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Hotel ligado à família de Paulo Vieira de Souza recebeu R$ 1,3 milhão para hospedar a si mesmo, aponta Lava Jato

Notas fiscais apreendidas pela força-tarefa listam depósitos feitos na conta do estabelecimento por reservas registradas em nome do próprio hotel, em operação suspeita de lavagem de propina; há reservas de R$ 4,3 mil por apenas oito minutos de hospedagem e acomodação de 19 pessoas no mesmo quarto

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

Notas fiscais apreendidas pela força-tarefa da Lava Jato São Paulo identificaram que o Hotel Giprita, da família do ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, recebeu R$ 1,3 milhão por reservas feitas em nome do próprio hotel. Os depósitos teriam sido realizados entre 2016 e 2019 e apontavam para situações suspeitas, como uma reserva de apenas oito minutos que custou R$ 4,3 mil e foi paga em dinheiro.

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As acusações constam na denúncia apresentada nesta quinta, 3, pela Lava Jato bandeirante contra Paulo Vieira de Souza, apontado como operador de propinas do PSDB. O ex-diretor da Dersa é acusado de lavagem de dinheiro por meio de depósitos que inflavam artificialmente o caixa do hotel da família com objetivo de ocultar a origem de vantagens ilícitas. O estabelecimento, então, quitava despesas pessoais e familiares de Paulo Vieira de Souza, como a compra e manutenção de veículos de luxo e reforma de imóveis.

De acordo com as investigações, o Hotel Giprita, localizado em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, emitiu notas fiscais no valor de R$ 1,3 milhão no período de 25 meses (agosto a dezembro de 2016, janeiro a junho de 2017 e dezembro de 2018 a agosto de 2019). As reservas eram feitas em nome do próprio hotel, como se ele fosse o hóspede do estabelecimento. Em média, era como se o hotel recebesse R$ 50 mil de si próprio por mês.

"Os valores indicados nessas notas de hospedagem em que figura o próprio hotel como hóspede, aliás, são não apenas muito superiores à média observável em estabelecimentos similares na mesma região em que localizado o hotel Giprita mas, também, muito superiores àqueles que constam em notas correspondentes a hóspedes pessoas físicas (clientes efetivos), o que reforça a percepção de que tais registros tinham como objetivo dar aparência de licitude, como se decorrentes de atividade hoteleira fossem, a valores recursos oriundos de práticas criminosas", aponta a Lava Jato.

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Paulo Vieira de Souza. Foto: JF Diorio/Estadão

Segundo os procuradores, a coordenação dos depósitos ficava por conta da ex-mulher de Paulo Vieira de Souza, Ruth Arana de Souza, que coordenava o melhor momento de 'lançar' as reservas com um gerente do estabelecimento. Ela também foi denunciada pela Lava Jato.

Em diálogo obtido pela força-tarefa, Ruth discute com o funcionário sobre a melhor data para fazer o registro das reservas. Ela pede ao gerente que lançasse no dia 23 de fevereiro os registros de pagamentos de reserva nos valores de R$ 1.650, R$ 2.100 e R$ 1.800. As notas fiscais elaboradas indicam que o próprio hotel teria ocupado, como hóspede, três unidades do estabelecimento no mesmo dia, com pagamento em dinheiro.

"Chama a atenção o fato de que os registros de entrada e saída, em cada uma das três diárias, indicam um intervalo entre o check-in e o check-out não superior a 40 minutos em cada uma delas, e em horários que integralmente coincidem", aponta a Lava Jato SP.

Buscas na residência da ex-mulher de Paulo Vieira de Souza descobriram anotações de depósitos com valores e datas que batem com notas fiscais suspeitas emitidas em nome do próprio estabelecimento.

Além disso, outras atividades suspeitas foram descobertas pela Procuradoria, como o fato do Hotel Giprita ter recebido R$ 4,3 mil em dinheiro por uma hospedagem para si próprio de apenas oito minutos. Em outro caso, o estabelecimento recebeu R$ 8 mil em espécie pela ocupação de três quartos durante uma única tarde - mas cobrou duas diárias de cada quarto.

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Nota fiscal de diária registrada no Hotel Giprita em nome do próprio estabelecimento: R$ 4,3 mil em espécie. Check-in feito às 19h28 e check-out às 19h36.  

"Embora em todas estas notas de hospedagem conste, como hóspede, 'Hotel Giprita', nelas são referidos diversos supostos ocupantes adultos dos quartos, o que, porém, também se mostra patentemente fictício em um olhar atento, seja pela quantidade inusitada de hóspedes indicados seja pela ausência de preenchimento dos dados dos hóspedes", apontou a Lava Jato.

Em uma das notas, o Hotel Giprita alega ter hospedado, em seu próprio nome, 19 pessoas no mesmo quarto.

"Estes diversos elementos deixam claro o caráter fictício de relevante parte de seus registros de hospedagem, feitos com o intuito de inflar artificialmente o faturamento da pessoa jurídica em questão, de modo a dar aparência de licitude a recursos de origem ilícita que eram recebidas em sua conta", aponta a Lava Jato.

Nota fiscal do Hotel Giprita aponta para reserva de um quarto para 19 pessoas na mesma tarde. Valor pago: R$ 2,1 mil.  

Depósitos fracionados. Apesar das notas fiscais apreendidas pela Lava Jato serem datadas a partir de 2016, quebra de sigilo bancário do Hotel Giprita autorizada pela Justiça levou os procuradores a identificarem 'expressivos depósitos em espécie' feitos na conta do estabelecimento entre 2007 e 2010, período no qual Paulo Vieira de Souza atuou como diretor da Dersa.

"Selecionando apenas os montantes depositados em dinheiro em favor do Hotel Giprita Ltda, chega-se a somatório superior a 1 milhão de reais em 2007, superior e 1,4 milhão de reais em 2008, 1,58 milhão de reais em 2009 e superior a 1,9 milhão de reais em 2010", apontou a Lava Jato.

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Fachada do Hotel Giprita, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Foto: Google Street View

Chamou a atenção da força-tarefa o fato dos depósitos terem sido fracionados em valores inferiores a R$ 10 mil a partir de julho de 2009, quando o Banco Central baixou circular em que tornava compulsória a notificação de instituições financeiras ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) quando se fazia um depósito de valor superior a R$ 10 mil.

Por exemplo, em julho de 2009, antes da medida entrar em vigor, foram feitos dois depósitos de R$ 30 mil cada e três depósitos de R$ 20 mil na conta do Hotel Giprita, totalizando R$ 120 mil no mês.

Em novembro do mesmo ano, quando  a circular do Banco Central já estava em vigor, o número de depósitos subiu, e os valores depositados caíram. Naquele mês, foram feitos 17 depósitos na conta do hotel em valores que variavam de R$ 2,3 mil a R$ 9,5 mil, chegando ao total de R$ 128 mil no mês. Em março de 2010, foram 28 depósitos com quantias inferiores a R$ 10 mil mas que, somadas, chegavam a R$ 201 mil.

"Verifica-se, assim, o claro intuito de fugir à incidência do mecanismo de controle [...], intuito este que revela o propósito de ocultar dos órgãos de controle as movimentações financeiras realizadas", destacou a Lava Jato.

Condenação. Paulo Vieira de Souza detinha até dezembro do ano passado a maior pena imposta pela Lava Jato a um investigado: 145 anos e oito meses de prisão pelos crimes de peculato, inserção de dados falsos e associação criminosa em denúncia apresentada sobre supostos desvios de R$ 7,7 milhões que deveriam ser aplicados na indenização de moradores impactados pelas obras do Rodoanel Sul e ampliação da avenida Jacu Pêssego, em São Paulo.

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A sentença, contudo, foi anulada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça. O magistrado tomou a decisão após o Supremo Tribunal Federal (STF) firmar o entendimento de que delatados devem se manifestar depois dos delatores nas alegações finais, que precedem a sentença no processo.

A anulação jogou o caso para a fase final de julgamento em primeira instância, conduzida pela juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo. A filha de Paulo Vieira de Souza, a psicóloga Tatiana Arana de Souza Cremonini, também teve sua sentença de 24 anos e três meses de prisão anulada.

COM A PALAVRA, PAULO VIEIRA DE SOUZAA reportagem busca contato com a defesa de Paulo Vieira de Souza. O espaço está aberto a manifestações (paulo.netto@estadao.com)

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