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Impeachment e garantias constitucionais

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Por Redação
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*Por Pedro Estevam Serrano

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A questão da possibilidade ou não de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff tem sido tratada com uma precipitação descabida, que exclui do debate, na grande maioria das vezes, o que é fundamental: os requisitos constitucionais indispensáveis para se instaurar um processo desta natureza.

Antes de mais nada, é preciso salientar que impeachment não é um ato relacionado ao direito penal. O crime de responsabilidade que o enseja, apesar da palavra crime, não é uma conduta que compete ao direito penal, mas sim uma infração política. No entanto, isso não significa que seu estabelecimento e julgamento ? político, e não penal ? possam ocorrer à revelia da nossa Lei maior. Há uma tendência, imposta pelo senso comum, a acreditar que um julgamento político é uma decisão livre, não jurídica, sem amarras na lei, o que não é verdade. No Estado Democrático de Direito, tudo aquilo que é político está subordinado ao direito.

Quando se diz que o impeachment é um procedimento político, este adjetivo não deve ser tomado em seu sentido mais corrente ou naquele empregado pela ciência política. O "político", nesse contexto, refere-se a um regime jurídico próprio, a um conjunto de normas e princípios que regem a execução do processo. Portanto, para haver uma condenação política num processo de impeachment os requisitos jurídicos deste regime precisam ser cumpridos; caso contrário, esse julgamento será inválido.

Retomando a questão dos requisitos indispensáveis, a primeira condição para a instauração do impeachment diz respeito à autoria. A Constituição caracteriza como crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e contra demais itens especificados em seu artigo 85. Isso significa que o presidente precisa praticar a ação e que não pode ser responsabilizado por atos de outros agentes públicos.

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A segunda característica imprescindível é a culpabilidade. Nem a Constituição nem a lei que regulamenta o impeachment, a 1.079/1950, preveem crime de responsabilidade por ato culposo. Isso significa que é preciso haver dolo, ou seja, o mandatário tem que ter ciência de estar praticando uma ilicitude e produzir intencionalmente o resultado ilícito. Por mera culpa não pode sofrer processo de impeachment.

Outro aspecto fundamental é que, por ser um agente político, não recai sobre o presidente da República o mesmo princípio da continuidade administrativa aplicado aos agentes administrativos. Aplica-se, sim, o princípio republicano que determina a periodicidade dos mandatos, ou seja, a renovação do poder pela vontade popular a cada quatro anos, iniciando-se assim um novo momento na estrutura política do Estado. Se houver cometido uma infração no mandato anterior, só poderá ser punido por crime comum ou outras formas de responsabilização. O impeachment, como modalidade de punição por crime de responsabilidade, só pode ser aplicado sobre ato praticado no interior do mandato vigente.

Há ainda outra questão que é a da justa causa. Somente uma ilegalidade ou irregularidade tida como de relevante gravidade pode interromper o ciclo democrático, por conta da relevância da soberania popular em nosso regime político-constitucional. Isso, claro, após estabelecido o devido processo legal com amplo direito de defesa.

Por essas razões, qualquer debate sobre impeachment que passe ao largo dos preceitos constitucionais não pode ser entendido como republicano, muito menos democrático. Defender o impeachment sem que existam as condições razoáveis para que ele aconteça, mais do que oportunismo, é flerte com golpismo e um atentado ao fortalecimento das nossas instituições.

* Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP e pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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