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Indicadores de corrupção: como interpretá-los

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Por Manoel Galdino
Atualização:

Manoel Galdino. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A corrupção é um problema grande no Brasil e está entre as principais preocupações dos brasileiros quando se trata de políticas públicas. Diagnósticos errados sobre suas causas, contudo, têm atrapalhado seu enfrentamento e provocado efeitos colaterais negativos. Nesse sentido, um bom entendimento sobre os indicadores de corrupção é importante para mapear os caminhos para enfrentar esse grave problema.

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Há vários indicadores utilizados para medir a corrupção de um país, tais como o componente de controle de corrupção do Worldwide Governance Indicators, do Banco Mundial, e o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional. No entanto, a variação no problema da corrupção mostra como medidas globais sobre corrupção são pouco informativas.

Vale a pena entrar nos detalhes desses índices (e aqui me concentrarei no IPC) para entender sua utilidade e limites. Comecemos pelo óbvio: um índice de percepção, como diz o nome, mede apenas como um fenômeno é percebido, não o fenômeno em si.

De acordo com o relatório da organização, a nota dos países é baseada na média da nota de até 13 fontes de dados diferentes (oito, no caso do Brasil), produzidas em diferentes contextos e algumas mais objetivas que outras, que medem de maneira diferente a corrupção nos países.

Como toda estimativa quantitativa a partir de uma amostra, é necessário quantificar sua incerteza; simplificando um pouco, é preciso calcular a margem de erro. A forma como a Transparência Internacional faz isso hoje corrige alguns dos problemas metodológicos mais óbvios que havia antes de 2017 -  como não corrigir o erro padrão para amostras pequenas.

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Tomando pelo valor de face o cálculo da incerteza do IPC, é possível que o Brasil tenha uma nota entre 41 e 35, considerando 95% de confiança, segundo o relatório. O que isso poderia significar em termos de ranking?

Para responder a essa pergunta, simulei 1.000 cenários, variando a posição de cada um dos 180 países avaliados de acordo com a nota e o erro padrão reportado na pesquisa. Como resultado, verifiquei que o Brasil poderia estar na posição 73ª do ranking (23 posições à frente do atual 96º lugar) ou em 122º lugar, 26 posições atrás. Se excluirmos simulações improváveis e nos restringirmos a 95% dos casos, o Brasil ficaria entre o 82º e o 112º lugar. Como se pode perceber, há bastante incerteza nas estimativas e a variação de um ano para outro está dentro da margem de erro.

Outro problema é que o indicador não traz detalhes sobre onde estão os problemas de corrupção dos países - algo que o Barômetro Global da Corrupção, também da Transparência Internacional, mostra.  Se considerarmos corrupção, como defende a professora Alina Mungiu-Pippidi, como o favoritismo e particularismo em oposição ao universalismo ético, um item no survey é bastante revelador: pergunta-se se o entrevistado teve de pagar propina, presente ou favor para obter um serviço na escola pública, acesso à saúde pública, obter um documento de identidade ou polícia. No caso do Brasil, 96%, 95%, 93% e 88%, respectivamente, dos entrevistados, declararam nunca terem feito qualquer prática do tipo em 2019.

Um ranking de corrupção baseado na resposta a essa pergunta traria uma perspectiva um pouco diferente. Combinando os dados da América Latina de 2019 e Europa de 2021, o Brasil ocuparia diferentes posições em termos de corrupção em serviços públicos. Em uma amostra de 45 países, ficaria em 18º lugar em corrupção na educação (empatado com a França), 17º na saúde, 30º para obtenção de documento de identificação e 31º em serviços de polícia.

Nesse caso, vemos que o problema da corrupção não é igual em toda a área pública brasileira. O mesmo barômetro da corrupção registrou que apenas 59% dos entrevistados disseram que nunca lhe ofereceram propina ou favor especial em troca de voto no Brasil. Isso sugere que compra de votos é um problema muito mais sério no Brasil do que a corrupção na educação ou saúde e deveríamos concentrar esforços nessa seara.

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Diante dessas limitações, o IPC é inútil? Longe disso. Os melhores indicadores objetivos de corrupção em países foram desenvolvidos para os países da União Europeia, com base em dados de compras públicas. Sabe-se que licitações com apenas um concorrente, sem ampla divulgação e com prazos apertados, por exemplo, estão correlacionadas com a ocorrência de corrupção.

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Fazeka e co-autores desenvolveram um índice de corrupção (veja documento abaixo) com base nesses indicadores objetivos. Quando analisado com o IPC de 2013, acharam uma correlação de 66% para os países da UE + Noruega. Embora esses dados se refiram a 2013, ainda assim a correlação alta é sugestiva para os índices atuais, já que a variação entre anos é baixa. Então, na ausência de dados melhores, o IPC pode ser utilizado como uma primeira aproximação sobre os níveis de corrupção de um país. Contudo, sabemos que a variação entre anos tende a ser baixa, e há pouca evidência sobre como o índice se correlaciona com corrupção real em países fora da Europa.

O IPC ajuda também a reforçar a atenção para a necessidade de esforços anti-corrupção, especialmente importantes em um país como o Brasil, e mais ainda no contexto atual. Nesse sentido, não se pode desvalorizar o IPC como sendo inútil, quando ele claramente traz benefícios reais. Precisamos apenas ter clareza de que ele não é um indicador objetivo de corrupção e suas limitações sobre onde especificamente estão os maiores problemas de um país.

*Manoel Galdino é formado em Economia e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É diretor executivo da Transparência Brasil

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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