novo coronavírus não veio sozinho. Faz parte de um conjunto de nuvens ameaçadoras que já vinham se avolumando no horizonte empresarial, incluindo uma economia mundial inflada artificialmente em alguns setores; inúmeros negócios tradicionais sendo destruídos da noite para o dia por soluções disruptivas oriundas destart-ups tecnológicas; tensões internacionais em torno da produção e do comércio do petróleo; e, como se esses fatores não bastassem, pelo verdadeiro "apagão da liderança" que tem exposto vários países e instituições.
Como uma ventania indesejada, o vírus precipitou e exponencializou a turbulência que já se desenhava, impactando de forma imprevisível a vida social, comunitária, familiar e empresarial, em todos os continentes. As empresas, atônitas, se defrontam com desafios inimagináveis em um tema que nunca foi devidamente valorizado no Brasil: a gestão de riscos e de crises. Falta ao País experiência, capacitação e atitude para lidar com a complexidade de tal situação.
No passado, crises perturbadoras afetavam empresas de forma casuística. Problemas de imagem, conduta ética, escândalos, acidentes ambientais e erros estratégicos aconteciam em ocasiões distintas, no tempo ou na geografia. Agora, tudo afeta todos de uma só vez, com pânico, depressão e temores. Contudo, o vírus não é o único culpado. Apenas desnudou nossa fragilidade social, empresarial, familiar e humana. Estamos vivendo um momento sem precedentes.
Como lidar com a força destruidora desse conjunto de circunstâncias capitaneado pelo Covid-19? Há três tipos de respostas que as empresas precisam estruturar.
A primeira, mais imediata, é a resposta emergencial que várias empresas já estão dando por meio de muitas ações, com a nobre intenção de proteger seus quadros. Providências tais como home office, teletrabalho, transporte, flexibilização de horários, higiene de instalações, novas regras de convivência social e entre colegas. Enfim, proliferam instruções de procedimentos a fazer ou evitar.
São tocantes os sinais de solidariedade na vida privada e com as famílias do corpo de funcionários. Como não estamos habituados a trabalhar em home office, também vale capacitar os gestores de equipes para liderar a distância, mantendo a turma produtiva enquanto zelam pelo bem estar de todos. Tudo isso é muito importante e fundamental. Ou seja, a primeira lição é: proteger e orientar as pessoas, que compõem o ativo mais valioso de qualquer empresa. Temos responsabilidade com elas e por elas, partindo do princípio inquestionável de que a saúde é a rainha da vida.
O segundo tipo de resposta é a implantação estruturada da governança para a crise, consistindo na ampliação do leque de iniciativas. Esse movimento passa, fundamentalmente, pela formação de um comitê multidisciplinar, que transcende a diretoria formal da empresa. Afinal, existem vários pilares de ação que precisam ser pensados, além da total prioridade com a saúde e segurança das pessoas, como o pilar jurídico-legal, o financeiro, o de infraestrutura e operações (iniciativas pertinentes aos processos produtivos, edificações, equipamentos e logística de distribuição)e o da Comunicação, entre outros.
Cada um desses pilares - cito aqui apenas os genéricos, pois cada organização tem pilares específicos - deve desenvolver ações para o mapa de stakeholders da empresa-pessoas, clientes, parceiros, investidores, comunidade, mídia e, em alguns casos, o governo.
Esse conjunto de pilares e stakeholders podem ser visualizados nos dois eixos de uma "Matriz Integrada de Iniciativas para o Combate ao Impacto da Crise". Desta forma, a empresa constrói um "cockpit" de tomada de decisões para definir prioridades estruturantes e um plano de ação para cada uma dessas prioridades.
Por exemplo, o pilar jurídico-legal precisa deixar claro o conjunto de medidas a serem implantadas junto aos colaboradores (atender a pré-requisitos legais do home office);clientes (gerenciar possíveis rupturas nos contratos com clientes impossibilitados de comprar da empresa); parceiros (lidar com compromissos junto a fornecedores que a empresa não vai poder cumprir); e assim por diante.
Outro caso emblemático de ação relevante reside em um possível pilar de capacitação, que pode orientar e preparar a força de vendas para estar próxima dos seus clientes, mesmo estando "longe".
Já a terceira resposta exige uma reflexão estratégica bem mais profunda. As duas primeiras lidam com curto prazo e aspectos mais imediatos da sobrevivência das pessoas e das empresas. O topo da empresa precisa, adicionalmente, focar em questões essenciais para garantir a sustentabilidade da empresa e a empregabilidade da sua força de trabalho no médio e longo prazo, tais como:
- Como obter o reequilíbrio da equação financeira da empresa em termos de custos, excelência operacional, níveis de endividamento, liquidez e estrutura de capital, entre outros aspectos?
- Como identificar novas oportunidades de negócios como, por exemplo, a percepção de novos produtos e serviços decorrentes dos novos hábitos que os consumidores desenvolverão durante o período de quarentena e crise. Nas áreas de entretenimento, lazer, educação online, telemedicina e entregas digitais, entre outras, parece muito óbvio perceber novas demandas. E no seu negócio específico? O que o consumidor agora gostará de desfrutar que era impensável antes? Quais novos nichos de clientes poderão ser focados para desenvolver novas soluções, a partir de competências diferenciadoras já existentes ou que pode ser adquirida rapidamente?
- Como mitigar riscos não percebidos antes e que agora são mais visíveis e podem impactar a empresa no futuro?
À luz desses vetores, cada empresa, sem exceção, vai precisar fazer essa reflexão estratégica sobre seu futuro. Qual o rumo seguir? Qual negócio deve ser foco daqui em diante? De qual negócio ou investimento é melhor sair? Quais oportunidades inexploradas precisamos identificar?
Há outros questionamentos também essenciais. O nosso modelo atual de estrutura, gestão e perfil de pessoas continuará sendo o mais adequado, após todos os "experimentos" advindos da quarentena? O que pode ser terceirizado ou feito de forma mais flexível e eficiente a partir de agora? Como aumentar nossa eficiência operacional após essa verdadeira "experiência de guerra"? Quais as novas prioridades para fecharmos 2020? Quais sementes precisamos plantar desde já para o biênio 2021-22?
Enquanto isso, não adianta ficar refém do medo, optar pelo muro das lamentações ou procurar bodes expiatórios. Temos que entender com maior profundidade a realidade que nos envolve. É hora de nos mantermos bem informados e adotarmos uma série de precauções, mantendo olhos bem abertos e pés muito bem fincados no chão. Porém, isso não deve, em hipótese alguma, nos impedir de continuarmos sonhando e construindo o futuro, tanto do País como das empresas, famílias e da nossa própria carreira.
Uma crise dessas proporções não permite postura protocolar de quem está no comando de uma família, empresa ou instituição. Não é hora de se esconder. A liderança precisa se posicionar e esses três tipos de respostas são necessários para tranqüilizar pessoas, clientes, parceiros e investidores. Apresentar iniciativas, de forma estruturada e coerente, será fundamental para alinhar e comprometer as pessoas com uma visão compartilhada, tanto das providências de curto prazo quanto sobre o futuro. Só assim aumentaremos a taxa de sucesso na execução, o eterno "calcanhar de Aquiles" da estratégia.
Capriche na coragem, determinação, disciplina, criatividade e perseverança nesse momento delicado e esteja preparado para desfrutar as oportunidades quando os novos ventos começarem a soprar.
César Souza é o fundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia Empresarial, Desenvolvimento de Líderes e na estruturação de Innovation Hubs. Autor de best-sellers voltados ao mundo corporativo, incluindo "Seja o Líder que o Momento Exige"*