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Imposto às escondidas

Governo federal transfere a conta do rombo fiscal para o pedágio das rodovias brasileiras

Por Will Bueno
Atualização:

O alto índice de acidentes, as longas horas de engarrafamento e a precariedade da infraestrutura são indicadores que amargam a vida dos usuários das rodovias brasileiras. Só as rodovias federais registraram, em 2018, cerca de 70 mil acidentes, sendo mais de 50 mil com vítimas (mortos ou feridos).

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Ainda que amargos, esses mesmos números sinalizam oportunidades de investimento. Tais indicadores revelam a alta demanda por melhorias, com potencial de ser transformada em apetitosos retornos financeiros no médio e longo prazo. Mas, ao contrário do que se poderia esperar, não é apenas o setor privado que está de olho neste potencial de retorno financeiro. O governo federal também. Prova disso são as concessões das rodovias federais previstas para 2020. São mais de 4.000 km de rodovias, que serão concedidas às empresas que oferecerem o maior valor de outorga, uma espécie de taxa paga ao governo federal pelo direito de exploração da rodovia.

O terreno para esta nova forma de concessão - maior outorga - está sendo preparado na BR-381 em MG, no trecho conhecido como Rodovia da Morte, entre BH e Governador Valadares. Ali, em uma rodovia reconhecidamente complicada por suas características, será 'testado' o modelo, para então, posteriormente, ser aplicado nas consideradas "joias da coroa" do setor rodoviário federal, como os trechos da BR-040, entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro, e a Rodovia Presidente Dutra (BR-116), que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, por onde passam anualmente mais de 20 milhões de veículos.

Há algo errado em selecionar a empresa que oferecer a maior outorga? Não, não há. Este método de seleção é o mais indicado para atrair capital e empresas mais capacitadas. Este modelo tem sido aplicado com sucesso nos aeroportos.

Entretanto, há uma nítida diferença entre o modelo dos aeroportos e o rodoviário. No caso dos aeroportos, o valor da outorga vai para o Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC) para ser reaplicado em aeroportos menores, ou seja, o dinheiro volta para o usuário. Mas no caso das rodovias, não existe fundo equivalente, fazendo com que o valor da outorga vá para a conta geral do Tesouro, para cobrir rombo fiscal do governo e pagar despesas que nada têm a ver com serviços rodoviários. Em suma, é como se o governo estivesse criando um novo imposto travestido de pedágio. É um "imposto às escondidas".

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Diante a crise fiscal, é compreensível a argumentação de que os recursos da outorga fossem destinados ao caixa da União. Entretanto, tais argumentos não convencem a população, quem de fato irá financiar as obras. Ninguém nega que a crise fiscal existe. Mas não se pode admitir que este problema seja transferido para os usuários das rodovias federais brasileiras.

Por esta razão, há quem considere a criação de um fundo rodoviário, nos mesmos moldes do fundo da aviação, uma solução viável para assegurar a reaplicação dos valores da outorga no setor rodoviário. Entretanto, esta medida encontra pedras no caminho. Além de exigir aprovação legislativa, a criação de fundo torna o orçamento público engessado e vai contra a proposta do governo de extinção dos fundos.

Por outro lado, existem soluções muito mais simples, que exigem apenas o bom senso dos gestores públicos. O valor da outorga poderia ser reaplicado, por exemplo, para abater no valor do pedágio ou para antecipar o cronograma de obras. Outra solução seria a aplicação imediata dos recursos da outorga em obras rodoviárias urgentes e prioritárias, que estão fora do escopo da concessão, mas são complementares a ela, tal como pontes, viadutos, túneis ou obras de contorno metropolitano. Tais obras complementares poderiam ser imediatamente executadas a depender do valor de outorga arrecadado no leilão.

Essas soluções se dariam no próprio contrato, de forma simples e direta, sem a necessidade de medida legislativa. Assim, há de prevalecer o princípio da eficiência com "menos leis e mais bom senso".

*Will Bueno, especialista em Infraestrutura. Mestre em Administração Pública pela Universidade de Columbia - NY. Membro fundador do Infra2038

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