As imagens da condução do ex-governador do estado do Rio de Janeiro, amarrado e algemado, impressionaram bastante.
Não porque se trata de um ex-governador.
É que existem regras para o uso de algemas.
Elas foram estabelecidas, pelo Supremo, na Súmula Vinculante [SV] 11.
O enunciado normativo da SV 11/STF diz que Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Avalia-se por partes.
A norma [legal] revela que é possível [sim] o uso de algemas - não, porém, o uso de correntes - para evitar resistência [atitude ativa e não passiva[1]], por parte do preso [exemplo: enfrentamento, luta, choque].
O receio de fuga também precisa ter um mínimo de base empírica idônea e de elementos concretíssimos de evidência: - não pode resultar da capacidade intuitiva das autoridades e dos agentes.
Também parece não ter havido, na hipótese, qualquer perigo à integridade física do preso e de terceiros.
A imprensa investigativa nunca publicou que o preso fosse, ou tivesse se tornado, uma pessoa [fisicamente] violenta.
Importante observar que a SV 11/STF não menciona - nem mesmo de passagem -, a quantidade de pena imposta ao preso [um ano, cem anos, mil anos], como condição necessária e suficiente para o uso de algemas. A condenação penal então - transitada em julgado ou não -, é elemento neutro, no particular. Em português claro: um condenado a cumprir trezentos anos de pena privativa de liberdade pode, teoricamente, ser transportado e conduzido sem algemas e um investigado, no início de um inquérito policial, pode ter de ser transportado e conduzido, em princípio, algemado.
O uso de algemas para resguardar a segurança do preso - no caso - é glosado pelas próprias imagens reveladas pela mídia investigativa[2]. Se esse argumento fosse minimamente plausível então o preso teria de estar vestindo colete à prova de balas e com capacete especial.
O ponto fundamental é que o uso de algemas - tal e como ocorre com o poder-dever de apurar e de punir - pressupõe a obediência irrestrita das regras estabelecidas. A lei impera no Estado Democrático de Direito.
Nessa mesma linha de entendimento foi a decisão que determinou a condução coercitiva do ex-presidente da República - na Operação Aletheia:
Expeça-se quanto a ele mandado de condução coercitiva, consignando o número deste feito, a qualificação e o respectivo endereço extraído da representação. Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-Presidente para a colheita do depoimento.[3]
Advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York
[1]Se uma pessoa com extremo sobrepeso [o uso da redundância é proposital] se deitar no chão - em atitude passiva - não há, em princípio, resistência.
[2]http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/pf-diz-que-cabral-algemado-segue-protocolo-de-seguranca/.
[3]http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/veja-a-ordem-de-moro-para-conduzir-lula-sem-algemas/.