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Incertezas adiam retomada econômica

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Por José Pena
Atualização:
José Pena. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governo Bolsonaro apresentou no último dia 20 de fevereiro sua proposta de reforma da previdência. O impacto fiscal estimado nos primeiros 10 anos de sua vigência alcançaria R$ 1,1 trilhão. Ao longo de 20 anos, esse valor chegaria a R$ 4,5 trilhões.

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Embora incapaz de eliminar o déficit previdenciário, a proposta desenvolvida pela equipe do ministro Paulo Guedes é inegavelmente abrangente e ambiciosa. Basta dizer que a reforma proposta pelo governo Temer ao final de 2016 previa um impacto fiscal de R$ 850 bilhões em 10 anos. Além do aspecto financeiro, ela tem o mérito de atacar enormes distorções existentes tanto no regime geral (composto majoritariamente pelos trabalhadores do setor privado) como (e principalmente) nos vários regimes do funcionalismo público em suas três esferas.

Outro ponto de grande relevância na proposta recém encaminhada ao Congresso Nacional é o da chamada desconstitucionalização das regras previdenciárias. Se aprovada, permitiria fazer ajustes se e quando necessários de forma mais ágil e fácil, uma vez que exigiria um quórum menor para sua aprovação pelo Congresso. Significaria também convergir ao padrão internacionalmente dominante, em que tais regras são definidas por comandos infraconstitucionais.

Embora o grau de conscientização da sociedade quanto à insustentabilidade do quadro atual da previdência tenha aumentado no passado recente, ele é e sempre será um tema espinhoso do ponto de vista político, pois implica em impor perdas em relação às expectativas de direito da sociedade como um todo ou de determinados segmentos em particular. Importante ter em mente que alguns dos grupos que desfrutam de benefícios previdenciários bastante superiores à média da população são bastante vocais e/ou têm uma sobrerrepresentação no Congresso (vis à vis sua participação na população), o que a priori pode limitar as chances de aprovação de algumas das medidas propostas.

Por isso, é mais que razoável esperar que a emenda constitucional recém encaminhada seja atenuada em seu impacto fiscal durante a tramitação no Congresso. Como parte de um valor inicial expressivo, pode mesmo assim chegar ao seu final com uma economia ainda relevante. Será, contudo, um caminho demorado e tortuoso, fruto, entre outros fatores, de um começo hesitante na relação do executivo com sua potencial base de apoio no Congresso.

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A perspectiva de uma tramitação lenta, por seu turno, impacta negativamente o processo de retomada da atividade econômica. Seja porque limita o avanço de outras pautas que poderiam ampliar a produtividade da economia brasileira, ao concentrar as atenções e o capital político do governo, seja porque os agentes econômicos tendem a postergar planos mais ambiciosos de investimento ou consumo à falta de uma maior clareza de como se dará a solução para o nosso gravíssimo problema fiscal.

Além disso, dificilmente poderemos contar com o impulso da economia externa no futuro próximo. No início de 2018, o crescimento da economia de diversos países se encontrava perto dos melhores níveis pós-crise financeira, acima dos respectivos potenciais de longo prazo na maior parte dos casos.

Ainda que alguma normalização fosse esperada, desde os últimos meses do ano passado a desaceleração do crescimento global ganhou velocidade inesperada. Têm sido notáveis tanto a intensidade como a amplitude geográfica das revisões, para baixo, das expectativas de crescimento.

A economia americana ainda mostra um certo vigor, mas seu melhor momento claramente já ficou para trás, reflexo tanto do aperto monetário do passado recente como do fim dos efeitos benignos do impulso fiscal do final de 2017/início de 2018. Os países europeus, por seu lado, sentem com maior intensidade o recuo do fluxo de comércio global, na medida em que estão entre os mais abertos do mundo. Enfrentam também desafios domésticos e regionais, entre eles, o Brexit e o recrudescimento do risco soberano na Itália.

Entre os emergentes, a desaceleração da China é intensificada pelas incertezas associadas à disputa comercial com os EUA, e, na Argentina, importante parceiro comercial brasileiro, a sombra da indefinição eleitoral provavelmente dificultará a saída da recessão que o país enfrenta desde o ano passado.

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O denominador comum de todos esses casos, Brasil incluído, é um quadro de enorme incerteza, o que acentua a desaceleração econômica global e, no caso doméstico, posterga a retomada mais acelerada da atividade. Com a eventual aprovação da reforma da previdência no segundo semestre deste ano (hipóteses de aprovação ainda nesta primeira metade do ano soam cada vez mais irreais), é possível que um ritmo mais forte de crescimento seja adiado, ficando mais claro apenas em 2020.

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Esse quadro de incerteza, traduzido por um início de ano bastante letárgico, nos leva a revisar a projeção de crescimento do ano de 2,2% para 1,8%, insuficiente, por seu turno, para promover uma recuperação mais relevante do mercado de trabalho no futuro próximo.

Se há algo de positivo nesse cenário é a manutenção de um comportamento benigno dos índices de preços, provavelmente ficando abaixo, novamente, do centro da meta de inflação, definida em 4,25% para este ano. Com isso, o início da normalização dos juros, que esperávamos começar ao final deste ano, deve ser postergado para o início de 2020.

*José Pena é economista-chefe da Porto Seguro Investimentos

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