento do dano, levando-se em conta, ainda, o potencial valor de multa civil.
Assim, o STJ tem entendido que a indisponibilidade pode recair sobre:
- bens que assegurem o integral ressarcimento do dano;
- o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito;
- a multa civil.
Contudo, reduzindo a abrangência do instituto, o Projeto de Lei n° 10.887-A, de 2018, busca conferir nova redação ao art. 16, da Lei de Improbidade Administrativa, passando a dispor que:
"Art. 16, § 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita."
Trata-se, portanto, de novo dispositivo que permite a incidência do instituto exclusivamente sobre bens que visam assegurar o integral ressarcimento do dano, afastando a sua aplicação para garantir o pagamento da multa civil.[3]
Observa-se, assim, nítido retrocesso frente às conquistas já alcançadas. A indisponibilidade tem caráter assecuratório, não devendo o legislador, no exercício da criação normativa, violar o grau de densidade normativa já alcançada pelo direito difuso à probidade administrativa em âmbito jurisprudencial.
Com efeito, deve-se atentar para a necessidade constitucional dos poderes públicos atuarem positivamente para o resguardo do direito difuso à probidade, não apenas de modo a manter as conquistas já alcançadas, mas, indo além, avançar no processo de sua concretização.
No caso da modificação empreendida pelo Projeto de Lei n° 10.887-A, de 2018, viola-se, sem razão aparente, a interpretação conferida ao dispositivo pelo STJ, que atribuía maior densidade normativa à tutela da probidade administrativa, permitindo que a indisponibilidade recaísse sobre a multa civil. O legislador dever, ao contrário, estar incumbido de um dever permanente de concretização dos direitos fundamentais, não restringindo garantia processual coletiva anteriormente alcançada em âmbito jurisprudencial.
Em consequência, o novo diploma, no que tange à regulamentação da indisponibilidade de bens, deve ser alvo de cuidadosa revisão, em atenção ao princípio do Estado de Direito, ao corolário da máxima efetividade das normas de direitos fundamentais coletivos e ao direito à segurança jurídica.
[1] O pedido pode ser formulado de forma antecedente ou incidental, podendo ser concedido antes mesmo do recebimento da petição inicial (STJ, Agrg no ArEsp 460.279/MS). E mais: todos os legitimados à propositura da ação de improbidade administrativa podem pleitear a indisponibilidade.
[2] STJ, 1ª Turma, REsp 1.176.440/RO, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 17/09/2013, DJe 04/10/2013. Ressalte-se ser desnecessária a comprovação da dilapidação de bens para a decretação da indisponibilidade (STJ, 1ª Seção, REsp nº 1366721/BA, Dje 19.09.2014 - Recurso Repetitivo Tema 701).
[3] Atente-se para o fato de que o novo diploma afastou expressamente a incidência da indisponibilidade para a atividade lícita.
*Rafael Costa é promotor de Justiça no Estado de São Paulo e professor de Direito
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